Odeio não saber o que estou fazendo aqui, e odeio ainda mais, saber que não estou sozinha, que divido o mesmo espaço de tempo com Hayden.
Não faço mesmo, nem a mínima ideia do que o trouxe para cá. Já não o reconheço mais. Sei que entre seus planos não pode haver coisa boa, ou Hayden já teria deixado Miles viver a vida normalmente. Fico pensando em como devo fingir estar ao seu lado, para tentar enxergar onde ele quer chagar de fato. Quero saber o que ele pretende fazer, para que eu busque uma maneira de o impedir antes que tudo se perca de uma vez por todas, antes que eu volte para meu corpo original e não consiga voltar a tempo.
Fecho os olhos com força, involuntariamente, e sou, sem querer, arrastada para mais uma lembrança, mas desta vez, não é uma de Nira, e sim, uma minha.
Eu acabara de fazer vinte anos. Era um lindo dia ensolarado de 1861, eu estava usando um vestido de chita verde e branco, com babados e rendas na barra e nas mangas. Meus cabelos estavam presos em um tranças, decorado com fitas e flores silvestres.
Hayden estava bem a minha frente, usava uma camiseta surrada branca, com calças pretas, e nós dois estávamos sujos de lama nas botas.
A aldeia era um lugar encantador, cheio de vida e cor. Os jardins exalavam um perfume doce e suave, com flores coloridas que pareciam dançar ao vento. No horizonte, o mar cintilava sob o sol, oferecendo uma vista deslumbrante, onde crianças corriam e brincavam, rindo e gritando de alegria, enquanto os adultos trabalhavam nos campos, cuidavam dos animais ou simplesmente desfrutavam do ar fresco e da bela paisagem. Cavalos pastavam tranquilamente em uma das clareiras, suas crinas agitadas pela brisa, enquanto pássaros cantavam em harmonia.
Nesse cenário idílico, eu me lembrava de Hayden, com seus cabelos claros e olhos brilhantes, parado em minha frente. Já estávamos com idade suficiente para trabalhar fora da aldeia, assim como outros, que dedicavam suas vidas em suas habilidades. Hayden e eu éramos exatamente iguais, aprendemos tudo juntos, o controle, as regras. A maior parte do treinamento, também estávamos juntos.
— Você agora tem idade para ir comigo, para onde quisermos — ele diz, e eu lhe lanço um riso.
— Nem acredito, que agora poderemos ir juntos. Imagina quantas lembranças incríveis vamos poder colecionar? — digo, e ele parece encantado com a ideia.
— Mas, ainda que você preferisse ficar aqui, eu o faria. Ainda teria as melhores lembranças da minha vida — sua mão acaricia meu rosto e fecho os olhos, me aconchegando em seu toque.
— Minhas memórias com você sempre serão as melhores — acrescento. — Quero que me leve para Paris, você disse que lá é lindo, quero ir com você.
— Eu prometo que te levarei para Paris, meu amor.
Seus olhos brilharam tanto quanto os meus.
Não era tão simples assim, irmos para onde queríamos, quando queríamos, mas se um de nós fosse, poderia arrastar o outro para perto. Eu levaria Hayden para onde quer que eu fosse, assim como ele o faria.
— Te passaram seu dever? — ele pergunta, animado.
— Sim, e ainda tento entender porque temos que concertar os erros de tanta gente — murmuro.
— O que te deram?
Hayden segura minha mão, enquanto caminhamos pelo jardim, e paramos na garagem onde ele trabalhava, ajudando o pai com as joias para vender na cidade. Era o que ele fazia quando ficava aqui, comigo. Seus pais já não eram como nós, nem todos tínhamos habilidades.
— Bom, de todos os erros, eu odeio ver o amor se apagar.
— Vai ser uma concerta corações, como sua mãe? — perguntou, sorrindo.
— Talvez, sim.
— Mas, você vai aceitar... — ele pigarreou, e seu ciúme foi bem notável.
