III

Na manhã em que acordei, esperei ver o quarto azul, com o calor contra a pele, o canto dos passaros ao lado de fora, as ondas do mar se chocando contra as rochas. Mas, ainda sonolenta, abri os olhos devagar. Me sentei na cama, olhando ao redor do quarto que agora era meu.

Eu ainda estava no corpo de Nira.

Suspirei, sentindo uma mistura de desespero e resignação. Eu sabia que teria que continuar fingindo ser ela, pelo menos até encontrar uma maneira de voltar para o meu próprio corpo.

Pelo menos, as duas aulas que tive pela manhã, não tive que pensar em como fingir ser Nira com Camille, e também não precisei tomar café da manhã com Miles e ter de sentir seus olhos verdes me acompanharem com um amor que inexplicavelmente eu não sentia de Nira por ele. Não que ela não o amasse, ela amava, muito. Mas eu estava vivendo com Ammy, em um corpo que não era meu. Eu não sentia nada por Miles, não da maneira que deveria, eu pouco tinha noção da vida de Nira.

Apenas quando minha aula acabou, que eu o encontrei no estacionamento, onde Miles nos levaria até o atelie dos pais de Nira, ou meus pais, como deveria ser por enquanto.

O Ateliê dos pais de Nira — Bordados Genevivs —, ficava em um prédio de estilo parisiense clássico, com fachada de pedra clara e janelas altas e elegantes. Na entrada, havia uma porta de madeira bege com maçaneta de latão polido, e acima dela, um letreiro discreto com o nome do ateliê escrito em uma fonte cursiva elegante.

A rua era movimentada, com o som de carros e ônibus passando constantemente, e as pessoas caminhando apressadas em todas as direções. Mas mesmo assim, o ateliê parecia um refúgio tranquilo em meio à agitação da cidade, era o lugar favorito de Nira.

O que mais chamava a atenção era a grande vitrine de vidro, que exibia os últimos modelos criados pelos designers. Era impossível não parar por um momento para admirar as roupas impecáveis e os detalhes perfeitos.

— Finalmente em casa —  falo, vendo Miles sorrir para mim.

O interior do ateliê é ainda mais encantador do que eu imaginava. O espaço é preenchido com móveis antigos e objetos de arte. Há um aroma agradável de flores frescas e tecidos novos. Os tecidos coloridos e os desenhos de moda em papel se espalham por todo o lugar. Na mesa de costura, vejo uma série de alfinetes e linhas de várias cores. Há retalhos de tecido espalhados pelo chão, como se alguém estivesse trabalhando em algo recentemente, no qual suponho ser o vestido que irei terminar com Miles, já que estamos sozinhos e não encontro mais ninguém por aqui. Também observo as roupas prontas penduradas em cabides em uma parede. São vestidos e casacos elegantes, com estilos que variam desde o moderno até o vintage.

— O desfile é amanhã a noite, e eu estou bem empolgado para ver você usando aquele vestido —  apontou para o desenho que estava encima da mesa, mordiscando o lábio inferior. —  Ainda bem que hoje o lugar é só nosso — Miles se aproximou, segurando meu rosto com as mãos em forma de concha.

Não me mexi, apenas esperei o proximo passo. Nira não se desvincularia nunca dele, e por isso fiquei imóvel quando ele selou nossos lábios em um beijo. Sua lingua se entrelaçou na minha. Miles me abraçou com força, como se não quisesse me deixar escapar. Eu não queria escapar. Conseguia sentir meu coração —  o coração de Nira, bater — acelerado, sentindo a respiração quente de Miles contra meu rosto. E eu sei que esse beijo mudou tudo, tudo o que eu deveria sentir sobre Miles e sobre a vida de Nira.

Sai da transe de meus pensamentos, quando as mãos de Miles desceram até as minhas e me levaram a diante.

— Infelizmente, se eu quiser te apreciar mais, vou ter que trabalhar mais rapido nisso aqui —  Miles se ajoelhou no chão, ao lado da mesa de costura, prendendo o tecido para que ela pudesse cortá-lo com precisão. O vestido tinha um decote em V profundo, com alças finas e uma saia longa e esvoaçante.

— Eu nem sei como começar de onde paramos —  murmurei.

— Eu vou te ajudar —  falou, com aquele sorriso no rosto.

Ele direcionou-me para que eu me sentasse, me passou o necessario e me instruiu ao que fazer. Agora,  sentada à mesa de costura, com agulha e linha nas mãos, tentando seguir as instruções de Miles sobre como costurar o vestido vermelho. O tecido macio deslizava entre meus dedos enquanto eu trabalhava, tentando manter o ritmo.

Miles estava ao meu lado, olhando atentamente cada ponto que eu dava. Ele estava com uma expressão concentrada, como se estivesse estudando meu trabalho de perto. Às vezes, ele me dava instruções, ajustava algum detalhe ou me mostrava como fazer alguma coisa melhor. Eu apreciava sua ajuda e sua paciência, mas não podia evitar me sentir um pouco insegura. Afinal, eu não era Nira, e não tinha a mesma habilidade que ela tinha para costurar.

No entanto, a medida que trabalhava no vestido, comecei a me sentir mais confiante. Cada ponto era mais fácil do que o anterior, e comecei a perceber o quão belo o vestido estava ficando. Eu sabia que seria perfeito para o desfile de moda que estávamos planejando com Camille. Mas meus pensamentos foram interrompidos quando ele chamou pelo meu nome — pelo nome dela.

— Nira, você sabe que eu te amo, certo? — disse Miles, de repente, enquanto trabalhavamos na costura.

Eu olhei para ele e vi em seus olhos o quanto ele estava falando sério. Meu coração acelerou e eu senti meu rosto corar.

— Eu também te amo, Miles - respondi, com a voz baixa.

Seus dentes são perfeitamente alinhados e brancos, e seus lábios são cheios e rosados. Quando ele sorri, seus olhos brilham e suas bochechas se levantam, dando um ar ainda mais encantador à sua expressão.

É um sorriso que faz com que qualquer pessoa se sinta acolhida e bem-vinda, e eu adoro quando ele sorri para mim, mesmo que ele não saiba que é para Ammy que está sorrindo, ainda assim, eu adoro quando ele o faz.

— Então, o que você acha do desfile? - perguntou Miles.

— Eu acho que vai ser incrível. Estou ansiosa para ver todas as coleções das quais Cami nos mostrou — respondi, animada.

— Eu também. E o nosso vestido vai ser o melhor de todos, mesmo que nem faça parte do evento — disse Miles, piscando para mim.

— Claro, porque nós dois estamos trabalhando nisso — bufei uma risada.

Mas fechei-a imediatamente quando a expressão de Miles parecia de dor. De repente ele levou a mão à cabeça, franzindo a testa. Seus olhos se fecharam por um momento e ele se esquivou rapidamente, como se estivesse evitando algo. Fiquei preocupada e perguntei se ele estava bem, mas ele respondeu que era apenas uma dor de cabeça passageira. Mas Miles parecia um pouco mais pálido e ofegante do que o normal, como se houvesse alguma coisa que ele não queria me dizer. Perguntei novamente se estava tudo bem e ofereci ajuda, mas ele insistiu que não era nada importante. Ainda assim, não pude deixar de me sentir um pouco inquieta, e me preocupar com ele, mas foi quando os olhos verdes, agora quase acizentados me olharam após alguns segundos, que eu entendi exatamente o porque ainda estava no corpo de Nira.

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