A garota dos corações
A garota dos corações
Por: Fernanda Barducchi
I

Acordei em uma cama desconhecida, em um quarto decorado com livros de moda e vestidos pendurados em araras. Me levantei devagar, tentando não fazer barulho, ainda não sabia onde exatamente me encontrava. Caminhei até a janela e abri as cortinas brancas, revelando uma vista incrível da Torre Eiffel. Ainda meio sonolenta, esfreguei os olhos para ter certeza de que não estava sonhando.

Ao meu lado esquerdo, deparei com meu reflexo no longo espelho que corria pela parede lateral do quarto. A pele morena, os cabelos longos e cacheados, os olhos pretos e as sardas no rosto. Eu não era eu mesma. Eu era Nira.

Comecei a me sentir tonta e confusa. O que estava acontecendo? Como eu fui parar no corpo de outra pessoa tão rápido? Isso nunca acontecia sem que eu escolhesse entrar, e eu mal havia saído do último corpo, não tive tempo de me recuperar. Sentei-me na cama com lençóis rosas, tentando me lembrar de como isso tinha acontecido. Lembrei-me vagamente de um flash de luz branca e, em seguida... eu estava aqui, em Paris, no corpo de Nira.

Eu sabia que precisava agir como se fosse Nira, para não levantar suspeitas. As memórias dela começaram a surgir em minha mente, ajudando a me orientar sobre quem ela era e quem eu deveria ser. Lembrei-me de que ela estava cursando moda e que tinha um namorado, chamado Miles. Morava em um loft sozinha, em uma cidade diferente dos pais, no qual os dois tinham um ateliê dos grandes. Nira trabalhava lá no seu tempo livre, como um Hobby.

Levantei-me e fui para o guarda-roupa, procurando algo para vestir. Encontrei um vestido florido e uma jaqueta de couro, ambos pareciam ser os preferidos de Nira. Me vesti e saí do quarto, explorando o apartamento.

Entro na sala de estar e fico imediatamente impressionada com a decoração. Uma TV plana ocupa a maior parede da sala, rodeada por um sofá rosa e almofadas combinando. Há também uma poltrona fofa do lado oposto da TV, um conjunto da decoração. A sala é bem iluminada com luz natural, graças às enormes janelas que se estendem até o teto e oferecem uma vista espetacular da Torre Eiffel, a mesma vista do quarto.

Decido dar uma olhada mais de perto e caminho até a sacada. As portas de vidro se abrem facilmente e me sinto atraída pela vista de Paris. A torre domina o horizonte, imponente e majestosa, iluminada pelo sol da manhã. O vento sopra suavemente em meu rosto, trazendo um cheiro delicioso de croissants frescos e café. Suspiro, me sentindo grata por essa oportunidade única de ver o mundo através dos olhos de outra pessoa. Se eu ainda fosse Ammy, estaria na Autrália, bem longe daqui, e ocupada demais para viver minha própria vida.

Olhando da sacada, consegui ver várias fotos de Nira e Miles juntos espalhadas pela mesa de canto. Eles pareciam felizes. Completamente felizes. Penso o que poderia haver de errado com eles. Mas como sempre, há algo a ser consertado. Algo relacionado ao amor, ou eu não estaria aqui.

Respiro fundo, tentando me acostumar com a ideia de estar em um lugar tão bonito, e me preparo para começar a viver a vida de Nira. Pela primeira vez, não sei o que está por vir, o que devo concertar ou me preocupar. 

Pego o celular da garota de dezenove anos e começo a analisar sua agenda e horários de aula. Ela tem um curso de design de moda às 10h da manhã e, felizmente, já está vestida com uma roupa adequada para a aula.

Enquanto me preparo para sair do quarto, noto uma mensagem de Miles. Ele quer me encontrar em vinte minutos, no café. Respiro fundo e tento não deixar a ansiedade tomar conta de mim. Eu não sou a Nira, mas preciso agir como se fosse.

Saio do prédio e vou em direção ao nosso encontro..