Minha risada é baixa. Hayden é lindo até mesmo quando está com ciúmes.
— Nós vamos juntos, se lembra disso? — falei. — Deixaremos nosso amor com eles, não preciso me apaixonar por ninguém de verdade, já tenho você, Hayden.
— Nunca irei te deixar — ele para de andar, e olha em meus olhos, tão profundos. — Quero que saiba que, o que escolher, eu estarei lá. Quero te levar aos lugares mais incríveis, quero ir com você em todos eles, sem exceções.
Coloco minha mão em seu peito, sentindo seu coração bater. Encosto minha cabeça em seu colo, enquanto Hayden me envolve em seus braços, me aconchegando em si. Agora, escuto a batida de seu coração, e sinto as minhas, cada uma delas, é por ele. Sempre foi, e sempre será.
— Eu amo você, Ammy — inclino minha cabeça para o ver melhor.
Seus olhos azuis acinzentados me analisavam, como se quisessem guardar o momento para sempre. Eu reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar, entre milhares de pessoas, eu sempre voltaria para estes. Sempre.
Agora eu estava encarando os mesmos olhos de antes, como se fosse Miles, Hayden estava unido comigo e Camille, em um projeto para aula de costura e modelagem. Acho que a maior parte do tempo, eu apenas fiquei parada o encarando, com o coração preso a garganta.
Não entendo porque ele ainda se importa tanto em se passar por Miles. Não faz sentido algum, ele ver as aulas, participar delas, ser um irmão presente. Por que? Por que ainda se importar com Nira e a manter por perto, se não precisa de nada disso? Ele poderia aniquilar Miles totalmente se quisesse, poderia fazer com que as pessoas se esquecessem dele, mas não o fez, e não paro de me questionar o motivo disso.
Camille resmunga algo sobre esquecer seu celular em sua bolsa no armário.
— Volto em um minuto — diz ela, se apressando pelos corredores.
Há algumas estantes com livros e revistas de moda pela sala, além de manequins de costura espalhados por todo o lugar. Mexo-me, desconfortável em minha cadeira e encaro com mais atenção o projeto sobre a mesa. Trata-se de um vestido longo, de cor lilás, com detalhes em renda e seda.
Quando finalmente tenho certeza que Camille se foi, olho para Hayden, com o cenho franzido.
— Por quê?
— O quê?
— Por que se importa com tudo isso, Hayden? — ele parece surpreso.
Olhando para baixo, ele parece prestes a dizer algo, mas não o faz.
— Hayden...
— Ammy, não — ele se levanta, pegando suas coisas na mesa. — Diga a Camille que eu precisei ir. Aliás, é bem provável que você veja Miles daqui algumas horas de novo — e ele sai, sem dizer mais nada e sem esperar que eu diga.
Ainda olho para a porta, quando minha amiga volta para dentro, confusa, procurando pelo irmão.
Camille da de ombros quando volta ao lugar.
— Ele precisou ir — falo.
— Você está bem, Nira? — seu cenho está franzido, e ela se aproxima de mim, se sentando ao meu lado.
O choque corre ao meu corpo, quando ela não em chama por Ammy. Encontro a certeza de que talvez eu não saia daqui tão cedo, da vida que não me pertence, vou me prender aqui pelo tempo que for preciso. Mas tem uma coisa que devo fazer, algo que nunca fiz em toda minha vida, mas que pela primeira vez, é a coisa certa a se fazer, e vou ter que partir dois corações para isso dar certo.
