Isadora 🥀
Quando eu chego em casa, Frida ainda está dormindo e minha vó sentada na sala me esperando, já estava tarde, mas ela sempre fazia isso, tinha medo do que poderia acontecer comigo no caminho de volta pra casa. Eu também tinha medo, sempre tive, mas se eu deixar esse medo me dominar eu nunca mais saio de casa, e convenhamos que o caminho que eu quero seguir, não é daqueles que trabalham em home off, vou ter que sempre tá saindo de casa para resolver assuntos dos meus clientes.— Como foi lá? — Ela me pergunta, enquanto dou meia volta no sofá e sento para tirar os sapatos.— Foi estranho... Eu ia resolver a situação dele, mas ele quis ser preso, eu disse que ele era meu primeiro cliente. Não sei se não confiou no meu potencial ou está me desafiando, ele disse pra eu voltar daqui quatro meses e defender ele no tribunal quando eu me formar.— E isso não é bom? — Minha vó pergunta entusiasmada.— Talvez, vó. Mas acontece que o Rio de Janeiro é muito grande, eu nem sei para qual sistema prisional ele será transferido, não tenho um telefone para contato. Acho que fui dispensada antes mesmo de começar. — Sorrio pra ela que retribui — Por que esta acordada tão tarde?— Estava esperando você chegar, saiu tão animada que não consegui dormir sem antes você me contar tudo.— Não foi dessa vez. Mas creio que Deus tem algo maior a me oferecer.— Vai dar certo, Isadora. Nunca perca a fé! — Afirmo com a cabeça enquanto ela me observa pronta para falar algo. — Sua mãe esteve aqui com seu irmão, ela viu Frida e...— Vó... Eu não odeio minha mãe, mas eu não quero que ela tenha contato com Frida, nunca.— O que aconteceu com você naquela noite, Isadora? Por favor, conversa comigo, eu sei que algo está te matando por dentro. Desabafa minha filha, já fazem quase cinco anos e desde então você nunca mais foi a mesma.Eu não gosto de voltar naquela noite, por que eu me lembro direitinho o que aconteceu, e não uma memória tão boa que eu goste de relembrar. Mas sim, isso me mata por dentro todos os dias durante esses quase cinco anos, sei que posso confiar em minha vó, mas não sei se quero falar sobre isso agora.— Ainda não estou pronta pra falar, vó. Desculpe!— Quando vai esta? Eu não suporto mais ver você sofrer em silêncio, você chora constantemente olhando para Frida, tá sempre querendo tomar café escondido, você nunca foi de fazer isso, Isadora.— O meu choro olhando para Frida não é ruim, são lágrimas de alegria, ela é minha filha e eu a amo. Eu juro que quando eu tiver pronta para falar sobre isso, eu conto tudo para senhora, mas hoje não.Ela só afirma com a cabeça e eu não falo mais nada, me levanto e dou um beijo em sua testa e vou para meu quarto. Frida dorme encolhidinha no canto da minha cama, com o cabelo espalhado no rosto e coberta até o pescoço, isso num calor de quase 30 graus que fazia essa noite.Troco minha roupa e me deito ao lado dela, já está tarde mas não consigo dormir, perdi completamente o sono e não tenho nada pra fazer a não ser ficar deitada já cama encarando o teto e pensando nas coisas.Eu ainda tenho contato de umas pessoas de onde eu fazia faculdade, mas desde então, não consigo confiar, na minha cabeça todos eles sabiam de tudo que iria acontecer, e só me convidaram por que eu era mais quietinha da turma, era na minha. Hoje em dia, eu converso mais com a galera da minha atual faculdade, mas não fiz amizade com nenhum homem que não fosse Heitor, não por ele ser gay, mas por que de verdade, depois de tanto tempo, foi o único que me passou confiança. Ele sempre encara os homens que olham demais para mim, e pelo físico de Heitor, qualquer um temeria de medo.Ele também não sabe o que aconteceu comigo, porém creio que desconfie assim como minha vó. Sou tirada dos meus pensamentos quando meu celular toca, porém de um número totalmente desconhecido, não atendo, já é madrugada e não faço ideia de quem seja, quem quer que fosse, poderia esperar até amanhecer o dia.Mas essa pessoas é insistente, pois liga mais cinco vezes até eu atender.Eu: Oi?Xx: Isadora?Eu: sim, sou eu. Quem fala?Xx: Leonardo, ou Pires, me chame como quiser. Já chegou em casa?Eu: sim. — Respondo confusa, já faz mais de uma hora de saí da DP, e eu não faço a mínima ideia de quem passou meu número para ele. — Algum problema, Leonardo?Pires: fiquei preocupado contigo, veio na boa vontade em me ajudar e não sabia se tinha ido pra casa sozinha. Onde você mora?Eu: Recreio. — Minto. — ainda está na delegacia?Pires: então, tô ligado que é longe. Tô na DP