Eu cheguei em meu apartamento inquieta. Estava apreensiva e preocupada com o que poderia acontecer. Eu sabia que estava no corpo de Nira por um motivo, e o que eu tinha descoberto não era nada bom. Tinha medo do que poderia acontecer se eu não conseguisse voltar ao meu corpo a tempo.
Eu me sentei no sofá, tentando acalmar minha mente. Olhei para minhas mãos, as mãos de Nira, e senti um arrepio percorrer meu corpo. Eu não queria estar ali, não queria estar no corpo de outra pessoa. Mas eu sabia que precisava enfrentar a situação de frente, por mais que eu estivesse apavorada, não poderia deixar os dois sozinhos nisso, eu precisava fazer alguma coisa para intervir.
Fechei meus olhos e respirei fundo, tentando me concentrar.
Era difícil acreditar em algo assim, mas eu sabia que com tudo o que havia acontecido até agora, essa era uma possibilidade real. E se fosse verdade? O que aconteceria comigo e com Nira? O que aconteceria com Miles?
Tentei controlar minha respiração, mas meu coração estava acelerado e meu estômago revirando, a todo tempo, fingi com Miles que não percebi nada de errado.
Ao ligar os pontos, comecei a entender o que estava acontecendo. Era como se um quebra-cabeça estivesse se formando em minha mente e cada peça começasse a se encaixar perfeitamente. Agora fazia sentido porque eu não conseguia me lembrar de nenhum problema no relacionamento de Miles e Nira. Não era porque não existiam, mas sim porque Miles não estava sozinho em seu corpo, assim como Nira não estava sozinha no dela.
Eu queria muito acreditar que estava errada, foi um erro, eu estava cansada, nervosa e em um corpo novo, pode ter sido tudo coisa da minha cabeça, uma imaginação. Nada disso é real, vou voltar para casa e esquecer essa loucura. Miles é Miles, e logo Nira será apenas ela.
Eu caminho até o banheiro e acendo algumas velas aromáticas, criando uma atmosfera de tranquilidade e relaxamento. O chão de mármore frio contrasta com meus pés descalços e a água quente que começo a encher a banheira alivia a tensão em meus músculos tensos.
Enquanto a banheira enche, eu adiciono algumas gotas de óleo essencial de lavanda e permito que o aroma doce invada meus sentidos. Sento-me na borda da banheira e começo a despir-me lentamente, sentindo o tecido macio do meu vestido desliza suavemente pela minha pele.
Com cuidado, mergulho meus pés na água quente e sinto um arrepio de prazer subir pelo meu corpo. A banheira agora está cheia, e eu lentamente deslizo para dentro, deixando que a água quente acaricie minha pele e me envolva em uma sensação de paz e conforto.
Sinto as tensões do dia se dissolverem, minha mente se esvazia e meu corpo relaxa. Eu fecho os olhos e me permito aproveitar o momento de tranquilidade, esquecendo todas as preocupações e incertezas que estavam me atormentando.
O som suave da água da banheira e o aroma calmante da lavanda preenchem o ar, criando um ambiente de serenidade e paz. Eu sinto meus músculos relaxarem e minha mente clarear, enquanto permito que a banheira me leve para um estado de total relaxamento e descanso.
Enquanto olhava para a cidade através da janela, minha mente vagava pelas memórias de casa: a brisa do mar, as praias de areia branca, o sol escaldante no verão e o cheiro de eucalipto no ar. Eu sentia falta da simplicidade da vida lá. Mal tive tempo de dizer para minha irmã sobre onde estava indo. Melinda é a unica família que ainda me resta.
Já era quase noite, quando viro o meu rosto para o outro lado e vejo o vestido vermelho que Miles e eu terminamos ontem de manhã, estendido em uma arara próxima à janela. A luz ilumina o tecido, fazendo com que o vermelho brilhe de uma maneira vívida e encantadora.