Depois de longas três horas, em que passei sentada em meu sofá, encarando a enorme vista que eu tinha da janela em minha frente, a porta de entrada soou algo como algumas batidas.Camille estava em reunião com a mãe dela em algum concerto que estavam juntas, e eu não esperava mais ninguém, principalmente depois da minha última conversa com Miles.Ainda envolvida em meus pensamentos, me levanto lentamente do sofá. A batida na porta me tira momentaneamente de minha introspecção, deixando-me curiosa e um tanto apreensiva.Com a mão estendida, seguro e giro a maçaneta, e meus olhos se arregalam de surpresa, meu corpo congela, o tempo para mais uma vez e eu não sei o que pensar, o que sentir ou o que dizer. É completamente diferente agora, e eu odeio isso, odeio muito. Minha mente luta, com palavras presas na garganta, para tentar entender se a cena que vejo é real, ou se é uma paranoia e estou criando situações irreais por me sentir assustada.Mas não, seus olhos me encaram, de uma forma
Antes mesmo de abrir os olhos, eu já sabia onde estava. O cheiro, o clima, totalmente familiares. Eu já estava tão acostumada com isso.Olhando ao meu redor, vejo o mesmo que vi por muitos e muitos anos. A cama está no centro do quarto, e ao lado desta, uma mesa de cabeceira exibe um abajur branco com desenhos de constelações. As paredes são pintadas de um azul que já se encontra quase que totalmente pálido, desbotado. Também há uma escrivaninha posicionada bem a frente da janela de vidro, onde papeis estão espalhados, onde ilustro qualquer pensamento, sentimento ou lembrança que não quero esquecer ou quero que esvaia de alguma forma.Encaro o tapete felpudo bem a minha frente. Ainda não acredito que fui lançada de volta para cá. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti completamente fraca, fora de controle. E agora, meu corpo doía, eu estava tão dolorida, que poderia jurar que esse corpo ficou abandonado na rua e foi atropelado incansavelmente por toneladas de caminhões.Levante
Andar a cavalo era uma das atividades que eu mais amava fazer no meu tempo livre, e acho que uma das vantagens de ainda não ter dado inicio em minhas missões, é que posso usar o tempo que ainda tenho para fazer isso.Tenho um cavalo branco que está comigo desde que sou criança. Seu nome é Lótus. Clarissa é minha melhor amiga, nós literalmente crescemos juntas, e fazemos tudo juntas. Na verdade, nós fazíamos. Agora, ando a cavalo ou sozinha ou com Hayden, raramente Clare tem olhos para outra coisa além do bonitão que fica cobiçando por aí. Ele se chama Asher, Asher Parker. Ele é mais velho que nós duas, está sempre treinando com os outros caras da sua idade, ele também ensina muitas coisas para os novatos. Acho que não existe alguém que brigue melhor que ele. Exceto Hayden, os dois andam treinando juntos ultimamente. Hayden é tão bom quanto ele, apesar de ser três anos mais novo. Estou andando a cavalo quando paro ao ver Hayden sorrindo para minha direção, se aproximando com uma espad
Ash e Hayden ficaram limpando toda a cozinha depois de jantarmos. Foi bom ignoramos a nossa realidade por esse tempo. Não posso ser egoísta e dizer que minha vida com Clare não era boa, ela era, sim. Nós duas nos divertíamos, cozinhávamos juntas, andávamos a cavalo, mergulhávamos no oceano, e tomávamos sol na beira da praia, olhamos os desenhos feitos pelas nuvens no céu... Mas também havia o lado ruim. Éramos só nós duas basicamente, e não podíamos ter envolvimento com outras pessoas por maior espaço de tempo. E não sabia de onde os livros e filmes tiram, de que pessoas que não envelhecem podem ter uma vida divertida e ir para onde quiserem, fazer o que quiserem. Eu por exemplo, amava conhecer o mundo, mas as vezes era bom ter uma casa para voltar. A irmã de Clare estava sempre em movimento, mas acho que já conheci tantos lugares, tantas vidas, que evitei de vir apenas para cá, onde sempre quis vir com Hayden, mas nunca consegui o fazer depois de perde-lo.Basicamente passamos mais d
O silêncio pairava pelo ar, exceto pelo lento movimento de Hayden, enquanto ele abotoava sua camisa preta. Ele já estava de pé, se vestindo, para o que imaginei, seria começar seu dia de trabalho. Fiquei remoendo como seria nossa vida se fossemos pessoas comuns. Acordaríamos juntos, tomaríamos café da manhã, e em alguns dias, ele me levaria o café na cama, como já havia feito inúmeras vezes. Aquela sacada com vista para toda cidade de Paris, seria onde jogaríamos muitas conversas fora, seria onde daríamos risadas, contaríamos sonhos, desejos e medos, sob as luzes das estrelas. Não seriamos perfeitos, mas levaríamos uma vida assim. Ou talvez, ainda estivéssemos em nossa cidade natal, imagino como seria, ver nossos filhos crescerem, envelhecermos juntos. Mas aqui estávamos nós dois, eu sentada na cama, olhando para Hayden, que ainda não notara que eu havia acordado. E preferi ficar alguns segundos em silêncio, o observando. — Você acordou — ele disse, com um meio sorriso nos lábios.
