VII

                    

Depois de longas três horas, em que passei sentada em meu sofá, encarando a enorme vista que eu tinha da janela em minha frente, a porta de entrada soou algo como algumas batidas.

Camille estava em reunião com a mãe dela em algum concerto que estavam juntas, e eu não esperava mais ninguém, principalmente depois da minha última conversa com Miles.

Ainda envolvida em meus pensamentos, me levanto lentamente do sofá. A batida na porta me tira momentaneamente de minha introspecção, deixando-me curiosa e um tanto apreensiva.

Com a mão estendida, seguro e giro a maçaneta, e meus olhos se arregalam de surpresa, meu corpo congela, o tempo para mais uma vez e eu não sei o que pensar, o que sentir ou o que dizer. É completamente diferente agora, e eu odeio isso, odeio muito. Minha mente luta, com palavras presas na garganta, para tentar entender se a cena que vejo é real, ou se é uma paranoia e estou criando situações irreais por me sentir assustada.

Mas não, seus olhos me encaram, de uma forma gentil da qual não consigo compreender. É completamente diferente quando eu o vejo através de Miles, porque ainda consigo fingir que é qualquer outra pessoa, menos ele. Menos o meu Hayden. O Hayden que passei minha vida toda amando e tive de deixar partir há muito tempo.

Espero que ele diga algo, qualquer coisa, porque ainda sinto como se estivesse morrendo. Não poderia ser verdade. Mas eu sabia que era. A ultima vez que encarei seu rosto foi há tanto tempo, que agora, ele parecia ainda mais angelical do que antes.

O cabelo castanho claro, os olhos cinzas, que brilhavam contra a luz que entrava pela sacada, suas roupas, seu modo de se mover, me socaram inúmeras vezes.

— Co-como? — é a única palavra que consigo dizer.

— Posso entrar? — ele pergunta, sem me responder.

— Hayden, o que está fazendo aqui? — o choque que estava sentindo, começou a se tornar irritação.

— Você terminou com Miles — seus lábios estavam quase em um sorriso, mas eu não soube defini-lo. — Boa garota.

— Foi para isso que veio? Para continuar com joguinhos? — pergunto, prestes a bater a porta em sua cara. — Cai fora daqui, Hayden.

Ele coloca o pé sobre a porta, me impedindo de b**e-la.

— Eu vim conversar com você — sua voz é quase rouca. — Você quer saber porque está aqui, não quer?

— Se estiver de joguinhos, Hayden...

— Não estou — fez um gesto de redenção com as mãos, e por fim, o deixei entrar.

— Pode começar me dizendo por qual motivo vim parar aqui e estou sem controle nenhum do que aconteceu.

Hayden caminha em direção à sacada, seus passos firmes e decididos. Seus olhos fixam-se na vista panorâmica diante de nós, enquanto ele absorve a paisagem com uma expressão contemplativa. A brisa suave acaricia minha pele enquanto o encaro.

Seu silêncio me intriga, deixando-me ansiosa para saber o que se passa em sua mente. Observo-o com atenção, tentando decifrar os traços de sua face, que parecem refletir uma mistura de nostalgia e serenidade. Há uma profundidade em seu olhar, como se estivesse mergulhado em memórias antigas e sentimentos entrelaçados.

A atmosfera ao nosso redor parece completamente carregada, ao mesmo tempo que não deveria parecer leve e familiar.

Enquanto aguardo sua resposta, minha mente corre para os momentos que compartilhamos no passado, as risadas e as lágrimas que dividimos juntos. A saudade que senti por ele durante todos esses anos pareceu desaparecer em um instante, substituída por uma mistura de esperança, incerteza e medo.

E, no momento em que ele finalmente decide romper o silêncio, meus ouvidos se aguçam, curiosos para capturar cada som de sua voz, sem deixar escapar nada.

— Sabe, Ammy, escutei minha vida toda, nós escutamos, que mocinhos devem salvar o mundo — ele ri, ironicamente, e se vira para mim. — Acontece que eu não sou um deles, estou bem longe de ser. Sou egoísta, completamente.

— Hayden, porque estou aqui?

— Quer saber? Porque prefiro esse mundo destruído ao ver destruírem você.

Eu solto uma leve gargalhada, até perceber que ele não estava brincando.

— O que tenho a ver com isso, Hayden? — ele caminha até minha direção, e sinto seu cheiro doce tomar conta de toda minha mente.

Totalmente destrutível.

— Tudo — sua voz se tornou um sussurro, e estremeci com o toque que levou até meu rosto.

Lutei com todas as minhas forças para não fechar os olhos e me deixar o sentir.

—  Eu sinto muito por nunca ter te dado esperanças, por nunca ter te encontrado de novo, mas pensei que não estivesse...

—  Viva? — minha garganta prende as palavras, que também saem baixas como a dele. — Eu pensei que você estivesse morto esse tempo todo, Hayden. Você quebrou nossa conexão.

— Oh, se eu soubesse que você estava por aí, esse tempo todo...