Me levanto da cama e caminho até a arara, apreciando os detalhes do vestido. O tecido é suave ao toque e a costura é perfeita. Miles e eu trabalhamos duro nesse vestido e o resultado é maravilhoso. Sinto uma onda de satisfação e orgulho ao pensar em como a Nira ficará linda usando-o.
Respiro fundo e me concentro no momento presente. Este vestido é um presente para a Nira, um presente que Miles e eu fizemos juntos. E isso me deixava aliviada.
Comecei a me arrumar no quarto, colocando o vestido vermelho que eu e Miles fizemos juntos. Ele caiu perfeitamente em meu corpo, realçando minhas curvas e me fazendo sentir bonita. Fiquei parada em frente ao espelho, observando cada detalhe da minha maquiagem, verificando se estava perfeita. Apliquei um pouco de batom vermelho para combinar com o vestido e sorri ao me ver tão arrumada.
Depois de me sentir satisfeita com minha aparência, comecei a arrumar meu cabelo. Deixei-o solto em ondas naturais e coloquei algumas presilhas para manter o cabelo longe do meu rosto. Coloquei meus brincos de argola favoritos e me olhei mais uma vez no espelho.
Percebi que estava nervosa, mas também empolgada. Hoje seria o desfile de moda mais importante da temporada e eu estava ansiosa para ver as criações dos pais de Camille e de outros designers. Respirei fundo e decidi que iria aproveitar a noite ao máximo.
Camille e Miles deveriam estar me esperando no andar de baixo, combinamos que eles me buscariam assim que estivessem prontos. Chegariamos um pouco antes que os outros, por conta deles, sentairamos na primeira fileira, junto as pessoas mais importantes. Essa ideia me animou, ou animou Nira de certa forma. Mas por outro lado, seria essa noite que eu tiraria minhas conclusões, precisava ser realista, ter a certeza se eu estava imaginando a respeito de Miles, ou se realmente tinha algo de errado com ele. Passei a noite em claro pensando sobre, se fosse o caso, eu não poderia os abandonar.
Quando cheguei ao terreo, pude os ver me esperando, Miles usava um terno preto ajustado, com uma camisa branca e uma gravata vermelha escura, complementando o visual com um par de sapatos sociais pretos. Camille usava um vestido longo azul com detalhes em renda e transparências nas mangas e decote. Os cabelos loiros estavam presos em um coque despojado e os sapatos de salto alto pretos davam um toque elegante ao look.
Miles me encarou ao lado de fora do carro com os olhos arregalados quando eu me virei para ele. Ele parecia estar sem palavras, o olhar fixo em mim, percorrendo cada detalhe da roupa. Pude sentir um leve rubor em meu rosto, enquanto me perguntava se eu estava exagerando na escolha do vestido, ou da maquiagem.
Depois de alguns segundos de silêncio, Miles finalmente se pronunciou:
— Uau, amor, você está deslumbrante — sua voz soou genuinamente impressionada e eu pude sentir o alívio percorrendo meu corpo.
Camille, ao meu lado, sorriu e concordou.
— Com certeza, você está incrível — Ela olhou para Miles e brincou em seguida. — Cuidado para não ficar hipnotizado por ela durante o desfile, ou vai perder a melhor atração.
— Camille, queria, essa aqui é a melhor atração — Miles segurou minha mão, e me puxou para um beijo rapido antes de abrir a porta do carro para mim.
Eu ri e agradeci os dois pelos elogios. Mas foi o olhar de Miles que ficou gravado na minha memória, a maneira como ele me encarou, como se eu fosse a única pessoa que importava no mundo. Ali, eu soube que era Miles, e com os dedos cruzados, torci para que continuasse sendo pelo resto da noite.
