Chegamos ao local do desfile com horas de antecedência, para nos certificarmos de que tudo estaria perfeito. Assim que chegamos, eu fiquei maravilhada com o local.
O local do desfile era um palácio histórico, com arquitetura exuberante e um jardim bem cuidado. Havia cadeiras brancas organizadas em fileiras, um grande tapete vermelho e muitos fotógrafos aglomerados ao redor.
Eu olhei para Camille e Miles, ainda sem acreditar que estava ali.
"Isso é incrível", sussurrei.
"E você é incrível, Nira", disse Miles, me dando um sorriso caloroso.
Eu me sentia feliz por saber que era Miles ali, conversando comigo, empolgado ao meu lado, com os cabelos castanhos e os olhos azuis mais lindo do mundo. Mas me entristecia saber que ele não sabia que Nira não estava presente. Ela se lembraria de tudo o que eu quisesse deixar para ela depois. Nira estava adormecida dentro de seu corpo, enquanto eu vivia por ela.
Nós seguimos o organizador até um salão luxuoso, onde fomos apresentados a outras pessoas que estavam no evento. Era um misto de modelos, estilistas, celebridades e pessoas influentes na moda.
Eu me senti um pouco intimidada no começo, mas Camille e Miles estavam lá comigo, me guiando e me apresentando a todos.
Enquanto circulávamos pelo salão, eu observava tudo com admiração. As paredes eram forradas com obras de arte, lustres de cristal iluminavam o ambiente, e a música ao fundo criava uma atmosfera elegante.
Em um determinado momento, um modelo desfilou com um vestido de noiva deslumbrante. Eu fiquei completamente encantada com a beleza daquele vestido e não pude evitar suspirar.
Miles percebeu e me cutucou.
— Gostou desse, amor? É lindo, não é?
Concordei com um balançar de cabeça. O vestido era lindo, Miles era perfeito. Eu senti as lágrimas brotando em meus olhos, mas rapidamente as afastei. Não queria estragar aquele momento especial para Nira, queria que ela se lembrasse de todas as partes boas.
Eu me encontro em um estado estranho, como se eu estivesse flutuando em algum lugar além do tempo e do espaço. Não sinto o meu corpo, nem as minhas emoções. Em vez disso, eu sinto como se estivesse mergulhando em uma memória que não é minha.
A cena se desenrola diante de mim como se eu estivesse assistindo a um filme. Vejo Nira em um parque, sentada em um banco com Miles. Ela está rindo, e a luz do sol está brilhando em seus cabelos. Ela parece tão feliz.
Enquanto eu me afundo mais na memória, vejo Miles segurando a mão de Nira, olhando para ela com ternura. Eu sinto o coração de Nira acelerar, o amor fluindo entre eles. Eu posso sentir a emoção dela como se fosse minha.
Enquanto a memória se desvanece e eu volto à minha própria consciência. Olho ao redor e é como se o mundo tivesse parado por um instante.
Miles está segurando minha mão, assim como na lembrança, e sinto meu coração estilhaçar.
Acho que nunca odiei tanto estar no corpo de outra pessoa que não o meu, talvez porque Nira não esteja e nunca tenha estado em uma situação que não de amor por ele, e isso me incomoda um pouco, pois não sei separar essas emoçoes, como se fosse impossível pensar com clareza.
Droga. Droga. Droga.
Fiquei imensamente feliz quando o evento se dispersou e tive que ficar somente com Camille, mas me nenhum momento deixei de observar Miles. Cada movimento dele, eu calculava. Eu temia o momento em que seus olhos verdes se tornassem diferentes.
Camille e eu nos sentamos em um dos sofás do salão, com taças de champanhe em nossas mãos. O som da música de fundo ainda ecoava no salão, mas agora estávamos mais relaxadas e podíamos conversar em um tom mais baixo.
— Você viu aquele vestido branco? Era maravilhoso — eu disse, me referindo a uma das roupas desfiladas na passarela.
— Sim, era lindo. E aquele casaco de pele branca? Eu adoraria ter um daqueles! — respondeu Camille, com um sorriso em seu rosto.
Nós rimos juntas, enquanto apreciávamos o sabor do champanhe, mas fiquei séria, de repente, e com pouco de nervosismo, mudei de assunto.
— Miles está bem, ultimamente? — Pergunto, e Cami me observa, antes de responder.
— Miles, bem, ele anda com aquela mesma dor de cabeça chata. Mas nada além. Eu acho, por quê?
Então a dor de cabeça é recorrente, mas porque Camille se lembra disso e Nira não?
— A quanto tempo mesmo ele está assim?
— Acho que pouco mais de um mês — ela da de ombros.
— Não acha isso estranho? — questiono, mas ela me encara, como se não tivesse parado para pensar nisso antes.