ainda, me recusei a pagar a fiança e cai na porrada com um guardinha abusado pra caralho!Eu: só piorou as coisas!Pires: Eu sei. Mas acredito que tu consiga me livrar disso, não consegue? Vi em seus olhos o quanto é esforçada e fico honrado em ser seu primeiro cliente. — Ouço a risada dele do outro lado da linha e acabo sorrindo também. — não posso demorar muito, eles nem sabem que tô com esse celular aqui.Eu: Tome cuidado para não aumentarem ainda mais sua pena, se eu não conseguir te tirar da cadeia, ficarei bem frustrada.Pires: Tu consegue, po. Acredito em você. Esse telefone é para entrar em contato comigo quando precisar, mas tenta mandar uma mensagem antes avisando que irá me ligar. Quando amanhecer, vou ser transferido para Bangu um, então já sabe onde me encontrar quando se formar.Eu: Leonardo?Pires: Hum??Eu: obrigado por confiar em mim, vou dar o meu melhor no tribunal.Pires: Um dia eu quis ser como você, mina. Mas não tive oportunidade, e por levo a vida que tenho hoje. Mas você sim tá tendo a oportunidade de ser alguém na vida, e se eu puder ser o primeiro a cooperar com isso, farei.Pires 🥋Falei com Isadora algumas vezes antes do meu julgamento, porém estava confiante em seu trabalho. Quatro meses trancado sem ter recebido uma sentença, quatro meses longe da comunidade sabendo que tô fazendo falta pra caralho.Quando eu era moleque e vendia bala no sinal, eu via os engravatados passar e pensava que um dia, eu poderia ser igual a eles, mas eu mal tinha oportunidade para estudar, tá ligado? Aquilo ali era o sustento da minha família, então não tinha como eu perder tempo estudando quando eu deveria estar trabalhando para garantir o pão de cada dia. Minha mãe era uma viciada e meu pai, nunca ouvi falar.Éramos 3 irmãos contando comigo, mas todos eram mais novos que eu, então querendo ou não, a responsabilidade inteira caía em cima de mim. Minha mãe não se preocupava em arrumar alimentos para nós, mas minha maior preocupação era minha irmã mais nova, Bárbara. Eu descia cedo e só voltava a noite, e muitas das vezes meus irmãos estavam sozinhos esperando por mim, tiv
Isadora 🥀Do outro lado da calçada, encaro a entrada do tribunal apreensiva. Minhas mãos soam e eu não consigo conter o nervosismo que percorre meu corpo. Primeira audiência que eu participo já formada. Entrei para faculdade com uma bolsa de estudo aos 17 anos, me formei no ensino médio com um ano adiantada, fiz o vestibular e comecei a estudar. Estudei por 3 anos, até acontecer o que aconteceu comigo. Não gosto de lembrar, ainda sinto o peso de cada mão que me tocou, e guardo o rosto de cada um deles. Graças a Deus, eu nunca mais os vi na vida, eu não sei qual seria minha reação se caso batêssemos de frente. Aos 20, parei a faculdade, já tinha desistido de tudo e até mesmo da vida, mas eu tinha uma pessoa que precisava de mim aqui. Frida. Depois de muitas consultas com a psicóloga, consegui voltar e finalmente passar na prova da OAB, e hoje, após uma semana da minha formatura, ao 25 anos, sou uma advogada. Graças a mim e ao o meu esforço, graças a minha vó que nunca desistiu de m
Já do lado de fora do tribunal, algumas pessoas me elogiam pelo primeiro julgamento que eu participo, sinto meu rosto queimar de vergonha, eu não sei lidar com tantos elogios assim. Do outro lado da rua, em meio às movimentações de carros e a euforia do dia, Leonardo tenta falar no telefone com o meu celular, ligando para um amigo vir buscar ele. Suspiro aliviada e com a sensação de dever cumprido, aperto os olhos para evitar que eu chore por isso. Solto o cabelo e passa o mão entre os fios, odeio usar coque, sinto que aperta minha cabeça e eu já estava ficando louca lá dentro. Leonardo se aproxima, olha para a esquerda e direita, e então atravessa a rua vindo em minha direção. Ele sobe na calçada dando um pulinho e estende o celular para mim. Observo o pequeno aglomerado que se forma na frente do tribunal, nem todos tiveram um final feliz hoje. - Então... - Viro para trás, sentindo o olhar de Leonardo queimar em minhas costas - É assim que acaba, vencemos. Foi um prazer ser sua ad
