Os dias após o acidente pareciam ter uma aura de cautela pairando no ar. Matt Sinclair finalmente concordou com meu pedido de ir à boate novamente, mas sob suas condições restritas. Aceitei seu acordo, ciente de que era melhor tê-lo ao meu lado do que arriscar a fuga novamente, e não tenho dúvida alguma que isso aconteceria.
Hoje à noite, Camille vai passar em minha casa como nos velhos tempos. Nossa rotina de maquiagem, escolha de vestidos e risadas parecia uma escapada para uma realidade mais jovem e despreocupada. Estávamos animadas com a perspectiva de uma noite divertida, mas algo me incomodava profundamente: a presença de Bianca. A "namorada" de meu pai. E o problema nem é tanto o fato de que ela é apenas alguns anos mais velha do que eu, mas porque apesar de que ambas somos adultas agora, ela não me parece muito mais madura do que a garota insuportável do tempo da escola, por trás da postura digna e bons modos que cá entre nós, qualquer um com um pouco de prática faria até melhor.
Enquanto jantávamos com meu pai, ela fez questão de se intrometer em nossa conversa. Suas perguntas eram invasivas e inconvenientes. Ela mencionou minha estadia na Europa e insinuou que eu deveria conhecer alguns de seus amigos. Era como se ela quisesse me empurrar para algum tipo de agenda oculta, como se tivesse algum interesse em me manter sob seu controle.
Tentei disfarçar minha irritação e responder com um sorriso educado, mas por dentro, eu fervia de indignação. Quem ela pensa que é para se intrometer em minha vida pessoal dessa forma? Ela não sabe nada sobre mim, sobre meus desejos e planos futuros. É uma intrusa que tem seus próprios interesses, e não consigo nem por um momento confiar nela.
Camille, sempre atenta, percebe minha tensão e trocamos um olhar cúmplice. Eu sei que posso confiar nela, nossa amizade vem de muito tempo, e não há quem me conheça melhor do que Cam. Após o jantar, nos retiramos para meu quarto, mesmo com as tentativas de Bianca de estender a conversa. Nos últimos dias, tenho notado que ela está querendo se aproximar de uma maneira estranha, como se pudéssemos estabelecer algum tipo de amizade, ou vínculo, e isso só me faz querer manter distância de sua presença.
Enquanto me olhava no espelho, pensei sobre as palavras provocativas de Bianca. Ela não sabe que meu coração ainda está envolto em tristeza e que eu não tenho planos de voltar para a Europa tão cedo. Meus pensamentos ainda estavam ligados às lembranças dolorosas que deixei para trás, aqui mesmo, nessa casa. E se meu retorno não for positivo com eu tenho planejado, aí sim, irei embora de vez. Sei que devo me esforçar desde que resolvi voltar, mas a Casa Sinclair ainda me parece vazia, tanto quanto no dia em que a deixei.
Havia algo mais na atitude de Bianca que me inquietava. Suas palavras carregavam uma insinuação sutil, como se ela soubesse algo que eu não. E penso que nada de bom pode vir dessa mulher. Não é como se eu estivesse apenas com ciúmes ou mesmo um pouco surpresa com a escolha de meu pai, mas estou com um sentimento ruim, de que as coisas estão fora do lugar, como se algo muito errado estivesse acontecendo bem debaixo do meu nariz.— Ela sempre foi estranha — disse Cam, prendendo os cabelos e em seguida dando início a preparação da pele para a maquiagem.
— Ela poderia ser esquisita longe de mim — retruco enquanto olho a noite lá fora.
Camille ri, e depois me olha silenciosa: - Não acha que ela fez algo para estar nessa posição? Quer dizer, ela é bonita, mas acha que seu pai ia se interessar por alguém como Bianca Evans? - ela faz uma pausa, enquanto escolhe que base usar—quer dizer, seu pai é Matt Sinclair. Você entende o que digo.
Claro que entendo, e sei exatamente o que Cam quer dizer, havia uma conversa recorrente quando frequentávamos o colégio, de como Bianca havia conseguido ir de garota comum a mais influente em questão de semanas. Ela fazia parte do clube de fotografia, e de repente só se falava no nome dela. O comentário era que ela havia tirado fotos comprometedoras de algumas pessoas, e isso lhe rendeu alguns favores.
— Ela não desgrudava daquela câmera.... — Camille disse pensativa — mas, daí pensar que ela estivesse ameaçando alguém? Acho que não.— Também não acho que isso seja verdade. Nem me importo com ela, apenas não a quero por perto, muito menos como madrasta.
Mais tarde, enquanto Camille e eu adentrávamos a boate, fomos prontamente recebidas com drinques coloridos e esfumaçantes: — Evil Glow! — ela diz, entusiasmada — Grace, não beba mais do que dois desses, dizem que é batizado.— Oh, você tem certeza?
— Não é grande coisa, é só não exagerar.
Ela me contou que os drinques estavam "batizados" com uma substância leve, que proporcionava uma sensação de relaxamento e euforia. No entanto, me alertou para não exagerar, já que os drinques eram doces e deliciosos. Ela recomendou que eu não bebesse mais do que três.