Seus olhos azuis parecem preocupados, mas como se ela estivesse perdida, não escodendo algo. As vezes eu tinha a impressão de a conhecer de outro lugar, mas ela nunca saíra de Paris, e eu nunca vim para cá. Desviei o olhar dela, e suspirei fundo.
— Com licença.
Me levantei do sofá e comecei a atravessar o salão, em direção a Miles.
Quando finalmente cheguei até ele, notei que ele estava conversando com alguns dos convidados da festa. Respirei fundo e esperei pacientemente, sem querer interrompê— lo.
Quando finalmente ele notou a minha presença, Miles sorriu e se aproximou de mim. Eu fiquei um pouco nervosa, mas tentei manter a calma.
— O que foi, Nira? — perguntou ele, preocupado.
"— Acho que já é hora de irmos para casa, acho que bebi demais — eu disse, tentando soar como NIra. — Será que você poderia me levar?
— É claro", ele respondeu imediatamente, me tranquilizando. — Vamos lá fora, eu pego o carro.
— Preciso chamar sua irmã...
— Ela vai ficar bem — falou, colocando a mão em minhas costas, para nos levar até seu carro.
Miles abriu a porta do carro para mim e eu entrei, agradecida. Eu me aconcheguei no banco do passageiro, fechando os olhos por um instante e sentindo o cansaço da noite me atingir.
Ao entrar em meu apartamento, eu me viro para oferecer uma bebida a Miles, mas de repente, eu paro. Eu sinto um arrepio percorrer meu corpo, como se alguém tivesse caminhado sobre meu túmulo. Eu me viro lentamente, olhando para Miles com um olhar de dúvida.
Sua voz ruboriza em meus ouvidos.
— Então, você sabe — ele disse, me encarando com seus olhos cinzas, bem menos verdes e brilhantes que antes. — Eu também sabia sobre você, mas queria ter certeza antes.
Dou alguns passos para trás, mas paro assim que sinto o sofá em minhas pernas, me impedindo de continuar.
Eu sabia que conhecia aqueles olhos acinzentados, eu o reconheceria em qualquer lugar do mundo. Jamais o esqueceria. Eu olhava para Miles, mas tudo o que eu conseguia ver eram os olhos acinzentados de Hayden. Era tão real que eu me senti completamente desorientada.
Eu pisquei algumas vezes, tentando me concentrar novamente no presente, mas a imagem dos olhos de Hayden ainda estava lá, como se estivessem gravados em minha mente. Será que eu estava perdendo a sanidade? Ou será que havia algo mais por trás de tudo isso?
— Hayden.
— Ammy.
Hayden... Ah, eu me lembro muito bem de quando éramos crianças. Hayden sempre teve o cabelo loiro escuro, alto e magro. Conforme crescíamos juntos, meus sentimentos por Hayden cresceram Ttambém. Eu amava passar o tempo com ele e conversar sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Era como se ele entendesse minhas emoções e pensamentos, e eu as dele.
A guerra em nossa aldeia, nos separou. Pensei que nunca mais o veria, nem mesmo sabia se ele estava vivo, se ele havia resistido. Nunca mais tive noticias suas, eu daria tudo para que ele tivesse conseguido escapar naquele dia... e agora, com o mesmo dom que eu, Hayden está em Miles. Mesmo depois de todos esses anos, ainda sinto uma dor no peito quando penso nele. A última vez que o vi, foi em 1862, mas agora dois seculos depois, ele está bem em minha frente.
— Você sobreviveu — ele disse, sorrindo, mas ainda, imóvel.
Eu já sabia que não era o mesmo Hayden que amei, nem de longe.
— Você também.
— Pensei que havia me dito que envelheceria, teria filhos, uma vida humana.
— Você me disse a mesma coisa, e está aqui, agora — rebato. — Por que está em Miles?
Por tras de seu olhar, havia curiosidade e perigo. Hayden andou pela sala, e o acompanhei com os olhos, analisando seus movimentos. Eu já não o conhecia mais. Não sabia do que Hayden seria capaz.
— Sabia que Miles está vivo graças a mim? O garoto tão frágiu, perdeu a mãe e ficou devastado, foi tão fácil entrar aqui... — ele não me deixou responder. — Você ainda é a garota que concerta corações? Sua especialidade sempre foi salvar as merdas dos outros.
— Eu salvei você, varias vezes — minha voz era firme, enojada. — Deixe Miles em paz.
— Não estou fazendo nada — ele fez um jesto de redenção, rindo. — Veja se faço mal a alguém?
— Hayden... qual é? Então me explique.
Se eu jogasse contra ele, nunca saberia como o impedir, eu precisava bolar um plano rapido, idependente, ele não fazia nada de bom. Seu plano era maligno.
