Joaquim Trevor:
Mais um dia de merda. A mesma rotina de sempre. Acordar cedo, olhar para a cara de bunda da minha esposa, tomar um banho gelado e ir para o quartel. Estou contando os dias para isso tudo acabar.
A única coisa boa que tenho na minha vida é minha filha. Sim, sou pai de uma linda garotinha de cinco aninhos. Ela é uma criança doce, mas infelizmente é muito quieta e reservada. Não tem muitos amigos na escolinha, come pouco, dorme mais do que tudo, não interage com as crianças do condomínio, não fala faz dois anos, enfim, eu morro por dentro por vê-la assim. Faria de tudo para ganhar todos os seus sorrisos.
Não sei o que a prende de ser uma menina animada como quando nasceu. Rio com a lembrança. Desde os seus primeiros meses, ria para qualquer gracinha que eu fazia. Eram ótimos tempos.
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Deixo Liandra dormindo, vou em direção ao banheiro e tomo uma ducha bem quente, pois hoje é o dia mais frio do ano, o que é muito atípico, afinal, estamos no Rio de Janeiro.
Vim parar aqui depois de um acidente que sofri. Sou Tenente-Coronel do exército, ficava a frente do batalhão, mas fui afastado quando me acidentei em uma das operações que estive a frente, na verdade, não era para eu estar lá, mas fui de teimoso, arrisquei-me e agora trabalho na parte administrativa do exército.
Coloco uma blusa regata branca, casaco jeans, calças do mesmo tom, tênis de uma cor neutra e volto ao quarto procurando a minha mochila.
Ponho todo o meu equipamento na mesma, meu uniforme, celular, os meus blocos de nota, e deixo a arma na cintura. Como sempre deixo um recado de bom dia a minha mulher em cima da cômoda.Passo no quarto da minha filha, fico por um tempo velando o seu sono e saio de casa.
[...]
Chego no quartel cumprimentando a todos. Vejo os soldados já dispostos nos seus exercícios, fazem reverência quando passo e os saúdo de volta.
Troco de roupa rapidamente e vou para a minha sala, o local que passo a maior parte do tempo e que felizmente me traz paz e tranquilidade. Eu amo esse lugar.
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Já está na hora do almoço.
Ligo para um restaurante já conhecido a fim de pedir o meu almoço, carne assada com batata frita e um arroz branco soltinho.
Não quero voltar para casa e ouvir a voz de desprezo da minha mulher. Ultimamente sempre quando sou carinhoso ela rejeita-me, diz estar com dor de cabeça enfim, e nem comida aquela porra sabe fazer.
Mas o pior é que eu a amo, e sei que sou um trouxa por isso.
Nos conhecemos na adolescência. Eu tinha por volta dos 17 e ela 16. Estudamos juntos, pois eu tinha repetido um ano e acarretou de atrasar-me na escola. Influências dos amigos, palhaçadas na sala de aula, faltas, nunca te levam para frente.
Ela seguiu com os estudos fez faculdade de moda, mas não foi bem sucedida e essa é a maior frustração da sua vida.
Quando finalmente recebeu uma oportunidade de se destacar, e se mostrar como sempre quis, engravidou de Bibi. Foi tudo tão intenso e dramático para ela, que chegou a consumir vários comprimidos querendo se matar, mas felizmente cheguei a tempo e leva-la para o hospital, mas isso já é passado.
Os meus passos seguiram a carreira de militar, especificamente na corporação do exército, comecei de pequeno, estudei, passei no concurso, formei-me de todos os recursos que eu podia adquirir, e após tanto esforço eu consegui.
Sou de uma família rica, mas decidi desvencilhar-me deles por Liandra, eles não tinham o melhor convívio com a minha mulher e eu não entendo.
Eles nunca a trataram bem, sempre a deixaram de canto e por consequência disso os deixei. Hoje em dia os meus pais estão pela Europa, e os meus irmãos caçulas espalhados pelo mundo.
Faz alguns meses fui atingindo com um tiro, o que deu um problema na perna permanente. Na verdade, eu fiz fisioterapia e desisti pela falta de resultado.
Ando quase normal. É bem difícil perceberem a instabilidade das minhas pernas, só uma leve elevação da outra, mas nada que percebam, o ruim somente, é que não posso correr, pois, sei que as dores virão depois.
Quando faço exercícios pesados com a perna ela começa a latejar e às vezes de noite eu sofro com as dores agudas, ainda tomo remédio mesmo depois de tantos meses e só piora quando o tempo muda, parece que às vezes ela até avisa quando o clima esfria.
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Algumas horas depois.
— Está na sua hora Joca.
Arthur meu superior me diz já preparado para ir embora.
— Já vou. Digo juntando alguns papéis da mesa.
Estou fisicamente cansado. O meu humor está péssimo, morreram mais três dos meus homens hoje na intervenção dessa cidade.
Penso na família que deixaram, todos eram casados e pais de família, isso é a maior merda, e o pior é eu não poder fazer nada para evitar, principalmente com esse governo que não nos ajudam em nada.
[...]
Mal chego em casa e já fecho os olhos perturbado pela gritaria. Como sempre Liandra reclamando e brigando com a nossa filha, descontando os seus problemas nela.
— O que foi Liandra?
Pergunto chegando na cozinha. A vejo inclinada na mesa de jantar com Gabriela encurralada na cadeira num perceptível olhar nervoso.
— Não há um dia que eu chegue aqui e você não está gritando e berrando?
Ela vira-se totalmente a mim.
— Sua filha Joaquim.
Fala rude largando o pratinho dela com tudo na mesa.
— Essa menina não come. Eu tento, tento tratar essa garota decentemente, mas adora irritar-me com as suas birras.
— Ela também é sua filha Liandra, não a trate com indiferença.
— Que seja! Esbraveja irritada. — Eu não pari 9 meses essa garota para ficar me desobedecendo e quer saber?
Se vira para a nossa filha e espalma as mãos no tampo da mesa.
— Não quer comer? Não coma.
Sai pisando duro me deixando frustrado. Olho para a minha filha que no mesmo instante desvia o olhar para o chão, odeio quando faz isso, sempre abaixa o olhar para todos.
— Filha... Ando calmamente até ela.
— Olhe para mim.Ela obedece.
— Nunca abaixe o olhar para ninguém.
Digo me agachando a sua altura.
— Você é linda, especial e uma garota incrível, não se ache inferior, nem fique acuada quando a sua mãe estiver nervosa. Ela é louca, às vezes se estressa mais quero que saiba que ela te ama.
Ela continua com o seu olhar impassível, me fitando como se o que eu dissesse não fosse direcionado a ela.
Respiro fundo fitando a comida espalhada pela mesa. Liandra não vê limites quando está perturbada, acabou com o jantar da garota.
— Papai vai fazer um sanduíche para você tudo bem?
Ela nega com a cabeça.
— Filha, você tem que comer. Suspiro pesado passando as mãos ao cabelo. — Porque você não fala o que esta acontecendo com você Gabriela? Não ouço a sua voz faz tantos anos querida, fala com o papai.
Peço num tom suplicante, porém ela não diz nada.
Continuo sentado no chão frio me sentindo um merda. A minha maior razão está na minha frente, triste, abalada por algo que eu não sei, sem falar por muitos anos, quieta, sozinha no seu canto. Que espécie de pai que sou? Não consigo cuidar da minha própria filha.
De repente sinto o seu aperto no meu pescoço.
Surpreso retribuo envolvendo minhas mãos no seu corpinho miúdo.
— Desculpa meu amor.
Digo abalado pensando nas nossas vidas, não somos uma família feliz que se vê pelos comerciais na televisão, muito menos há que eu sonhei para mim. Não temos o melhor apartamento, nem o melhor carro. Não possuímos de empregada, passamos por um aperto momentâneo pelo dinheiro não estar dando vazão.
Eu recebo bem, tenho o dinheiro da indenização e também o que eu ganho trabalhando na parte administrativa.
O problema são os altos custos elevados da nossa vida. Moramos num condomínio caro. Tem os gastos mensais de toda a família, bom, achava que era o suficiente.
Dou praticamente todo o meu pagamento a minha mulher, ela quita as dúvidas só que mesmo assim estamos no vermelho.
Sinto a minha pequena beijar a minha bochecha num gesto carinhoso.
Ela afasta-se, ergo o meu olhar para o seu dando um sorriso de canto. Bibi me j**a o seu olhar doce e se vai saindo do meu campo de visão.
Sozinho, levanto abatido por tudo que aconteceu.
Ando até a cozinha, pego o saco de pão de forma, queijo, presunto, maionese, alface e tomate. Faço três sanduíches. Ponho suco de laranja e sento-me na bancada. Como um dois sanduíches,
já que Liandra nunca faz jantar e se faz sai uma porcaria.Acabo o meu lanche. Pego o copinho da minha filha, encho de suco, ponho numa bandeja com os dois sanduíches e ando até o quarto dela.
