VIII

Antes mesmo de abrir os olhos, eu já sabia onde estava. O cheiro, o clima, totalmente familiares. Eu já estava tão acostumada com isso.

Olhando ao meu redor, vejo o mesmo que vi por muitos e muitos anos. A cama está no centro do quarto, e ao lado desta, uma mesa de cabeceira exibe um abajur branco com desenhos de constelações. As paredes são pintadas de um azul que já se encontra quase que totalmente pálido, desbotado. Também há uma escrivaninha posicionada bem a frente da janela de vidro, onde papeis estão espalhados, onde ilustro qualquer pensamento, sentimento ou lembrança que não quero esquecer ou quero que esvaia de alguma forma.

Encaro o tapete felpudo bem a minha frente. Ainda não acredito que fui lançada de volta para cá. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti completamente fraca, fora de controle. E agora, meu corpo doía, eu estava tão dolorida, que poderia jurar que esse corpo ficou abandonado na rua e foi atropelado incansavelmente por toneladas de caminhões.

Levantei-me da cama e meus pés encontraram o chão quente. O céu estava tão azul e límpido, sem nuvens a obstruir o brilho do sol. Os pássaros cantavam em uma sinfonia harmoniosa, de uma forma natural, como se não pudessem pertencer a outro lugar. O aroma fresco da vegetação e das flores invadiam o ambiente, trazendo consigo um perfume que despertou em minhas entranhas, agonia. Hayden disse que eu deveria voltar para minha irmã, ele supôs que eu tinha uma, mas na verdade, eu não estava com ela, apenas Eline e eu ficamos juntas, e ela fazia o máximo que podia para que continuássemos.

Viro-me e sigo para o lado de fora da casa, onde estou sozinha, nesse enorme campo, no qual posso ver o vasto horizonte se estendendo até onde os olhos podiam alcançar. As colinas verdejantes se fundem com o azul infinito do oceano. Sinto também a grama macia sob meus pés descalços. Cada passo me conectava com a terra, trazendo-me uma sensação de pertencimento e familiaridade. A brisa quente acariciava meu rosto, jogando meu cabelo para trás.

Ao longe, avisto uma figura delicada, cabelos castanhos, roupas sujas de terra, e a única pessoa no qual divido a maior parte da minha vida. Clarisse.

Não preciso me aproximar muito, para que a mulher sentada em frente ao penhasco, encarando a janela azul do oceano, olhe para trás e me receba com um sorriso que em segundos se transforma em raiva.

— Onde você estava? — ela pergunta, com os olhos verdes me encarando. — Eu fiquei preocupada com você. Saiu sem nem me avisar. Você nunca sai a menos que precisemos e nós não precisávamos. Foram dias, além de tudo. Dias. Onde é que estava com a cabeça?

— Clare — finalmente posso falar. — Eu não sai porque quis. E me desculpe por isso.

— Está tudo bem? — pergunta, e eu não sei o que devo lhe responder. Não quero a deixar preocupada com problemas dos quais não quero que se envolva, mas é a Clarisse, minha melhor amiga, minha família.

— Fui arrastada até Paris, e fiquei em uma garota que cursa moda.

— Isso não parece nada ruim, até porque seu sonho sempre foi ir para lá...

— Hayden está vivo.

Clarissa me encara, tão em choque quando eu imaginei que ficaria. Ela, dentre qualquer outra pessoa no mundo, sabia exatamente o que passei.

Me sentei onde ela estava antes de me ver, e pedi para que ela se sentasse também, porque eram muitas coisas para absorver.

Contei cada detalhe, desde o começo, não poupei nenhum detalhe, absolutamente nenhum. E quando terminei, ela olhava para o distante, pensativa e em silencio por alguns segundos. Clarissa era ótima em esconder seus sentimentos, eu nunca arriscaria a vida dela, por nada no mundo.

— Acho que você tem que voltar — sua voz me assustou, e minha reação foi rir.

— Você está falando sério?

— Sim. Você e Hayden principalmente tem muitas coisas para resolver. Eu sei o quanto sua história com ele é quebrada, além disso, você nunca vai se perdoar se...

— Se ele não ficar bem? — pergunto, e ela assenti com a cabeça.

— Eu vou com você — ela fala, e eu a encaro, com os olhos arregalados.

— Não, nós não podemos arriscar tudo assim. Você fica.

— Também tenho direito de ajudar meu povo — protesta, arqueando a sobrancelha.

— Não, você não pode ir, Clare. Menssa pode voltar a qualquer momento, e não acho que queira arrastar sua irmã nessa confusão.

— Mas...

— Ela tem razão, você fica — a voz atrás de nós nos pegou de surpresa, e me virei para o ver.

— Ash, você voltou — falo, me colocando de pé, para ir ao seu encontro.

— Voltei, monstrinha — ele diz, me abraçando, e quando encontra meus olhos, ele se volta para Clare. — Eu vou com ela.

— Não, você não vai — reclamo.

— Se eu não for, ele vai — dois contra um.

Me dou por vencida.

— Vou arrumar minhas coisas — suspiro.

— Vou junto — Ash sorri, me provocando.

Ash morava e não morava conosco ao mesmo tempo, estava sempre em movimento, procurando incansavelmente pela única pessoa no mundo que fazia seu coração ainda bater.

Enquanto caminhávamos para casa juntos, olhei para ele, analisando o cabelo preto como carvão, os olhos azuis como oceano. Eu tinha que olhar bem para cima se quisesse ver seu rosto, ele era alto e forte, com uma tatuagem de nosso grupo marcada em seu braço esquerdo. Cada de um de nós ganhava uma quando estávamos prontos para seguir nossa missão. Não cheguei a ganhar a minha, mas se tivesse, seria a mesma da minha mãe, porque éramos iguais. A tatuagem dela começava no pulso e se estendia até o antebraço, formando um intricado padrão que parece fluir pela pele. Era composta por linhas suaves e delicadas, que se entrelaçavam em uma combinação de formas abstratas e símbolos envolto por folhas e flores em um padrão harmonioso de lírios.

— Você a encontrou? — pergunto.

Ele abre um meio sorriso. Sabia como era difícil, apesar de sempre querer a encontrar, ele sabia como seria se final.

— Sim. Ela é incrivelmente perfeita.

Sorrio para ele.

— Como ela é?

— Cabelos castanhos, olhos esverdeados, se chama Blaise.

Seus olhos brilham toda vez que fala sobre ela.

Ash a perdeu inúmeras vezes por um erro do passado, e agora, toda vez, tenta concertar algo que parece nunca ter solução. Eu queria fazer mais por ele, mas sobre isso, não tenho controle, porque não tenho controle sobre ela, e isso envolve os dois.

— Ash, você não tem que ir comigo — falo, parando na entrada de meu quarto.

— Eu estava indo para Dakota do Norte, não tenho certeza se dará certo, mas tenho certeza de que você precisa mais da minha ajuda...

— E ela? Você tem que ir e ficar com ela, Ash...

— Ammy, cala essa boca e me deixa ajudar, você fica me devendo uma depois, aliás, não tem como eu voltar para ela se estiver tudo destruído, não é? Aliás, quem sabe no meio dessa confusão, eu não encontre minhas respostas mais rápido, sei lá.

— Ficou escutando a conversa por quanto tempo?

— Me perdoe, mas escutei tudo.

— Mas quero que Laurent fique, não quero deixar Clare nessas condições.

— Eu concordo plenamente com você.

— Legal, então arrume suas coisas logo, porque vamos ter uma longa viagem.

                

                

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo