Capítulo 3

Simone atravessou a rua e tocou a campainha do senhor Dimitri. Quando olhou para o outro lado, em direção da casa de dona Adelaide, notou que ela já havia entrado. Aparentemente falar dos vizinhos pelas costas era mais fácil do que encará-los de frente. Ao irar o pescoço outra vez ela tomou um susto ao se ver diante de um homem na soleira da porta, a observá-la. Era dono de uma beleza fria, e também era surpreendentemente grande. Olhava para ela do alto dos degraus, o que lhe conferia ainda mais um ar de superioridade arrogante.     

— Pois não?

— Bom dia. Sou a policial Simone. Presumo que seja o senhor Dimitri.

Ele assentiu, os olhos negros intrigantes olhando-a firme, sem piscar.

— Não quero incomodá-lo, senhor, mas é sobre os gatos...

— Gatos? — Ele ergueu uma das sobrancelhas. ─ Eu não tenho gatos.

— Certo. Recebemos uma queixa de que os gatos das redondezas estão desaparecendo.

— Fala desses gatos de rua que a dona Adelaide insiste em alimentar?

— Sim. Sua vizinha acredita que eles estão deixando de vir comer a ração que ela coloca para eles por que estão sendo envenenados e morrendo por aí.

O homem deu uma fungada, com pouco caso:

— Quem pode sentir falta de um gato quando existem tantos desses por aí, deixando sua sujeira fedorenta em todos os canteiros de plantas da cidade?

Simone piscou, aturdida. Ele havia falado exatamente a mesma coisa que ela havia pensado alguns minutos atrás?

O senhor Dimitri deu um sorriso, mas era um sorriso frio:

— Não gosto desses gatos sujando a minha casa, mas não os envenenei, se é isso que minha distinta vizinha está pensando. — Ele se inclinou ligeiramente na direção de Simone: — Gatos de rua agora são assunto de polícia?

Ela não se afastou, e sua voz tomou uma entonação cortante:

— Maus tratos aos animais incidem em crime ambiental, senhor.

Novamente o sorriso frio brincou em seu rosto.

— Eu não envenenei gato algum, lhe dou minha palavra quanto a essa questão.

— Bem, então acho que é só isso. Obrigada por sua atenção. — Simone respondeu, encerrando a conversa.

— Estarei à sua disposição, se precisar, policial Simone. Tenha um bom dia. — Dimitri girou nos calcanhares e entrou na casa.

Ela achou ótimo que Dimitri se despedisse. Estava ansiosa para se afastar daqueles olhos gélidos, não era de se admirar que a dona Adelaide tenha se sentido constrangida pelo vizinho, ele dava mesmo calafrios.

No entanto, ainda não estava bem certa de que o trabalho ali estivesse encerrado.

Simone ficou parada do lado de fora por mais alguns minutos, esperando que algum gato vira-lata aparecesse, ou que tivesse uma boa ideia sobre o que fazer a respeito do caso que tinha em mãos. Parecia uma coisa boba, a princípio, mas e se alguém estivesse mesmo matando animais por aí? Simone não gostava de covardia e injustiça, e não permitiria que atos de crueldade continuassem sendo praticados impunemente.

Mas o que deveria fazer? Talvez perguntar na clínica veterinária mais próxima se ultimamente andaram atendendo clientes que traziam animais envenenados?

Quando já estava pensando em ir embora, pareceu ouvir um ruído estranho vindo da casa de Dimitri, um tipo de som que para ela soou suspeito.

Aguçou os ouvidos.

Ouviu um miado?

Procurando se manter o mais silenciosa possível, Simone empurrou com cuidado o portão da garagem que dava para a lateral da casa. Entrou sorrateiramente, seguindo os sons abafados que vinham dos fundos.

Chegou à parte de trás da casa e estacou, surpresa com o que via por detrás de vidraças que cercavam a área de serviço. Dimitri estava parado diante de uma mesa onde havia um grande gato preto, e dizia palavras incompreensíveis, repetindo-as como um mantra, de uma forma que eriçou até os cabelos de sua nuca. O homem estava de costas para a policial, e fazia agora vários gestos com a mão, como se estivesse chamando o animal até ele. Por um segundo ela acreditou ter visto o gato se elevar da base, como se estivesse levitando. Então Simone piscou, e voltando a fixar a vista, percebeu o animal ainda rígido, tal qual uma estátua.

O cigano soltou uma imprecação. Movendo-se para o lado juntou as duas mãos em volta do pescoço do gato.

— Pare, agora mesmo! — Simone bradou.

O gato saiu do transe em que se encontrava, e com um miado alto escapuliu das mãos de seu algoz e fugiu em disparada.

Dimitri voltou-se para Simone, e seus movimentos pareciam estar sendo feitos em câmera lenta. Sem um segundo olhar para o animal que fugira, caminhou até onde estava a policial.

─ Você me atrapalhou.

Simone descobriu, aterrorizada, que não conseguia se mexer.

— Precisava mesmo investigar, policial? — Ele pôs as mãos pesadamente sobre seus ombros. — Tão bonita...

Dimitri fixou os olhos nos de Simone:

─ Você vai esquecer o que viu aqui, minha querida. Mas, antes disso — as mãos dele deslizaram e pousaram sobre os seios dela —, vamos nos divertir um pouco. Não se preocupe, você irá esquecer isso também... — e acrescentou, com um sorriso malévolo: — Ou pode ser até que você goste e nem queira se esquecer de tudo que eu fizer.  

Simone, então, gritou. Ou pensou que estava gritando.

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