Ele sorriu depois de um tempo, parecia aliviado.
— Senti sua falta, pequena Ammy.
Hayden se aproximou, e minha vontade era de o afastar de mim.
Quando as mãos dele — as mãos de Miles — tocaram meu rosto, me arrastaram de volta para a garotinha que eu era, esperançosa, inocente, que amava sem medo. Ah, se essa garotinha soubesse o que aconteceu com nosso amor...
— Por que estou aqui? — pergunto a ele.
— Talvez seja o destino.
— Por que seria? — ele se afasta, sorrindo, mas já não vejo Miles, vejo Hayden, apesar de não estar ali fisicamente, é a imagem dele que perambula por meu apartamento. Pelo apartamento de Nira.
— Nos vemos pela manhã — pisca para mim, se divertindo com a situação.
Assim que Hayden sai pela porta do apartamento, sinto como se o chão tivesse desaparecido debaixo dos meus pés e meu coração estivesse sendo arrancado do peito.
Me sinto impotente diante da situação. Eu não sei o que fazer agora, como seguir em frente.
Odeio não saber o que estou fazendo aqui, e odeio ainda mais, saber que não estou sozinha, que divido o mesmo espaço de tempo com Hayden.Não faço mesmo, nem a mínima ideia do que o trouxe para cá. Já não o reconheço mais. Sei que entre seus planos não pode haver coisa boa, ou Hayden já teria deixado Miles viver a vida normalmente. Fico pensando em como devo fingir estar ao seu lado, para tentar enxergar onde ele quer chagar de fato. Quero saber o que ele pretende fazer, para que eu busque uma maneira de o impedir antes que tudo se perca de uma vez por todas, antes que eu volte para meu corpo original e não consiga voltar a tempo.Fecho os olhos com força, involuntariamente, e sou, sem querer, arrastada para mais uma lembrança, mas desta vez, não é uma de Nira, e sim, uma minha.Eu acabara de fazer vinte anos. Era um lindo dia ensolarado de 1861, eu estava usando um vestido de chita verde e branco, com babados e rendas na barra e nas mangas. Meus cabelos estavam presos em um tranças,
Depois de longas três horas, em que passei sentada em meu sofá, encarando a enorme vista que eu tinha da janela em minha frente, a porta de entrada soou algo como algumas batidas.Camille estava em reunião com a mãe dela em algum concerto que estavam juntas, e eu não esperava mais ninguém, principalmente depois da minha última conversa com Miles.Ainda envolvida em meus pensamentos, me levanto lentamente do sofá. A batida na porta me tira momentaneamente de minha introspecção, deixando-me curiosa e um tanto apreensiva.Com a mão estendida, seguro e giro a maçaneta, e meus olhos se arregalam de surpresa, meu corpo congela, o tempo para mais uma vez e eu não sei o que pensar, o que sentir ou o que dizer. É completamente diferente agora, e eu odeio isso, odeio muito. Minha mente luta, com palavras presas na garganta, para tentar entender se a cena que vejo é real, ou se é uma paranoia e estou criando situações irreais por me sentir assustada.Mas não, seus olhos me encaram, de uma forma
Antes mesmo de abrir os olhos, eu já sabia onde estava. O cheiro, o clima, totalmente familiares. Eu já estava tão acostumada com isso.Olhando ao meu redor, vejo o mesmo que vi por muitos e muitos anos. A cama está no centro do quarto, e ao lado desta, uma mesa de cabeceira exibe um abajur branco com desenhos de constelações. As paredes são pintadas de um azul que já se encontra quase que totalmente pálido, desbotado. Também há uma escrivaninha posicionada bem a frente da janela de vidro, onde papeis estão espalhados, onde ilustro qualquer pensamento, sentimento ou lembrança que não quero esquecer ou quero que esvaia de alguma forma.Encaro o tapete felpudo bem a minha frente. Ainda não acredito que fui lançada de volta para cá. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti completamente fraca, fora de controle. E agora, meu corpo doía, eu estava tão dolorida, que poderia jurar que esse corpo ficou abandonado na rua e foi atropelado incansavelmente por toneladas de caminhões.Levante
Andar a cavalo era uma das atividades que eu mais amava fazer no meu tempo livre, e acho que uma das vantagens de ainda não ter dado inicio em minhas missões, é que posso usar o tempo que ainda tenho para fazer isso.Tenho um cavalo branco que está comigo desde que sou criança. Seu nome é Lótus. Clarissa é minha melhor amiga, nós literalmente crescemos juntas, e fazemos tudo juntas. Na verdade, nós fazíamos. Agora, ando a cavalo ou sozinha ou com Hayden, raramente Clare tem olhos para outra coisa além do bonitão que fica cobiçando por aí. Ele se chama Asher, Asher Parker. Ele é mais velho que nós duas, está sempre treinando com os outros caras da sua idade, ele também ensina muitas coisas para os novatos. Acho que não existe alguém que brigue melhor que ele. Exceto Hayden, os dois andam treinando juntos ultimamente. Hayden é tão bom quanto ele, apesar de ser três anos mais novo. Estou andando a cavalo quando paro ao ver Hayden sorrindo para minha direção, se aproximando com uma espad