Acontece que naquela noite, Hayden não voltou para casa.Ash e eu ficamos o esperando, por horas. Meu amigo se dispôs a sair e procurar por Hayden, mas afinal, isso seria completamente inútil, eu sabia que ele não havia sumido porque ficou em um bar bebendo ou tenha sofrido algum acidente mundano por algum lugar nas ruas de Paris, ele não voltou por algo que certamente estava ligado ao que queriam conosco.A noite em que passei acordada, foi como um tormento, não consegui pregar meus olhos, nem mesmo se quer por alguns dez minutos. E enquanto fiquei horas, andando de um lado para o outro, Ash ficou me encarando, mas a única coisa que poderia fazer com que eu deixasse de ficar inquieta, seria se ele entrasse na minha mente. E por mais que ele tivesse insistido em tentar me acalmar com seu dom — que não funcionava exatamente em mim, mas ajudava muito, pelo menos no controle de emoções —, eu não deixei. Achei injusto me acalmar com a situação de Hayden, mas ele fez mesmo assim. E me prom
Eu estava parada em frente ao espelho, no quarto de Hayden, observando meu reflexo com um misto de nervosismo e ansiedade. Optei por usar um vestido azul de alças finas e de longo comprimento, que realçava minha silhueta delicadamente. O tom azul vibrante combinava com meus olhos, destacando-os ainda mais. Meus cabelos ondulados caíam suavemente sobre meus ombros, emoldurando meu rosto. Preferi deixá-los soltos, já que odiava penteados que destacavam meu rosto, era sempre uma mechinha solta aqui ou ali.Enquanto me observava no espelho, senti um calafrio percorrer minha espinha. A incerteza sobre o paradeiro de Hayden e o que poderia ter acontecido com ele me deixava inquieta. Meu coração batia acelerado, ansioso por respostas que ainda não tinha. Pela primeira vez, eu desejei muito que hoje, quando encontrasse Miles, não fosse Miles.— Está tudo bem se sentir assim, com medo — Ash estava encostado no batente da porta, usava um terno preto que combinava muito com ele, realçava seus ol
— Então, vocês já se conhecem...? — Nira perguntou, intercalando seu olhar entre Hayden e eu, se referindo a Miles.— Ah, sim — Hayden respondeu. — Na verdade, conheço, os dois estão de viagem e vieram passar uns dias em casa.— Achei que fosse aluna e só tivesse mudado de período — Camille acrescentou, um tanto suspeita quanto Nira aparentava estar.Realmente, tínhamos coisas que estávamos escondendo delas, mas a última coisa que eu queria que pensassem, era que eu estava tentando dar encima do ex-namorado da garota que na verdade estou tentando proteger também.— Tirei um ano sabático, sabe, fui viajar e quando voltei, resolvi mudar de período, por isso que estou meio perdida nas aulas, sabem?! — cruzei os dedos mentalmente para que elas tivessem acreditado. Que merda Hayden.Nira simplesmente deu de ombros, e deslizou uma mão suavemente pelo braço de Hayden, chamando sua atenção.No fundo pensei que talvez nem me importasse tanto com ela naquele momento, só queria que ela soubesse