Ao chegar no café, eu o vi sentado em uma mesa no canto, com um sorriso no rosto. Ele era ainda mais bonito do que eu lembrava nas memórias de Nira. Seus cabelos castanhos estavam arrumados de maneira elegante, seus olhos verdes esmeralda brilhavam com vida, e seu corpo magro e alto estava vestido com roupas que exalavam confiança e sofisticação.

Enquanto me aproximava, senti uma leve palpitação no peito. Eu tinha passado por isso tantas vezes, mas desta vez era diferente. Eu estava sentindo a atração que Nira sentia por Miles. Era estranho como meus próprios sentimentos podiam se misturar com os da pessoa cujo corpo eu estava ocupando. Eu sabia que era parte da minha missão, mas ainda assim era difícil controlar.

— Miles — digo com a voz um pouco trêmula. — Oi.

Ele se levantou e me cumprimentou com um beijo na bochecha.

— Nira, que bom te ver — disse ele. — Você está linda como sempre.

Sorri, tentando esconder o nervosismo que sentia.

Ele pareceu ficar sério de repente, e um choque tomou conta do meu corpo.

Eu agi de maneira errada? Era estranho pensar que fosse a primeira vez que parecia que ainda continuava em meu corpo, como Ammy, não ela.

Eu me sentei na cadeira em frente a Miles, tentando manter a postura elegante e confiante de Nira. Ele sorriu para mim e fez o pedido das bebidas para a garçonete. Enquanto esperávamos, ele me analisou com um olhar perspicaz.

 Estamos no Les Deux Magots, um dos cafés mais icônicos de Paris. O ambiente é elegante e sofisticado, com uma decoração clássica e refinada. As mesas são de madeira escura e as cadeiras são estofadas em veludo vermelho, dando um toque luxuoso ao ambiente. As paredes são decoradas com espelhos e obras de arte. Consigo ter uma boa vista da rua de onde nós estamos.

— Você está diferente hoje — ele disse, inclinando a cabeça de lado. — Alguma coisa aconteceu?

Eu senti uma onda de pânico se espalhar pelo meu corpo, mais uma vez.  

—Não, nada aconteceu — respondi rapidamente, tentando parecer casual. — Por quê?

Miles encolheu os ombros.

— Você parece... distraída, talvez. Eu só queria ter certeza de que você está bem.

Eu assenti, agradecida por ele não pressionar o assunto. Enquanto esperávamos pelas bebidas, nós conversamos sobre coisas banais - a aula de moda que Nira estava frequentando, o tempo em Paris, o último filme que ele assistiu. 

Meu coração batia acelerado, quase saltando do peito, enquanto eu tentava manter a calma diante de Miles. Ele não podia saber que eu não era Nira. Eu não sabia como agir, como falar, como me comportar. Tudo em mim era Ammy, mas agora eu estava presa no corpo de outra pessoa, com sua vida, suas memórias, seus sentimentos.

Eu tentava seguir o ritmo da conversa, respondendo às perguntas de Miles com um sorriso educado e um olhar atento. Tudo em mim gritava para que eu fugisse dali, como se algo estivesse muito fora dos eixos, além do que deveria. Mas eu sabia que não podia fazer isso. Não agora. Pela primeira vez, eu apenas me sentia como a hospedeira, e não conseguia ver o que estava de errado e Miles, ou em Nira. Eles pareciam completamente perfeitos, juntos.

Enquanto ele se levantava para buscar nossas bebidas, eu aproveitei para respirar fundo e tentar me acalmar. Eu olhava ao redor do café, tentando me distrair com a beleza de Paris lá fora. Mas tudo o que eu conseguia ver eram os olhos verdes de Miles, me analisando, talvez me questionando.

Eu me perguntava como seria minha vida dali em diante, o que teria que fazer para manter as aparências, o que teria que esconder. Eu sentia um nó na garganta só de pensar em tudo o que ainda estava por vir.

Mas agora não era hora de pensar em problemas futuros. Agora era hora de ser Nira. E eu precisava ser perfeita. Eu não sabia quanto tempo ficaria presa aqui, e muito menos o que eu precisaria resolver, mas eu tinha de me adaptar rapidamente se quisesse evitar problemas. Para nós duas.

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