Depois de longas três horas, em que passei sentada em meu sofá, encarando a enorme vista que eu tinha da janela em minha frente, a porta de entrada soou algo como algumas batidas.
Camille estava em reunião com a mãe dela em algum concerto que estavam juntas, e eu não esperava mais ninguém, principalmente depois da minha última conversa com Miles.
Ainda envolvida em meus pensamentos, me levanto lentamente do sofá. A batida na porta me tira momentaneamente de minha introspecção, deixando-me curiosa e um tanto apreensiva.
Com a mão estendida, seguro e giro a maçaneta, e meus olhos se arregalam de surpresa, meu corpo congela, o tempo para mais uma vez e eu não sei o que pensar, o que sentir ou o que dizer. É completamente diferente agora, e eu odeio isso, odeio muito. Minha mente luta, com palavras presas na garganta, para tentar entender se a cena que vejo é real, ou se é uma paranoia e estou criando situações irreais por me sentir assustada.
Mas não, seus olhos me encaram, de uma forma gentil da qual não consigo compreender. É completamente diferente quando eu o vejo através de Miles, porque ainda consigo fingir que é qualquer outra pessoa, menos ele. Menos o meu Hayden. O Hayden que passei minha vida toda amando e tive de deixar partir há muito tempo.
Espero que ele diga algo, qualquer coisa, porque ainda sinto como se estivesse morrendo. Não poderia ser verdade. Mas eu sabia que era. A ultima vez que encarei seu rosto foi há tanto tempo, que agora, ele parecia ainda mais angelical do que antes.
O cabelo castanho claro, os olhos cinzas, que brilhavam contra a luz que entrava pela sacada, suas roupas, seu modo de se mover, me socaram inúmeras vezes.
— Co-como? — é a única palavra que consigo dizer.
— Posso entrar? — ele pergunta, sem me responder.
— Hayden, o que está fazendo aqui? — o choque que estava sentindo, começou a se tornar irritação.
— Você terminou com Miles — seus lábios estavam quase em um sorriso, mas eu não soube defini-lo. — Boa garota.
— Foi para isso que veio? Para continuar com joguinhos? — pergunto, prestes a bater a porta em sua cara. — Cai fora daqui, Hayden.
Ele coloca o pé sobre a porta, me impedindo de b**e-la.
— Eu vim conversar com você — sua voz é quase rouca. — Você quer saber porque está aqui, não quer?
— Se estiver de joguinhos, Hayden...
— Não estou — fez um gesto de redenção com as mãos, e por fim, o deixei entrar.
— Pode começar me dizendo por qual motivo vim parar aqui e estou sem controle nenhum do que aconteceu.
Hayden caminha em direção à sacada, seus passos firmes e decididos. Seus olhos fixam-se na vista panorâmica diante de nós, enquanto ele absorve a paisagem com uma expressão contemplativa. A brisa suave acaricia minha pele enquanto o encaro.
Seu silêncio me intriga, deixando-me ansiosa para saber o que se passa em sua mente. Observo-o com atenção, tentando decifrar os traços de sua face, que parecem refletir uma mistura de nostalgia e serenidade. Há uma profundidade em seu olhar, como se estivesse mergulhado em memórias antigas e sentimentos entrelaçados.
A atmosfera ao nosso redor parece completamente carregada, ao mesmo tempo que não deveria parecer leve e familiar.
Enquanto aguardo sua resposta, minha mente corre para os momentos que compartilhamos no passado, as risadas e as lágrimas que dividimos juntos. A saudade que senti por ele durante todos esses anos pareceu desaparecer em um instante, substituída por uma mistura de esperança, incerteza e medo.
E, no momento em que ele finalmente decide romper o silêncio, meus ouvidos se aguçam, curiosos para capturar cada som de sua voz, sem deixar escapar nada.
— Sabe, Ammy, escutei minha vida toda, nós escutamos, que mocinhos devem salvar o mundo — ele ri, ironicamente, e se vira para mim. — Acontece que eu não sou um deles, estou bem longe de ser. Sou egoísta, completamente.
— Hayden, porque estou aqui?
— Quer saber? Porque prefiro esse mundo destruído ao ver destruírem você.
Eu solto uma leve gargalhada, até perceber que ele não estava brincando.
— O que tenho a ver com isso, Hayden? — ele caminha até minha direção, e sinto seu cheiro doce tomar conta de toda minha mente.
Totalmente destrutível.
— Tudo — sua voz se tornou um sussurro, e estremeci com o toque que levou até meu rosto.
Lutei com todas as minhas forças para não fechar os olhos e me deixar o sentir.
