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Capítulo 2

Saio do banheiro somente com a toalha enrolada na cintura. Liandra está lendo uma revista passando as páginas com total força ao ponto de quase rasga-las.

— Liandra quero conversar com você.

— Que é? Resmunga ainda sem me fitar.

— Pode olhar para mim?

Pergunto irritado. É sempre assim quando tento conversar sobre os nossos problemas, ela perde a paciência e trata como algo banal.

Suspira fundo e abaixa a revista.

— O que você quer Joaquim?

— Quero falar sobre a nossa filha.

Ela revira os olhos e se ajeita na cama.

— Não vê que ela é uma menina sozinha, parada, não come, não brinca. Você acha normal uma criança de 5 anos agir assim?

— Você quer que eu faça o quê? Cruza os braços sobre o corpo. — Viu muito bem que eu fiz a comida dela, tentei fazê-la comer, mas foi quase impossível, ela não quer.

— Porque será isso? De quem é a culpa Liandra?

— A minha que não é.

Ponho a mão a cabeça sentindo uma dor forte. Vou andando até o armário e começo a colocar as minhas roupas.

— Eu tento, mas estou cansada. Tenho que buscar ela na escola, fazer o almoço, arrumar a casa. Tirando as coisas que eu não faço faz tempo não é? Quero fazer as unhas, ir ao salão de beleza, renovar o guarda-roupa...

Bato num estrondo o armário.

— Mais que merda Liandra!

Ela prende o ar assustada arregalando os olhos.

— É todo o dia a mesma coisa! Não vê a nossa situação, que eu estou fazendo o possível e impossível para arcar com todas as contas de casa! Manter essa família unida, fazer as compras do mês, manter a escolinha da Gabriela porra!

Explodo exaltado.

— É sempre a mesma conversa. Eu sei que você não tem a vida que sonhou, que eu não sou um marido perfeito, mas você mais do que ninguém sabe o quanto é difícil, o tanto que eu luto pela gente.

— Então lute mais. Diz-me enfrentando. — Quer saber Joaquim, você é um merda.

Endureço as minhas feições juntando as sobrancelhas.

— Se não estamos bem, a culpa é toda sua. A tua obrigação é cuidar de mim, satisfazer todas as minhas vontades de mulher, mimar-me, dar tudo que eu quero, se virar para trazer mais dinheiro para casa.

— E como quer que eu faça isso? Pergunto com rancor na fala.

— Se vira.

Vira a face fitando a parede branca ao lado.

— Ou você já sabe.

O meu corpo todo se congela, perco o ar imaginando o que irá dizer. Não, ela não pode estar pensando nisso, mas faço a pergunta mesmo com medo da resposta.

— Ou o que Liandra?

Ela vira-se na minha direção pondo o seu melhor olhar sarcástico.

— Ou eu separo-me de você.

— Você não pode fazer isso.

Sussurro com o coração em pedaços.

Temos um casamento difícil, sempre tivemos os nossos altos e baixos. A nossa linha de pensamento é totalmente diferente, mas sou apaixonado por ela.

Desde o dia que nos esbarramos no corredor da escola. Uma bela mulher de cabelos castanhos claros, olhos escuros, porém de um gênio difícil, mas foi isso que me fez ama-la.

-Eu te amo Liandra, você é tudo para mim.

— Não parece.

Faço que vou até ela, porém impede-me somente com o olhar penetrante, fixo ao meu.

— Eu também te amo Joca, mas eu não quero ter que me limitar. Amacia a voz. — Eu preciso comprar as minhas jóias, as minhas roupas caras, e de verdade eu não quero ter que me separar de você para isso.

Fico por um constante perturbado, mas ao final concordo com a cabeça.

— Não se preocupe eu farei qualquer coisa para você ter tudo o que quiser princesa. Você e a nossa filha.

Digo calmo e decidido.

— As coisas vão melhorar, só não quero que me diga isso mais, você é minha para sempre, como eu sou seu.

— Eu sei que você é meu Joca. Nunca teria coragem de me trair.

Diz com um tom mascarado de algo que eu ainda não pude identificar, mas, ao mesmo tempo, tranquilizo-me por dizer que também me ama.

— Mas quero ficar sozinha essa noite.

Surpreendo-me com o que diz.

— Porquê? Pensei que estivéssemos bem.

Ri num gesto involuntário.

— E estamos. Mas hoje eu estou com dor de cabeça.

— Ontem você falou...

— Ontem foi ontem Joaquim, só me deixa em paz!

— É assim que você quer que fiquemos bem?

Abro os braços em interrogação.

— Você sempre me afastando. Não transamos faz quanto tempo Liandra? Meses? Eu sou um homem porra! Você é minha esposa, e o que só sabe é me deixar de lado. Você nem tenta!

Ela passa as mãos na cabeça e explode novamente.

— Chega! Não vê que está me estressando e acabando com o nosso casamento.

Fecho os olhos acabado, isso é uma luta perdida. Ela não faz nada para nos ajudar, só sabe reclamar de mim. Mas o pior sou eu que não consigo dar um basta nessa situação, porque infelizmente, eu não conheço uma outra vida sem ser ao seu lado e da nossa pequena. Estou fadado e preso a ela.