Ash e Hayden ficaram limpando toda a cozinha depois de jantarmos. Foi bom ignoramos a nossa realidade por esse tempo. Não posso ser egoísta e dizer que minha vida com Clare não era boa, ela era, sim. Nós duas nos divertíamos, cozinhávamos juntas, andávamos a cavalo, mergulhávamos no oceano, e tomávamos sol na beira da praia, olhamos os desenhos feitos pelas nuvens no céu... Mas também havia o lado ruim. Éramos só nós duas basicamente, e não podíamos ter envolvimento com outras pessoas por maior espaço de tempo. E não sabia de onde os livros e filmes tiram, de que pessoas que não envelhecem podem ter uma vida divertida e ir para onde quiserem, fazer o que quiserem. Eu por exemplo, amava conhecer o mundo, mas as vezes era bom ter uma casa para voltar. A irmã de Clare estava sempre em movimento, mas acho que já conheci tantos lugares, tantas vidas, que evitei de vir apenas para cá, onde sempre quis vir com Hayden, mas nunca consegui o fazer depois de perde-lo.Basicamente passamos mais d
O silêncio pairava pelo ar, exceto pelo lento movimento de Hayden, enquanto ele abotoava sua camisa preta. Ele já estava de pé, se vestindo, para o que imaginei, seria começar seu dia de trabalho. Fiquei remoendo como seria nossa vida se fossemos pessoas comuns. Acordaríamos juntos, tomaríamos café da manhã, e em alguns dias, ele me levaria o café na cama, como já havia feito inúmeras vezes. Aquela sacada com vista para toda cidade de Paris, seria onde jogaríamos muitas conversas fora, seria onde daríamos risadas, contaríamos sonhos, desejos e medos, sob as luzes das estrelas. Não seriamos perfeitos, mas levaríamos uma vida assim. Ou talvez, ainda estivéssemos em nossa cidade natal, imagino como seria, ver nossos filhos crescerem, envelhecermos juntos. Mas aqui estávamos nós dois, eu sentada na cama, olhando para Hayden, que ainda não notara que eu havia acordado. E preferi ficar alguns segundos em silêncio, o observando. — Você acordou — ele disse, com um meio sorriso nos lábios.
Acontece que naquela noite, Hayden não voltou para casa.Ash e eu ficamos o esperando, por horas. Meu amigo se dispôs a sair e procurar por Hayden, mas afinal, isso seria completamente inútil, eu sabia que ele não havia sumido porque ficou em um bar bebendo ou tenha sofrido algum acidente mundano por algum lugar nas ruas de Paris, ele não voltou por algo que certamente estava ligado ao que queriam conosco.A noite em que passei acordada, foi como um tormento, não consegui pregar meus olhos, nem mesmo se quer por alguns dez minutos. E enquanto fiquei horas, andando de um lado para o outro, Ash ficou me encarando, mas a única coisa que poderia fazer com que eu deixasse de ficar inquieta, seria se ele entrasse na minha mente. E por mais que ele tivesse insistido em tentar me acalmar com seu dom — que não funcionava exatamente em mim, mas ajudava muito, pelo menos no controle de emoções —, eu não deixei. Achei injusto me acalmar com a situação de Hayden, mas ele fez mesmo assim. E me prom
Eu estava parada em frente ao espelho, no quarto de Hayden, observando meu reflexo com um misto de nervosismo e ansiedade. Optei por usar um vestido azul de alças finas e de longo comprimento, que realçava minha silhueta delicadamente. O tom azul vibrante combinava com meus olhos, destacando-os ainda mais. Meus cabelos ondulados caíam suavemente sobre meus ombros, emoldurando meu rosto. Preferi deixá-los soltos, já que odiava penteados que destacavam meu rosto, era sempre uma mechinha solta aqui ou ali.Enquanto me observava no espelho, senti um calafrio percorrer minha espinha. A incerteza sobre o paradeiro de Hayden e o que poderia ter acontecido com ele me deixava inquieta. Meu coração batia acelerado, ansioso por respostas que ainda não tinha. Pela primeira vez, eu desejei muito que hoje, quando encontrasse Miles, não fosse Miles.— Está tudo bem se sentir assim, com medo — Ash estava encostado no batente da porta, usava um terno preto que combinava muito com ele, realçava seus ol