No Hospital

Estou deitada na cama do hospital, observando os médicos e enfermeiros correndo de um lado para o outro. Ainda sinto a tensão do acidente percorrendo meu corpo, mas agradeço por não ter sofrido ferimentos graves. Ao meu lado, Cam também estava deitada em uma cama próxima, e nossa conversa é interrompida pelo barulho constante dos monitores e pelos murmúrios das pessoas ao nosso redor, aos quais tentamos ficar atentas para saber como estão os amigos de Camille.

Enquanto escuto meu pai conversando com o médico, pude perceber sua preocupação e determinação em garantir que todos recebessem o melhor tratamento possível. Ele é um homem de negócios sério e comprometido, além de muito conhecido na cidade. O pai de Camille e sua mãe também estão aqui, e agora ela parece estar menos agitada do que antes. Sinto-me aliviada ao saber que seríamos liberadas no dia seguinte após alguns exames e observação.

No entanto, não posso deixar de notar as outras conversas que meu pai tem ao celular. Ele estava falando com seus advogados, cuidando de todos os aspectos legais relacionados ao acidente. Era evidente que a presença de álcool no sistema de todos os envolvidos poderia complicar as coisas. Eu me sinto culpada por estar nessa situação, por ter deixado a festa continuar e por não ter recusado o convite de Camille, já que nenhuma de nós estávamos em condições de dirigir.

Enquanto meu pai continuava suas ligações, algo chama minha atenção. Ele estava falando com alguém que parecia incomodá-lo. Pelo tom de voz dele, posso perceber que não estava feliz com a presença da pessoa do outro lado da linha. Curiosa, tentei captar algumas palavras da conversa, então o vejo desligar o celular irritado e em seguida abrir a porta contrariado.

— O que você estava fazendo lá? — pergunta meu pai, com um toque de desconfiança em sua voz. “E qual é sua ligação com a Grace?”

— Só quero saber como ela está, Sr. Sinclair — meu pai se afasta um passo e deixa Ben Carter me olhar da porta.

— Ela precisa descansar, Benedict — meu pai fala baixo, mas não o suficiente que eu não possa ouvir.

— Eu só quero ver como ela está — ele se aproxima cauteloso, e olha de mim para Cam, — como elas estão. E devolver isso a Grace — ele tira algo do bolso da jaqueta de couro, e eu imediatamente reconheço meu colar. O colar que eu costumo usar, e que ganhei de minha mãe antes de seu falecimento.

Ele explica que a joia se soltou enquanto ele me tirava do carro, e que na pressa, apenas colocou no bolso, e se aproxima para devolver, eu agradeço, pensando que quando desse por falta do colar, se o perdesse, ficaria chateada. Ben acena brevemente com a cabeça antes de se afastar, e meu pai segue logo atrás dele, encostando a porta. Eles falam baixo, mas percebo um clima tenso, como se tudo que meu pai quisesse fosse que Ben saísse daqui o mais rápido possível, e eu só consigo me perguntar o que há de errado com eles. Que tipo de conflito poderia existir entre eles.

Os dois parecem trocar farpas breves, o tom de voz de meu pai fica um pouco mais alto, e então ele rapidamente fecha a porta, claramente para que eu não ouvisse.

Logo, notei que a situação parecia ter amenizado e a conversa entre eles chegou ao fim, em seguida meu pai voltou o quarto, sentando-se em seguida próximo a mim, preocupado e amoroso como sempre, me dizendo que eu precisava descansar, e que ele daria alguns telefonemas, mas que logo voltaria, deixando-nos aos cuidados da mãe de Camille. A Sra. Berti deixou apenas uma das luzes acesa, e com a penumbra e o efeito dos medicamentos eu logo devo ter pego no sono.

Não posso dizer que foi uma noite tranquila, tenho a sensação que estive presa a uma série de imagens que reviviam o acidente, as luzes na boate, uma mesma música tocando e uma sensação assustadora de quem havia alguém me observando, o tempo todo. Acordei no susto, livrando-me do sonho estranho e perturbador, permaneci imóvel e em silêncio durante alguns minutos, e depois olhei ao redor. A mãe de Camille havia dormido, sua cabeça repousando na cama da filha. Pela fresta na persiana eu posso notar que ainda está escuro, e quando penso em voltar a dormir, ouço a voz de Cam: — Grace, está acordada? — ela pergunta baixinho.

— Sim, como você está? — tento voltar meu corpo em sua direção, mas o esforço me faz sentir um torpor, muito provavelmente porque passei muito tempo na mesma posição.

— Estou bem — ela suspira logo depois, — eu sinto muito, Grace, eu não deveria ter insistido para irmos para a casa do Josh.

— Não é sua culpa, todos estamos suscetíveis a acidentes, não há como adivinhar.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, e Camille faz aquele som característico, estalando os lábios, o que eu sabia, precedia a perguntas, ou suposições, teorias, e eu tenho impressão que sei o motivo. Ela se vira devagar para olhar para mim. Certamente ela também havia notado a tensão entre meu pai e Ben.

— O que aconteceu aquela hora, seu pai e Ben? — perguntou Cam, sussurrando para não acordar sua mãe. 

— Parece que o Sr. Sinclair não gosta muito dele.

— Não tenho ideia…. Mas achei tudo muito estranho — falo, pensativa. — Como eles se conhecem?

— Carter é de uma família influente… — ela faz uma pausa — você não lembra dele?

— Não, eu deveria?— pergunto, curiosa.

— No seu último ano no colégio, ele estava se formando — ela disse — ele namorava a Mandy Russel, lembra?

O nome não me é estranho, mas a verdade é que lembro muito pouco daquele ano escolar, tenho a sensação que vaguei como um fantasma por que quase sempre estava em casa ou no hospital com minha mãe.

— Eles foram rei e rainha do baile naquele ano — ela diz, talvez esperando que eu lembrasse disso, o que não acontece. — Ela tentou…. Bem, ela não aceitou muito bem o término deles, dias depois.

Ia fazer uma pergunta, mas nesse instante uma enfermeira entra no quarto. Ela sorri amavelmente, e nos dá mais remédios para dor, além de verificar nossos curativos. A Sra. Berti acorda e sai por um momento para buscar um café, logo que volta as duas mulheres conversam durante um tempo, o suficiente para que eu sinta meus olhos pesando novamente.

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