— Eu sinto muito por nunca ter te dado esperanças, por nunca ter te encontrado de novo, mas pensei que não estivesse...
— Viva? — minha garganta prende as palavras, que também saem baixas como a dele. — Eu pensei que você estivesse morto esse tempo todo, Hayden. Você quebrou nossa conexão.
— Oh, se eu soubesse que você estava por aí, esse tempo todo...
— O que aconteceu com você, e por que está com Miles? — me afasto de seu toque. Preciso entender com clareza.
— No dia em que perdemos a aldeia, você não estava lá, e eu voltei para te procurar, tentei te achar... mas me acharam primeiro — dessa vez, ele quem se afasta um pouco mais. — Não sei por quanto tempo fiquei apagado, talvez alguns dias, agora acredito que vários fatores quebraram nossa conexão e por isso nunca consegui te sentir. Mas hoje, de certa maneira, fico aliviado disso ter acontecido.
— Por onde você andou esse tempo todo? — questiono.
— Eu estava... estou com um grupo de pessoas, como nós.
— Ainda... ainda há outros? — uma chama de esperança quase se acende dentro do meu peito, mas Hayden a assopra antes mesmo que ela incendeie.
— Não são bons — ele diz, e sinto meu coração se despedaçar. — A maioria não é.
Espero que ele continue, preciso saber onde tudo começou para entender onde chegamos.
— No começo, a maioria dizia que estávamos em um lugar seguro. Passamos anos treinando, aprimorando ainda mais nossas habilidades, como sempre fizemos na aldeia. Então, descobrimos que não era bem assim. No fim das contas, eles estavam nos preparando para uma guerra ainda maior... eu não tinha esperança em mais nada, até ouvir falarem sobre alguém com a mesma habilidade que eu, morando na Australia, em Cough. Sabia que só poderia ser você — ele riu, olhando para baixo. Contei a uma amiga de confiança, ela é o famoso oráculo, a forma mais rara de nós. Foi assim que eu te encontrei. E se os outros souberem, eles me matam por isso.
Estou completamente em choque, tentando digerir cada palavra. Não sei ainda se devo acreditar nelas.
— Antes que me odeie mais por pensar em Nira, só preciso deixar claro, que ela está segura, não fizemos mal algum a ela.
Não, e por acaso vim parar aqui por livre e espontânea vontade dela?
— Eu precisava de alguém no qual pudesse ficar de olho todos os dias, que pudesse estar perto de Miles — continuou a dizer — E no caminho de colocar você em Nira, Isobell e eu... descobrimos que ela é uma perdida, ela não faz ideia disso. Os perdidos, eles são completamente raros. E se ela cair em mãos erradas...
Eu me lembro bem o que é uma perdida. Eles não têm habilidade nenhuma, mas podem ter todas, se treinados. Os perdidos se tornam o que são por não terem conhecimento nenhum disso.
— O que estão estudando em você?
— O que eu estou tentando adiar.
— Hayden...
— Ammy, eu estou tentando ajudar você, e Isobell me devia um grande favor. Ela a trouxe aqui, porque eu pedi, porque eles estavam a rastreando e nós dois sabemos que seria muito fácil você estando longe, pelo menos aqui, entre Nira e eu, poderíamos te esconder, eles achariam que a energia caótica fosse minha. Eu precisava que ficasse aqui pelo menos até eles desistirem de te procurar.
— O que eles querem, afinal?
— Ainda estão estudando nossas habilidades, a sua e a minha também são raras, podemos criar e tirar memórias de pessoas, não é como um oráculo, mas é algo que eles acham bem útil. Quando estou em Miles... — ele hesita por um instante. — Esse corpo é monitorado a cada segundo. Não quero que façam o mesmo com você. Estou dando tudo o que eles querem, se isso significa que não irão te procurar mais. Estou me esforçando muito por isso.
— Pare de se esforçar — digo, apressada. — Se existe algo que eu possa fazer para ajudar com a situação, eu irei fazer.
— Não, meu amor — seu sorriso é de partir o coração. — Eu faço isso por nós.
— E como sigo a diante, Hayden, sabendo que tudo está se tornando um caos maior?
—Agora que sei que é você, de verdade, Isobell vai cuidar disso, eu só precisava ter certeza...
— Não quero que ela cuide disso, não quero fugir. E não quero ir para outro corpo que não o meu.
— E você não vai — murmurou. — Quando tudo acabar, eu vou te encontrar de novo. Eu prometo.
— Hayden, não. Do que você está falando?
— Volte para casa, e fique com sua irmã, ela precisa de você mais do que de qualquer outra pessoa no mundo.
— Não tire isso de mim, não de novo.