Pego as minhas chaves na cômoda, vou andado e paro com a mão na maçaneta.

— Você que está acabando com a gente.

Abro a porta, e a fecho rapidamente não suportando ouvir a sua resposta. Chega disso. Vou sair e espairecer um pouco, livrar-me por algumas horas das paredes brancas e solidão dolorida nessa casa.

Ando até o quarto da minha filha e fico feliz por vê o prato vazio. Ela comeu tudo.

Pego o pratinho e o levo até a cozinha, o lavo e saio de casa.

A rua é sempre o meu refúgio.

//

Estou andando pela orla de Copacabana enquanto o vento forte assobia em meu ouvido. Lembro-me quando tinha 15 anos, provavelmente meus cabelos estariam esvoaçantes nesse momento, mas agora só restou minha careca de fios ralos, que adquiri logo quando entrei no exército. Sorrio com o pensamento.

— Me solta!

Paro de andar imediatamente quando ouço de fundo uma voz feminina, porém não identifico o que foi dito.

Olho para os lados, mas não vejo ninguém. Concluo que só pode ser coisa da minha cabeça, então decido continuar a andar despreocupado com as mãos ao bolso.

— Me solta! Socorro! Socorro!

Arregalo os olhos com meu alerta totalmente ativado.

— Alguém ajuda-me, socorro...

Tento achar de onde vem essa voz, rodopio o corpo, mas não vejo nada, até que identifico uma cabeleira loira dentro de um carro, num ponto próximo de onde estou, parecendo estar numa luta corporal.

Saio correndo que nem louco, começo a sentir as dores fortes na perna, merda.

Algumas pessoas olham-me assustados, outros ficam gritando algo, mas são um bando de riquinhos. Alguns em cima de carros curtindo o baile funk totalmente amador que montaram, bebendo, fumando, transando e totalmente se ferrando para o que acontece na sua volta.

Continuo a correr e identifico o gol prata que ela esta. Chego apressado, tento abrir a porta do passageiro, mas está trancada.

Pelo vidro vejo a moça se debatendo e o arrombado em cima dela tentando a estuprar quase conseguindo êxito, mas isso só por cima do meu cadáver.

Procuro por alguma coisa pesada para conseguir quebrar esse vidro. Por sorte vejo um pedaço de ferro grosso caído ao chão. Agacho-me o pegando e com toda a rapidez, faço impulso e dou uma porrada forte ao vidro.

Ouço o barulho grave que faz um buraco mediano.

O homem olha para trás assustado e felizmente sai de cima da mulher que está visivelmente fragilizada.

Ofego segurando a barra o vendo abrir a porta do passageiro enfurecido. Fecha a mesma com força, mas antes mesmo que venha para cima de mim lhe dou uma porrada forte na cara.

Ele cai ao chão já com a face sangrando.

Sedento vou para cima dele e começo a bater em todo o seu corpo com crueldade.

— Isso é para você aprender a respeitar as mulheres seu verme!

Ele geme de dor enquanto o golpeio forte na costela. Descontando toda a raiva de hoje e todo o ódio de canalhas como este.

— Para, chega!

Mal ouço os gritos da mulher.

Eu estou cheio desses malditos molestando e assediando mulheres por toda a parte. Sujos e sem escrúpulos. Não respeitam quando as negam algo, ficam atrás iguais uns cães sarnentos. Não aceitam uma recusa, e ainda as chamam de putas por andarem de roupas curtas nas ruas, cara de pau! Ainda acham que tem o direito de mexer com elas, só que não é bem assim.

Não é não, porra!

— Só sabe crescer para cima de mulher seu merda!

Continuo a desferir golpes fortes, não satisfeito, agacho sacando a barra de ferro, arremato em todo o seu corpo. Ouço o barulho de vários ossos quebrando o que me faz aliviado por dentro. Eu quero é mais, sei que é errado o que estou fazendo, mas pessoas como ele devém pagar por todo o mal que fazem aos inocentes.

— Já vai tarde seu desgraçado!

Quando iria dar mais uma porrada na sua cara, cego de tanto ódio, cansado dessas merdas. Uma mão delicada segura o meu braço me fazendo parar no ar.

— Para! Ofega pesado. — Chega!

Como um robô manipulado e programado o meu corpo obedece e larga o ferro ao chão causando um barulho estridente.

Sentindo um toque suave e quente, aos poucos viro o meu rosto em direção a dona. Acabo por fitar olhos verdes marejados e amedrontados o que me destabilizam por inteiro.

— O meu nome é Iara.

A sua voz aveludada e macia penetra na minha mente fazendo-me piscar algumas vezes atônito.

O vento esvoaça os seus cabelos causando uma perfeita obra de arte que facilmente seria emoldurada e disputada por quem ficaria com esse belo quadro.

É como um anjo. Um anjo loiro.

Num movimento inesperado ela abraça o meu corpo como se fosse seu único refúgio. Prendo o ar com o cheiro da sua fragrância gostosa, fatalmente imobilizado, sem reação.

Ela não demora muito e volta a sua posição inicial me fitando profundamente. Acaba por deixa uma lágrima solitária escorrer, o que faz trincar algo no meu corpo.

— O-obrigada.

E foi aí, que começou a minha perdição.

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