Abro a porta devagar e vejo que já está dormindo. Deixo a bandeja em cima da cômoda, ando até ela e a cubro com o cobertor que somente estava envolvendo 2/4 do seu corpo.
— Durma bem meu amor.
Dou-lhe um beijo casto na sua bochecha. Mantenho a luz acesa, pois sei que tem medo do escuro e saio indo em direção ao meu quarto.
Tiro a minha camiseta, calças, meias e sapato. Espreguiço cansado e acabo por ouvir o barulho do chuveiro.
Ando até o banheiro afim de tomar banho com a minha esposa, mas, ao mesmo tempo, a porta se abre bruscamente e vejo que esse não é o melhor momento.
Usa uma toalha azul não muito curta ao corpo. Passa direto por mim e vai em direção ao armário.
A deixo a vontade e vou tomar o meu banho irritado. Hoje foi uma puta de um dia de merda. Só quero relaxar no meu chuveiro quente e rezar para que dias melhores cheguem.
Saio do banheiro somente com a toalha enrolada na cintura. Liandra está lendo uma revista passando as páginas com total força ao ponto de quase rasga-las.— Liandra quero conversar com você.— Que é? Resmunga ainda sem me fitar.— Pode olhar para mim?Pergunto irritado. É sempre assim quando tento conversar sobre os nossos problemas, ela perde a paciência e trata como algo banal.Suspira fundo e abaixa a revista.— O que você quer Joaquim?— Quero falar sobre a nossa filha.Ela revira os olhos e se ajeita na cama.— Não vê que ela é uma menina sozinha, parada, não come, não brinca. Você acha normal uma criança de 5 anos agir assim?— Você quer que eu faça o quê? Cruza os braços sobre o corpo. — Viu muito bem que eu fiz a comida dela, tentei fazê-la comer, mas foi quase impossível, ela não quer.— Porque será isso? De quem é a culpa Liandra?— A minha que não é.Ponho a mão a cabeça sentindo uma dor forte. Vou andando até o armário e começo a colocar as minhas roupas.— Eu tento, mas e
Iara Lauren.Mais que merda de tempo!Acabei de chegar no Rio de Janeiro. Estava em um evento importantíssimo de moda na Itália, minha coleção foi um sucesso, todos amaram, normal. Mas infelizmente não pude aproveitar por muito tempo.Tive que voltar rapidamente ao Brasil afinal, hoje é o aniversário da minha mãe, e se eu não viesse Deus sabe o que ela faria comigo.Piso duro furiosa pela quantidade de lama que empreguina em minha bota, juro que pensei que quando chegasse pegaria um calor dos infernos como de costume, mas não, o tempo está péssimo e eu nem me preparei para isso.Estou somente com um vestido curto vermelho, e as botas negras que batem quase ao meu joelho, o frio que bate é cruel e nada generoso comigo.Seguro o guarda chuva em uma mão e arrasto a mala na outra. Eu só vim passar alguns dias mas como sempre exagero na bagagem, muitos vestidos, shorts e poucas calças, tradução estou ferrada se o tempo não mudar.-Já era tempo Bê, quanta demora.Reclamo o vendo vir apressa
Eu não sei o que houve mais o carro já tinha saído a muito tempo da igreja e estacionava a mansão Johan.Era um dia chuvoso. Os jardins já estavam cheios de lama mas mesmo assim eu abri a porta e saí do carro. Saí pisando mesmo com os pé descalços, pisava duro consequentemente espalhando lama sobre o trapo que ainda restava do vestido branco.Em um certo ponto meus olhos se encheram de água e sem querer tropecei em meu pés caindo com tudo ao mar de lama. Sujei meu corpo por completo, mãos, pernas, cara. Eu estava no lixo.Reuni forças e me levantei recolhendo a mínima dignidade que ainda me restava.Eu me sentia o demônio de tanta raiva que me sugava, eu precisava de explicações, eu precisava ouvir de sua boca que era tudo engano, ele só tinha brincado comigo.Era esse mantra que reinava em minha cabeça, Rickson jamais me faria mal, ele me amava. É claro que amava.Abri a porta enorme da mansão como um estrondo. A primeira pessoa que vi foi Geane, estava com sua taça de champanhe, em