— O que aconteceu com você, e por que está com Miles? — me afasto de seu toque. Preciso entender com clareza.

— No dia em que perdemos a aldeia, você não estava lá, e eu voltei para te procurar, tentei te achar... mas me acharam primeiro — dessa vez, ele quem se afasta um pouco mais. — Não sei por quanto tempo fiquei apagado, talvez alguns dias, agora acredito que vários fatores quebraram nossa conexão e por isso nunca consegui te sentir. Mas hoje, de certa maneira, fico aliviado disso ter acontecido.

— Por onde você andou esse tempo todo? — questiono.

— Eu estava... estou com um grupo de pessoas, como nós.

— Ainda... ainda há outros? — uma chama de esperança quase se acende dentro do meu peito, mas Hayden a assopra antes mesmo que ela incendeie.

— Não são bons — ele diz, e sinto meu coração se despedaçar. — A maioria não é.

Espero que ele continue, preciso saber onde tudo começou para entender onde chegamos.

— No começo, a maioria dizia que estávamos em um lugar seguro. Passamos anos treinando, aprimorando ainda mais nossas habilidades, como sempre fizemos na aldeia. Então, descobrimos que não era bem assim. No fim das contas, eles estavam nos preparando para uma guerra ainda maior... eu não tinha esperança em mais nada, até ouvir falarem sobre alguém com a mesma habilidade que eu, morando na Australia, em Cough. Sabia que só poderia ser você — ele riu, olhando para baixo. Contei a uma amiga de confiança, ela é o famoso oráculo, a forma mais rara de nós. Foi assim que eu te encontrei. E se os outros souberem, eles me matam por isso.

Estou completamente em choque, tentando digerir cada palavra. Não sei ainda se devo acreditar nelas.

— Antes que me odeie mais por pensar em Nira, só preciso deixar claro, que ela está segura, não fizemos mal algum a ela.

Não, e por acaso vim parar aqui por livre e espontânea vontade dela?

— Eu precisava de alguém no qual pudesse ficar de olho todos os dias, que pudesse estar perto de Miles — continuou a dizer — E no caminho de colocar você em Nira, Isobell e eu... descobrimos que ela é uma perdida, ela não faz ideia disso. Os perdidos, eles são completamente raros. E se ela cair em mãos erradas...

Eu me lembro bem o que é uma perdida. Eles não têm habilidade nenhuma, mas podem ter todas, se treinados. Os perdidos se tornam o que são por não terem conhecimento nenhum disso.

— O que estão estudando em você?

— O que eu estou tentando adiar.

— Hayden...

— Ammy, eu estou tentando ajudar você, e Isobell me devia um grande favor. Ela a trouxe aqui, porque eu pedi, porque eles estavam a rastreando e nós dois sabemos que seria muito fácil você estando longe, pelo menos aqui, entre Nira e eu, poderíamos te esconder, eles achariam que a energia caótica fosse minha. Eu precisava que ficasse aqui pelo menos até eles desistirem de te procurar.

— O que eles querem, afinal?

— Ainda estão estudando nossas habilidades, a sua e a minha também são raras, podemos criar e tirar memórias de pessoas, não é como um oráculo, mas é algo que eles acham bem útil. Quando estou em Miles... — ele hesita por um instante. — Esse corpo é monitorado a cada segundo. Não quero que façam o mesmo com você. Estou dando tudo o que eles querem, se isso significa que não irão te procurar mais. Estou me esforçando muito por isso.

— Pare de se esforçar — digo, apressada. — Se existe algo que eu possa fazer para ajudar com a situação, eu irei fazer.

— Não, meu amor — seu sorriso é de partir o coração. — Eu faço isso por nós.

— E como sigo a diante, Hayden, sabendo que tudo está se tornando um caos maior?

—Agora que sei que é você, de verdade, Isobell vai cuidar disso, eu só precisava ter certeza...

— Não quero que ela cuide disso, não quero fugir. E não quero ir para outro corpo que não o meu.

— E você não vai — murmurou. — Quando tudo acabar, eu vou te encontrar de novo. Eu prometo.

— Hayden, não. Do que você está falando?

— Volte para casa, e fique com sua irmã, ela precisa de você mais do que de qualquer outra pessoa no mundo.

— Não tire isso de mim, não de novo.

Cada olhar, cada palavra não dita, apenas intensificava a dor que eu guardava dentro de mim. Era como se todo o peso do passado estivesse sendo despejado sobre meu coração já frágil. Não queria me esquecer disso ao amanhecer, eu precisava lembrar, eu precisava resistir. Miles não merecia isso, Hayden também não precisava aguentar a dor sozinho.

E então, sem dizer uma palavra, ele inclinou-se e depositou um beijo leve em minha testa. Foi um gesto tão simples, tão delicado, mas que carregava consigo uma imensidão de significados. Naquele momento, senti como se todas as cicatrizes em meu coração começassem a sangrar novamente.

O vi se afastar de mim, sem olhar para trás, ele fechou a porta, me arrancando a visão que fechei os olhos com força para não esquecer.

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