Chegamos ao local do desfile com horas de antecedência, para nos certificarmos de que tudo estaria perfeito. Assim que chegamos, eu fiquei maravilhada com o local.O local do desfile era um palácio histórico, com arquitetura exuberante e um jardim bem cuidado. Havia cadeiras brancas organizadas em fileiras, um grande tapete vermelho e muitos fotógrafos aglomerados ao redor.Eu olhei para Camille e Miles, ainda sem acreditar que estava ali."Isso é incrível", sussurrei."E você é incrível, Nira", disse Miles, me dando um sorriso caloroso.Eu me sentia feliz por saber que era Miles ali, conversando comigo, empolgado ao meu lado, com os cabelos castanhos e os olhos azuis mais lindo do mundo. Mas me entristecia saber que ele não sabia que Nira não estava presente. Ela se lembraria de tudo o que eu quisesse deixar para ela depois. Nira estava adormecida dentro de seu corpo, enquanto eu vivia por ela.Nós seguimos o organizador até um salão luxuoso, onde fomos apresentados a outras pessoas
Odeio não saber o que estou fazendo aqui, e odeio ainda mais, saber que não estou sozinha, que divido o mesmo espaço de tempo com Hayden.Não faço mesmo, nem a mínima ideia do que o trouxe para cá. Já não o reconheço mais. Sei que entre seus planos não pode haver coisa boa, ou Hayden já teria deixado Miles viver a vida normalmente. Fico pensando em como devo fingir estar ao seu lado, para tentar enxergar onde ele quer chagar de fato. Quero saber o que ele pretende fazer, para que eu busque uma maneira de o impedir antes que tudo se perca de uma vez por todas, antes que eu volte para meu corpo original e não consiga voltar a tempo.Fecho os olhos com força, involuntariamente, e sou, sem querer, arrastada para mais uma lembrança, mas desta vez, não é uma de Nira, e sim, uma minha.Eu acabara de fazer vinte anos. Era um lindo dia ensolarado de 1861, eu estava usando um vestido de chita verde e branco, com babados e rendas na barra e nas mangas. Meus cabelos estavam presos em um tranças,
Depois de longas três horas, em que passei sentada em meu sofá, encarando a enorme vista que eu tinha da janela em minha frente, a porta de entrada soou algo como algumas batidas.Camille estava em reunião com a mãe dela em algum concerto que estavam juntas, e eu não esperava mais ninguém, principalmente depois da minha última conversa com Miles.Ainda envolvida em meus pensamentos, me levanto lentamente do sofá. A batida na porta me tira momentaneamente de minha introspecção, deixando-me curiosa e um tanto apreensiva.Com a mão estendida, seguro e giro a maçaneta, e meus olhos se arregalam de surpresa, meu corpo congela, o tempo para mais uma vez e eu não sei o que pensar, o que sentir ou o que dizer. É completamente diferente agora, e eu odeio isso, odeio muito. Minha mente luta, com palavras presas na garganta, para tentar entender se a cena que vejo é real, ou se é uma paranoia e estou criando situações irreais por me sentir assustada.Mas não, seus olhos me encaram, de uma forma
Antes mesmo de abrir os olhos, eu já sabia onde estava. O cheiro, o clima, totalmente familiares. Eu já estava tão acostumada com isso.Olhando ao meu redor, vejo o mesmo que vi por muitos e muitos anos. A cama está no centro do quarto, e ao lado desta, uma mesa de cabeceira exibe um abajur branco com desenhos de constelações. As paredes são pintadas de um azul que já se encontra quase que totalmente pálido, desbotado. Também há uma escrivaninha posicionada bem a frente da janela de vidro, onde papeis estão espalhados, onde ilustro qualquer pensamento, sentimento ou lembrança que não quero esquecer ou quero que esvaia de alguma forma.Encaro o tapete felpudo bem a minha frente. Ainda não acredito que fui lançada de volta para cá. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti completamente fraca, fora de controle. E agora, meu corpo doía, eu estava tão dolorida, que poderia jurar que esse corpo ficou abandonado na rua e foi atropelado incansavelmente por toneladas de caminhões.Levante
