V

Chegamos ao local do desfile com horas de antecedência, para nos certificarmos de que tudo estaria perfeito. Assim que chegamos, eu fiquei maravilhada com o local.

O local do desfile era um palácio histórico, com arquitetura exuberante e um jardim bem cuidado. Havia cadeiras brancas organizadas em fileiras, um grande tapete vermelho e muitos fotógrafos aglomerados ao redor.

Eu olhei para Camille e Miles, ainda sem acreditar que estava ali.

"Isso é incrível", sussurrei.

"E você é incrível, Nira", disse Miles, me dando um sorriso caloroso.

Eu me sentia feliz por saber que era Miles ali, conversando comigo, empolgado ao meu lado, com os cabelos castanhos e os olhos azuis mais lindo do mundo. Mas me entristecia saber que ele não sabia que Nira não estava presente. Ela se lembraria de tudo o que eu quisesse deixar para ela depois. Nira estava adormecida dentro de seu corpo, enquanto eu vivia por ela.

Nós seguimos o organizador até um salão luxuoso, onde fomos apresentados a outras pessoas que estavam no evento. Era um misto de modelos, estilistas, celebridades e pessoas influentes na moda.

Eu me senti um pouco intimidada no começo, mas Camille e Miles estavam lá comigo, me guiando e me apresentando a todos.

Enquanto circulávamos pelo salão, eu observava tudo com admiração. As paredes eram forradas com obras de arte, lustres de cristal iluminavam o ambiente, e a música ao fundo criava uma atmosfera elegante.

Em um determinado momento, um modelo desfilou com um vestido de noiva deslumbrante. Eu fiquei completamente encantada com a beleza daquele vestido e não pude evitar suspirar.

Miles percebeu e me cutucou.

—  Gostou desse, amor? É lindo, não é?

Concordei com um balançar de cabeça. O vestido era lindo, Miles era perfeito. Eu senti as lágrimas brotando em meus olhos, mas rapidamente as afastei. Não queria estragar aquele momento especial para Nira, queria que ela se lembrasse de todas as partes boas.

Eu me encontro em um estado estranho, como se eu estivesse flutuando em algum lugar além do tempo e do espaço. Não sinto o meu corpo, nem as minhas emoções. Em vez disso, eu sinto como se estivesse mergulhando em uma memória que não é minha.

A cena se desenrola diante de mim como se eu estivesse assistindo a um filme. Vejo Nira em um parque, sentada em um banco com Miles. Ela está rindo, e a luz do sol está brilhando em seus cabelos. Ela parece tão feliz.

Enquanto eu me afundo mais na memória, vejo Miles segurando a mão de Nira, olhando para ela com ternura. Eu sinto o coração de Nira acelerar, o amor fluindo entre eles. Eu posso sentir a emoção dela como se fosse minha.

Enquanto a memória se desvanece e eu volto à minha própria consciência. Olho ao redor e é como se o mundo tivesse parado por um instante.

Miles está segurando minha mão, assim como na lembrança, e sinto meu coração estilhaçar. 

Acho que nunca odiei tanto estar no corpo de outra pessoa que não o meu, talvez porque Nira não esteja e nunca tenha estado em uma situação que não de amor por ele, e isso me incomoda um pouco, pois não sei separar essas emoçoes, como se fosse impossível pensar com clareza.

Droga. Droga. Droga.

Fiquei imensamente feliz quando o evento se dispersou e tive que ficar somente com Camille, mas me nenhum momento deixei de observar Miles. Cada movimento dele, eu calculava. Eu temia o momento em que seus olhos verdes se tornassem diferentes.

Camille e eu nos sentamos em um dos sofás do salão, com taças de champanhe em nossas mãos. O som da música de fundo ainda ecoava no salão, mas agora estávamos mais relaxadas e podíamos conversar em um tom mais baixo.

— Você viu aquele vestido branco? Era maravilhoso — eu disse, me referindo a uma das roupas desfiladas na passarela.

— Sim, era lindo. E aquele casaco de pele branca? Eu adoraria ter um daqueles! —  respondeu Camille, com um sorriso em seu rosto.

Nós rimos juntas, enquanto apreciávamos o sabor do champanhe, mas fiquei séria, de repente, e com pouco de nervosismo, mudei de assunto.

—  Miles está bem, ultimamente? —  Pergunto, e Cami me observa, antes de responder.

—  Miles, bem, ele anda com aquela mesma dor de cabeça chata. Mas nada além. Eu acho, por quê?

Então a dor de cabeça é recorrente, mas porque Camille se lembra disso e Nira não?

—  A quanto tempo mesmo ele está assim?

—  Acho que pouco mais de um mês —  ela da de ombros.

—  Não acha isso estranho? —  questiono, mas ela me encara, como se não tivesse parado para pensar nisso antes.

Seus olhos azuis parecem preocupados, mas como se ela estivesse perdida, não escodendo algo. As vezes eu tinha a impressão de a conhecer de outro lugar, mas ela nunca saíra de Paris, e eu nunca vim para cá. Desviei o olhar dela, e suspirei fundo.

—  Com licença.

Me levantei do sofá e comecei a atravessar o salão, em direção a Miles.

Quando finalmente cheguei até ele, notei que ele estava conversando com alguns dos convidados da festa. Respirei fundo e esperei pacientemente, sem querer interrompê— lo.

Quando finalmente ele notou a minha presença, Miles sorriu e se aproximou de mim. Eu fiquei um pouco nervosa, mas tentei manter a calma.

— O que foi, Nira? — perguntou ele, preocupado.

"— Acho que já é hora de irmos para casa, acho que bebi demais — eu disse, tentando soar como NIra. —  Será que você poderia me levar?

— É claro", ele respondeu imediatamente, me tranquilizando. — Vamos lá fora, eu pego o carro.

— Preciso chamar sua irmã...

—  Ela vai ficar bem — falou, colocando a mão em minhas costas, para nos levar até seu carro.

Miles abriu a porta do carro para mim e eu entrei, agradecida. Eu me aconcheguei no banco do passageiro, fechando os olhos por um instante e sentindo o cansaço da noite me atingir.

Ao entrar em meu apartamento, eu me viro para oferecer uma bebida a Miles, mas de repente, eu paro. Eu sinto um arrepio percorrer meu corpo, como se alguém tivesse caminhado sobre meu túmulo. Eu me viro lentamente, olhando para Miles com um olhar de dúvida.

Sua voz ruboriza em meus ouvidos.

—  Então, você sabe —  ele disse, me encarando com seus olhos cinzas, bem menos verdes e brilhantes que antes. —  Eu também sabia sobre você, mas queria ter certeza antes.

Dou alguns passos para trás, mas paro assim que sinto o sofá em minhas pernas, me impedindo de continuar.

Eu sabia que conhecia aqueles olhos acinzentados, eu o reconheceria em qualquer lugar do mundo. Jamais o esqueceria. Eu olhava para Miles, mas tudo o que eu conseguia ver eram os olhos acinzentados de Hayden. Era tão real que eu me senti completamente desorientada.

Eu pisquei algumas vezes, tentando me concentrar novamente no presente, mas a imagem dos olhos de Hayden ainda estava lá, como se estivessem gravados em minha mente. Será que eu estava perdendo a sanidade? Ou será que havia algo mais por trás de tudo isso?

—  Hayden.

—  Ammy.

Hayden... Ah, eu me lembro muito bem de quando éramos crianças. Hayden sempre teve o cabelo loiro escuro, alto e magro. Conforme crescíamos juntos, meus sentimentos por Hayden cresceram Ttambém. Eu amava passar o tempo com ele e conversar sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Era como se ele entendesse minhas emoções e pensamentos, e eu as dele.

A guerra em nossa aldeia, nos separou. Pensei que nunca mais o veria, nem mesmo sabia se ele estava vivo, se ele havia resistido. Nunca mais tive noticias suas, eu daria tudo para que ele tivesse conseguido escapar naquele dia... e agora, com o mesmo dom que eu, Hayden está em Miles. Mesmo depois de todos esses anos, ainda sinto uma dor no peito quando penso nele. A última vez que o vi, foi em 1862, mas agora dois seculos depois, ele está bem em minha frente.

—  Você sobreviveu —  ele disse, sorrindo, mas ainda, imóvel.

Eu já sabia que não era o mesmo Hayden que amei, nem de longe.

—  Você também.

—  Pensei que havia me dito que envelheceria, teria filhos, uma vida humana.

—  Você me disse a mesma coisa, e está aqui, agora —  rebato. —  Por que está em Miles?

Por tras de seu olhar, havia curiosidade e perigo. Hayden andou pela sala, e o acompanhei com os olhos, analisando seus movimentos. Eu já não o conhecia mais. Não sabia do que Hayden seria capaz.

—  Sabia que Miles está vivo graças a mim? O garoto tão frágiu, perdeu a mãe e ficou devastado, foi tão fácil entrar aqui... —  ele não me deixou responder. —  Você ainda é a garota que concerta corações? Sua especialidade sempre foi salvar as merdas dos outros.

—  Eu salvei você, varias vezes —  minha voz era firme, enojada. —  Deixe Miles em paz.

—  Não estou fazendo nada —  ele fez um jesto de redenção, rindo. —  Veja se faço mal a alguém?

—  Hayden... qual é? Então me explique.

Se eu jogasse contra ele, nunca saberia como o impedir, eu precisava bolar um plano rapido, idependente, ele não fazia nada de bom. Seu plano era maligno. 

Ele sorriu depois de um tempo, parecia aliviado.

—  Senti sua falta, pequena Ammy.

Hayden se aproximou, e minha vontade era de o afastar de mim. 

Quando as mãos dele —  as mãos de Miles —  tocaram meu rosto, me arrastaram de volta para a garotinha que eu era, esperançosa, inocente, que amava sem medo. Ah, se essa garotinha soubesse o que aconteceu com nosso amor...

—  Por que estou aqui? —  pergunto a ele.

—  Talvez seja o destino.

—  Por que seria? —  ele se afasta, sorrindo, mas já não vejo Miles, vejo Hayden, apesar de não estar ali fisicamente, é a imagem dele que perambula por meu apartamento. Pelo apartamento de Nira.

—  Nos vemos pela manhã — pisca para mim, se divertindo com a situação.

Assim que Hayden sai pela porta do apartamento, sinto como se o chão tivesse desaparecido debaixo dos meus pés e meu coração estivesse sendo arrancado do peito.

Me sinto impotente diante da situação. Eu não sei o que fazer agora, como seguir em frente.

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