-Iara filha, está me ouvindo?Volto para realidade ao ouvir o chamado de minha mãe.-Sim, estou.Ela ri do meu jeito ainda perdido e vai andando para a cozinha. Verifica alguma coisa na geladeira. Mexe nas panelas e põe algo para cozinhar.-Princesa.-Sim mãe.Me sento em uma das banquetas em frente ao balcão.-Como anda sua vida amorosa querida?-A mesma de sempre, a senhora sabe que não gosto de falar sobre isso.Me mexo um tanto desconfortável no assento, não gosto que me questione, sempre acabamos em uma discussão.-Iara, não vai me dizer que anda sair com homens casados de novo?Bate na panela já transparecendo sua ironia.-E se eu estiver mãe, qual é o problema?Respondo um tanto ríspida.-Querida não foi isso que eu te ensinei. Repreende brava. -Já disse para você parar como isso e encontrar homens descomprometidos.Se põe virada para mim, com aquela cara típica de mãe durona que se pudesse me deixava de castigo.-Tantos que gostariam de ficar com você.Rio achando graça.-Eu n
-Claro que é.Encontramos o elevador do subsolo, velho e bem gasto, mas graça a Deus funciona e nos levará em direção ao meu apartamento.-Isso funciona?-Sim, vamos para o quinto andar. Aqui não tem escadas. Ou é isso ou teremos que ficar sentindo esse odor de mofo.Digo arqueando uma sobrancelha, impondo meu jeito autorário e mandão.Ele bufa e concorda.-O que foi? Tem medo de lugares abafados?Nega veemente.-Sou militar, não tenho medo de nada. Fico por você que parece ser uma mulher fresca, bem criada e mimada, me surpreende não sentir medo.Suas palavras sinceras me ferem de um jeito diferente. Em todos esses anos eu já ouvi tanta coisa, mas nunca alguém que falasse com tanta sinceridade.-Você não me conhece. Afirmo negando com cabeça. -Não fale o que não sabe.Entro no elevador e ele vem ao meu lado. Fecha a porta e sem querer apertamos o andar juntos. Merda de arrepio que sinto sempre quando o toco.Fico escorada em meu canto um tanto chateada. Todos me julgam por eu ser loi
-Entra por favor.Joaquim entra um pouco exitante. Entro em seguida acendendo as luzes da sala, vislumbrando o apartamento moderno que era para a minha mãe, mas que manejei como se fosse meu.É tudo bem claro e arejado, tem uma porta enorme de vidro dando para a varando se moldando perfeitamente com a paisagem do Rio de Janeiro. Não há visão mais bonita que essa, não há lugar mais apolínico que aqui.Viajei por diversos lugares, morei por muitos anos na Europa, por outros países no Ocidente, vezes no Oriente, mas nada que compare o ar fresco, o clima, a receptividade, resumindo a alegria. Mesmo que ela não se atenha a mim.-Sente-se por favor, vou só tomar um banho rápido, tirar essa roupa rasgada e já venho aqui.Pisco rápido algumas vezes com o nervosismo um tanto inquietante por dentro. Um nervosismo que por agora ignoro. Não sei se refere-se sobre ao fato dele ser militar, um homem que exala poder, presença. Dou um meio sorriso com o fato, sim, ele tem presença, e o pior, é que se
Saio andando em direção a cozinha e acabo por perceber ele me seguindo também. Ótimo, não estava brincando. Houve um tempo que passei um aperto quando fugi da casa dos Johan, não quero vê ninguém passando fome aqui, eu sei o que é isso, e é um sentimento horrível. Tento dispersar o pensamento.-Você deve ser aqueles tipos de homens que moram sozinhos e não sabem fazer comida, acertei?Olho por cima do ombro.-Quase isso. Dá de ombros desinteressado.Há mistérios nele, eu quero descobrir. Quero saber seus segredos mais profundos. Nunca me interessei assim por um dos meus pretendentes. Esse começou de u
Comemos tranquilamente. Eu estou ao seu lado na ponta da mesa. Estamos tendo uma conversa agradável sobre como ele escolheu sua profissão, é interessante. Conversamos como eu entrei no mercado de trabalho na moda e fiz com que meu projeto que só funcionava em minha cabeça, fizesse sucesso em todo o mundo. Ele gosta de escutar e isso é raro.Até que entramos num assunto delicado sobre hoje a noite.-Aonde conheceu aquele cara? Desculpe me meter, mas não devia sair com esses tipos de homens.Fico feliz pelo jeito que está devorando o pedaço de escondidinho que o servi. Realmente estava com fome. Só o que não me agrada é o modo que me indagou. Usou um tom ríspido, já se