Cada olhar, cada palavra não dita, apenas intensificava a dor que eu guardava dentro de mim. Era como se todo o peso do passado estivesse sendo despejado sobre meu coração já frágil. Não queria me esquecer disso ao amanhecer, eu precisava lembrar, eu precisava resistir. Miles não merecia isso, Hayden também não precisava aguentar a dor sozinho.
E então, sem dizer uma palavra, ele inclinou-se e depositou um beijo leve em minha testa. Foi um gesto tão simples, tão delicado, mas que carregava consigo uma imensidão de significados. Naquele momento, senti como se todas as cicatrizes em meu coração começassem a sangrar novamente.
O vi se afastar de mim, sem olhar para trás, ele fechou a porta, me arrancando a visão que fechei os olhos com força para não esquecer.
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Antes mesmo de abrir os olhos, eu já sabia onde estava. O cheiro, o clima, totalmente familiares. Eu já estava tão acostumada com isso.Olhando ao meu redor, vejo o mesmo que vi por muitos e muitos anos. A cama está no centro do quarto, e ao lado desta, uma mesa de cabeceira exibe um abajur branco com desenhos de constelações. As paredes são pintadas de um azul que já se encontra quase que totalmente pálido, desbotado. Também há uma escrivaninha posicionada bem a frente da janela de vidro, onde papeis estão espalhados, onde ilustro qualquer pensamento, sentimento ou lembrança que não quero esquecer ou quero que esvaia de alguma forma.Encaro o tapete felpudo bem a minha frente. Ainda não acredito que fui lançada de volta para cá. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti completamente fraca, fora de controle. E agora, meu corpo doía, eu estava tão dolorida, que poderia jurar que esse corpo ficou abandonado na rua e foi atropelado incansavelmente por toneladas de caminhões.Levante
Andar a cavalo era uma das atividades que eu mais amava fazer no meu tempo livre, e acho que uma das vantagens de ainda não ter dado inicio em minhas missões, é que posso usar o tempo que ainda tenho para fazer isso.Tenho um cavalo branco que está comigo desde que sou criança. Seu nome é Lótus. Clarissa é minha melhor amiga, nós literalmente crescemos juntas, e fazemos tudo juntas. Na verdade, nós fazíamos. Agora, ando a cavalo ou sozinha ou com Hayden, raramente Clare tem olhos para outra coisa além do bonitão que fica cobiçando por aí. Ele se chama Asher, Asher Parker. Ele é mais velho que nós duas, está sempre treinando com os outros caras da sua idade, ele também ensina muitas coisas para os novatos. Acho que não existe alguém que brigue melhor que ele. Exceto Hayden, os dois andam treinando juntos ultimamente. Hayden é tão bom quanto ele, apesar de ser três anos mais novo. Estou andando a cavalo quando paro ao ver Hayden sorrindo para minha direção, se aproximando com uma espad
Ash e Hayden ficaram limpando toda a cozinha depois de jantarmos. Foi bom ignoramos a nossa realidade por esse tempo. Não posso ser egoísta e dizer que minha vida com Clare não era boa, ela era, sim. Nós duas nos divertíamos, cozinhávamos juntas, andávamos a cavalo, mergulhávamos no oceano, e tomávamos sol na beira da praia, olhamos os desenhos feitos pelas nuvens no céu... Mas também havia o lado ruim. Éramos só nós duas basicamente, e não podíamos ter envolvimento com outras pessoas por maior espaço de tempo. E não sabia de onde os livros e filmes tiram, de que pessoas que não envelhecem podem ter uma vida divertida e ir para onde quiserem, fazer o que quiserem. Eu por exemplo, amava conhecer o mundo, mas as vezes era bom ter uma casa para voltar. A irmã de Clare estava sempre em movimento, mas acho que já conheci tantos lugares, tantas vidas, que evitei de vir apenas para cá, onde sempre quis vir com Hayden, mas nunca consegui o fazer depois de perde-lo.Basicamente passamos mais d
O silêncio pairava pelo ar, exceto pelo lento movimento de Hayden, enquanto ele abotoava sua camisa preta. Ele já estava de pé, se vestindo, para o que imaginei, seria começar seu dia de trabalho. Fiquei remoendo como seria nossa vida se fossemos pessoas comuns. Acordaríamos juntos, tomaríamos café da manhã, e em alguns dias, ele me levaria o café na cama, como já havia feito inúmeras vezes. Aquela sacada com vista para toda cidade de Paris, seria onde jogaríamos muitas conversas fora, seria onde daríamos risadas, contaríamos sonhos, desejos e medos, sob as luzes das estrelas. Não seriamos perfeitos, mas levaríamos uma vida assim. Ou talvez, ainda estivéssemos em nossa cidade natal, imagino como seria, ver nossos filhos crescerem, envelhecermos juntos. Mas aqui estávamos nós dois, eu sentada na cama, olhando para Hayden, que ainda não notara que eu havia acordado. E preferi ficar alguns segundos em silêncio, o observando. — Você acordou — ele disse, com um meio sorriso nos lábios.