Andar a cavalo era uma das atividades que eu mais amava fazer no meu tempo livre, e acho que uma das vantagens de ainda não ter dado inicio em minhas missões, é que posso usar o tempo que ainda tenho para fazer isso.Tenho um cavalo branco que está comigo desde que sou criança. Seu nome é Lótus. Clarissa é minha melhor amiga, nós literalmente crescemos juntas, e fazemos tudo juntas. Na verdade, nós fazíamos. Agora, ando a cavalo ou sozinha ou com Hayden, raramente Clare tem olhos para outra coisa além do bonitão que fica cobiçando por aí. Ele se chama Asher, Asher Parker. Ele é mais velho que nós duas, está sempre treinando com os outros caras da sua idade, ele também ensina muitas coisas para os novatos. Acho que não existe alguém que brigue melhor que ele. Exceto Hayden, os dois andam treinando juntos ultimamente. Hayden é tão bom quanto ele, apesar de ser três anos mais novo. Estou andando a cavalo quando paro ao ver Hayden sorrindo para minha direção, se aproximando com uma espad
Ash e Hayden ficaram limpando toda a cozinha depois de jantarmos. Foi bom ignoramos a nossa realidade por esse tempo. Não posso ser egoísta e dizer que minha vida com Clare não era boa, ela era, sim. Nós duas nos divertíamos, cozinhávamos juntas, andávamos a cavalo, mergulhávamos no oceano, e tomávamos sol na beira da praia, olhamos os desenhos feitos pelas nuvens no céu... Mas também havia o lado ruim. Éramos só nós duas basicamente, e não podíamos ter envolvimento com outras pessoas por maior espaço de tempo. E não sabia de onde os livros e filmes tiram, de que pessoas que não envelhecem podem ter uma vida divertida e ir para onde quiserem, fazer o que quiserem. Eu por exemplo, amava conhecer o mundo, mas as vezes era bom ter uma casa para voltar. A irmã de Clare estava sempre em movimento, mas acho que já conheci tantos lugares, tantas vidas, que evitei de vir apenas para cá, onde sempre quis vir com Hayden, mas nunca consegui o fazer depois de perde-lo.Basicamente passamos mais d
O silêncio pairava pelo ar, exceto pelo lento movimento de Hayden, enquanto ele abotoava sua camisa preta. Ele já estava de pé, se vestindo, para o que imaginei, seria começar seu dia de trabalho. Fiquei remoendo como seria nossa vida se fossemos pessoas comuns. Acordaríamos juntos, tomaríamos café da manhã, e em alguns dias, ele me levaria o café na cama, como já havia feito inúmeras vezes. Aquela sacada com vista para toda cidade de Paris, seria onde jogaríamos muitas conversas fora, seria onde daríamos risadas, contaríamos sonhos, desejos e medos, sob as luzes das estrelas. Não seriamos perfeitos, mas levaríamos uma vida assim. Ou talvez, ainda estivéssemos em nossa cidade natal, imagino como seria, ver nossos filhos crescerem, envelhecermos juntos. Mas aqui estávamos nós dois, eu sentada na cama, olhando para Hayden, que ainda não notara que eu havia acordado. E preferi ficar alguns segundos em silêncio, o observando. — Você acordou — ele disse, com um meio sorriso nos lábios.
Acontece que naquela noite, Hayden não voltou para casa.Ash e eu ficamos o esperando, por horas. Meu amigo se dispôs a sair e procurar por Hayden, mas afinal, isso seria completamente inútil, eu sabia que ele não havia sumido porque ficou em um bar bebendo ou tenha sofrido algum acidente mundano por algum lugar nas ruas de Paris, ele não voltou por algo que certamente estava ligado ao que queriam conosco.A noite em que passei acordada, foi como um tormento, não consegui pregar meus olhos, nem mesmo se quer por alguns dez minutos. E enquanto fiquei horas, andando de um lado para o outro, Ash ficou me encarando, mas a única coisa que poderia fazer com que eu deixasse de ficar inquieta, seria se ele entrasse na minha mente. E por mais que ele tivesse insistido em tentar me acalmar com seu dom — que não funcionava exatamente em mim, mas ajudava muito, pelo menos no controle de emoções —, eu não deixei. Achei injusto me acalmar com a situação de Hayden, mas ele fez mesmo assim. E me prom