Pires 🥋— Qual o nome do que te drogou? — ela me olha assustada sentada ao meu lado enquanto dirijo. Pressionando a bolsa em seu colo como se quisesse fugir dali. — Não precisa disso. — ela nega com a cabeça — A justiça divina tarda mas não falha. — Aqui não existe isso de justiça divina, olha por quanto tempo tu passou por essa merda e nada aconteceu com eles. Estão vivendo a vida como se nada tivesse acontecido e talvez, fazendo mais vítimas como você. — soco o volante atordoado com tudo aquilo e ela se assusta — Desculpa... Mas porra Isadora, olha para você, toda traumatizada, não suporta que te olhem mais de um minuto, não aguenta o toque de outra pessoa. Quer viver pra sempre assim?— Não, claro que não. Mas matando eles não vai mudar muita coisa Leonardo, para e pensa. — Eu tô pensando porra. Tô pensando em você e nas outras mulheres que passaram por isso e a porra de justiça divina não foi feita. Se você não me dizer o nome dele, juro p
— Não precisa dessa porrada forte mano, o cara já estava amarrado. Tu desmaiou ele no soco! — Carioca fala ao meu lado, enquanto dirijo de volta para o morro. — Isso não foi nem um terço do que vou fazer com ele e os outros arrombados que vão subir logo atrás. Antes de desmaiar o verme na porrada, fiz ele ligar pra cada um deles e marcar lá em cima no alto do morro, playboy engravatado agora subir o morro pra pegar uma branquinha e fazer a mente. Mas se não vier, eu vou atrás, terror nenhum pra mim. — Botou a cara pra bater no meio da rua, cheio de câmera de segurança. — Carioca falando já nervoso e acaba me estressando também — Se tu não era conheci até o momento, pode ter certeza que agora vai ficar. — Vai pesar minha mente mermo? — falo sem tirar o olho da pista e a toda tempo olhando pra ver se safado que sangra no banco do meu carro, não acordou — Tô pouco me fudendo se agora vou ficar conhecido. Mas agora não vai ser por assalto a carro forte, será por exterminador de jack,
Isadora 🥀Depois do dia de ontem, eu acordei com uma dor de cabeça insuportável. Muita coisa para processar rapidamente, sem falar que nunca na minha vida, um homem me trouxe na porta de casa ainda mais de carro. E como eu havia contado tudo do que aconteceu para Leonardo, eu tive que me abrir para minha vó. Ela esperou por esse dia por tantos anos, o tanto que ela chorou e eu chorei junto, não tá escrito. Mas de certa forma foi até bom, caramba, parece que uma tonelada saiu de cima das minhas costas, guardar um acontecimento como esse durante tantos anos, estava acabando comigo, literalmente. O meu psicológico ainda está um pouco abalado, acho que esse receio vai viver comigo pelo resto da vida. É inevitável. Porém, ontem tive uma conversa tão gostosa com minha vó, onde ela me deu tantos conselhos, para eu me abrir a novas amizades mas não confiar nelas, me permitir conhecer novas pessoas, nem todo mundo é um filho da puta. Olho para Frida que ai
Ele estaciona o carro em frente à escola de Frida, enquanto as outras crianças entram com seus pais, outros a van que trás. Sinto uma pontada em meu estômago e me lembro do café, as vezes eu me esqueço e até mesmo a minha vó esquece, e eu acabo tomando e sofro o dia todo com dor no estômago. Mas eu não tomo mais de propósito. — Tá sentindo o que? — Leonardo pergunta enquanto encara minha feição de dor, não é insuportável, mas é forte. — Tenho alergia a café. E tomei hoje, acabei me esquecendo. — Toma cuidado com isso. — Afirmo com a cabeça e ele olha para trás, onde Frida estava sentada observando o carro inteiro e sorrindo — Ei, pequena! — Ele chama sua atenção e ela desvia o olhar para ele — consegue mostrar pro tio qual deles fica implicando contigo?— Leonardo, não. São só crianças! — O repreendo. — Mas é assim que começa, aos cinco anos está implicando, aos dez passando a mão achando que é legal, e depois só Deus sabe onde vai parar. Então Isadora, sim. Sempre bom cortar o ma
Ps: Alerta de gatilho. Pires 🥋Elas estão abraçadas faz alguns minutos, que eu sinto meu estômago embrulhar vendo Isadora chorar mais uma vez, não faço a mínima ideia de que porra está acontecendo, porque minha vó não para de pedir desculpas a ela e até agora não sei o motivo. — Me desculpa mesmo, eu queria poder ter ficado com você aquele dia. Eu sentia que você precisava de alguém naquele momento, mas eu não pude ficar. — Minha vó fala com Isadora, enquanto passa as mãos em seu rosto. — A senhora não teve culpa. Mas salvou minha vida naquele dia. Muito obrigada, eu não sei o que teria acontecido se não tivesse me encontrado. — Encontrado onde? — Pergunto e a atenção das duas voltam para mim, porque até o momento, o mundo parecia ter se desligado e era como se existisse somente as duas. — Eu fui deixava no matagal para morrer, mas milagrosamente consegui me arrastar até o viaduto, mesmo droga e com a perna quebrada. — Sinto um nó na minha garganta com suas palavras — Sua avó fo