Acontece que naquela noite, Hayden não voltou para casa.Ash e eu ficamos o esperando, por horas. Meu amigo se dispôs a sair e procurar por Hayden, mas afinal, isso seria completamente inútil, eu sabia que ele não havia sumido porque ficou em um bar bebendo ou tenha sofrido algum acidente mundano por algum lugar nas ruas de Paris, ele não voltou por algo que certamente estava ligado ao que queriam conosco.A noite em que passei acordada, foi como um tormento, não consegui pregar meus olhos, nem mesmo se quer por alguns dez minutos. E enquanto fiquei horas, andando de um lado para o outro, Ash ficou me encarando, mas a única coisa que poderia fazer com que eu deixasse de ficar inquieta, seria se ele entrasse na minha mente. E por mais que ele tivesse insistido em tentar me acalmar com seu dom — que não funcionava exatamente em mim, mas ajudava muito, pelo menos no controle de emoções —, eu não deixei. Achei injusto me acalmar com a situação de Hayden, mas ele fez mesmo assim. E me prom
Eu estava parada em frente ao espelho, no quarto de Hayden, observando meu reflexo com um misto de nervosismo e ansiedade. Optei por usar um vestido azul de alças finas e de longo comprimento, que realçava minha silhueta delicadamente. O tom azul vibrante combinava com meus olhos, destacando-os ainda mais. Meus cabelos ondulados caíam suavemente sobre meus ombros, emoldurando meu rosto. Preferi deixá-los soltos, já que odiava penteados que destacavam meu rosto, era sempre uma mechinha solta aqui ou ali.Enquanto me observava no espelho, senti um calafrio percorrer minha espinha. A incerteza sobre o paradeiro de Hayden e o que poderia ter acontecido com ele me deixava inquieta. Meu coração batia acelerado, ansioso por respostas que ainda não tinha. Pela primeira vez, eu desejei muito que hoje, quando encontrasse Miles, não fosse Miles.— Está tudo bem se sentir assim, com medo — Ash estava encostado no batente da porta, usava um terno preto que combinava muito com ele, realçava seus ol
— Então, vocês já se conhecem...? — Nira perguntou, intercalando seu olhar entre Hayden e eu, se referindo a Miles.— Ah, sim — Hayden respondeu. — Na verdade, conheço, os dois estão de viagem e vieram passar uns dias em casa.— Achei que fosse aluna e só tivesse mudado de período — Camille acrescentou, um tanto suspeita quanto Nira aparentava estar.Realmente, tínhamos coisas que estávamos escondendo delas, mas a última coisa que eu queria que pensassem, era que eu estava tentando dar encima do ex-namorado da garota que na verdade estou tentando proteger também.— Tirei um ano sabático, sabe, fui viajar e quando voltei, resolvi mudar de período, por isso que estou meio perdida nas aulas, sabem?! — cruzei os dedos mentalmente para que elas tivessem acreditado. Que merda Hayden.Nira simplesmente deu de ombros, e deslizou uma mão suavemente pelo braço de Hayden, chamando sua atenção.No fundo pensei que talvez nem me importasse tanto com ela naquele momento, só queria que ela soubesse
Os olhos verdes de Nira me olhavam como se ainda não pudessem acreditar em nenhuma das palavras na quais foram ditas por mim a ela. Também queria poder lhe dizer que era somente uma piada. Se nada disso era fácil nem mesmo para nós que crescemos lutando a cada dia para se preparar para algo como isso, nem posso imaginar como deve ser o choque para quem nunca nem mesmo soube sobre quem se é de verdade.Nira me permitiu mostrar-lhe mais com o controle de mentes. Ela me deixou entrar, mostrar o que seria mais fácil de entender com os “olhos”, do que apenas com palavras. Também achei mais que justo mostrar e devolver toda lembrança que tive enquanto estava em seu corpo, a hospedando.Não sei quanto tempo durou tudo isso. Infelizmente, nunca seria o suficiente. Eu jamais poderia ser ignorante e fingir que sim. Além de tudo, não era só ela quem estava em jogo, era Miles também. Eles corriam um risco, e ela era a única que poderia fazer algo por um dos dois naquele momento. Se ela me dissess