Não demoramos a encontrar Alex e seus amigos no andar superior, na área VIP. Ficamos todos juntos, conversando e aproveitando a noite. É a primeira vez que nos vemos depois do acidente, e fico feliz ao encontrar todos bem.No entanto, algo parece diferente. Primeiro achei que fosse apenas impressão, mas com o passar dos minutos notei que o ambiente parecia ficar mais escuro, como se a iluminação do local estivesse sendo desligada aos poucos, o que me parece um pouco assustador se considerar que há bebida sendo distribuída de graça no local. Uma moça aproxima-se com uma bandeja de drinques para nós, é difícil recusar o Evil Glow, o sabor de maçã docinho, seu aroma festivo, cor e apresentação. Mas, quando me levanto para acompanhar Cam, percebo que estou me sentindo estranha, como se estivesse mais leve até, enquanto descemos a escada, percebo que devo fazer isso com cuidado, vejo Cam parando no último degrau e recusando outro drinque, me perguntando o que tem na bebida. Meu pai tem uma vinícola, e eu tenho provado algumas já tem algum tempo, mas nada que provei me fez sentir que deveria considerar me sentar ou me apoiar no corrimão.
Também recuso outro drinque, mas assim que entramos na pista de dança me deixo levar pela batida da música e aos poucos a sensação vertiginosa passa, apesar de continuar me sentido leve, então, apenas aproveito o momento. Enquanto danço, percebo Camille apontando com o nariz discretamente a minha direita e imediatamente sei o motivo, e sinto o olhar intenso de Ben. Uma sensação arrepiante percorre meu corpo, e quando me viro sutilmente para encontrar os olhos penetrantes de Ben.Ele está a poucos passos de onde estamos, rodeado de pessoas, mas seu foco parece estar exclusivamente em mim. Sua expressão é enigmática, e tenho dificuldade em decifrar suas intenções. Por um momento, nossos olhares se encontram, e uma faísca de eletricidade parece percorrer o ar entre nós. Desvio o olhar rapidamente, sentindo um misto de excitação e apreensão.
Tento focar na dança e na companhia de Camille para ignorar a presença intrigante de Ben, estou me segurando porque não posso simplesmente sair daqui. Por mais estranha que tenha sido nossa aproximação em um primeiro momento, ainda assim, foi ele quem me ajudou e aos demais quando chamou o socorro, na noite do acidente.
À medida que a noite avança, a energia do local parece ficar mais intensa e frenética. As luzes continuam diminuindo gradualmente, e o ambiente fica ainda mais enigmático e misterioso, enquanto uma onda de euforia parece tomar conta das pessoas. Nesse ponto, começo a sentir que talvez haja algo de errado acontecendo, enquanto sinto uma mão ao redor do meu braço.— Você vem comigo, meu bem — um homem desconhecido tenta me levar com ele, enquanto Camille me segura pelo outro braço — pode vir também, querida, garotas bonitas são bem-vindas!
Ouço a voz de Camille, alta o suficiente para que ele preste atenção quando ela o chama pelo nome, e diz que não iremos a lugar nenhum, enquanto tento me desvencilhar do homem. Um sorriso cruel passa pelos lábios do desconhecido. E subitamente a luz simplesmente apaga. Ouço gritos eufóricos, e a mão do homem afrouxa em meu braço, há alguém entre nós, e as luzes piscam novamente. Tempo o bastante para que eu possa ver Ben empurrando o homem, e esquivando-se de um soco, as luzes rompem a escuridão novamente, enquanto as pessoas se afastam tentando evitar ser atingidas por um dos dois homens, e logo depois Ben o acerta, o fazendo cambalear antes de ser amparado por um grupo de pessoas.
— Ceifa, o caralho — posso ouvir Ben cuspindo as palavras e avançar para ele novamente antes dos seguranças intervirem.
— Vamos sair daqui — Cam me empurra de leve para fora da pista, dizendo para não olhar para trás, e eu me apresso sem saber para onde estou indo até ver que estamos indo em direção a escada que vai para o próximo andar, porém ela me guia para uma porta próxima, que na verdade eu não havia notado.
Continua...Uma mulher elegante em um terninho permite nossa entrada. Passamos por um pequeno corredor com iluminação suave antes de entramos, em um outro ambiente. Há mesas aqui, um bar, o local é sofisticado sem parecer pretensioso. Nos acomodamos enquanto uma garçonete se aproxima, sorrindo discretamente e se coloca a nossa disposição. Cam pede cervejas para nós, e quando a moça se afasta ela respira fundo e tenta relaxar.— O que foi aquilo?— Eu tinha esquecido completamente essa palhaçada—ela diz—tem um pessoal que celebra a colheita. São ligados aos principais vinhedos da Califórnia. E todo ano é essa palhaçada.— O que é a ceifa, Cam?— É só uma bobagem mística que alguns fanáticos insistem em encenar todo ano —ouço a voz de Ben próximo a nós, me surpreendendo, e logo depois olho para ele —você está bem? Aquele idiota te machucou?— Estou bem — falo, ainda surpresa com a presença dele aqui — quem era aquele cara?— Ninguém que vale o seu tempo — ele parece querer encerrar o assunto - você
O sol estava começando a se pôr quando meu pai, Matt Sinclair, me chamou em seu escritório. Ainda era difícil para mim não me sentir como uma adolescente prestes a ser repreendida, mesmo sendo uma mulher adulta. Mas algo me dizia que não seria uma conversa casual.Respirei fundo e bati na porta antes de entrar. Meu pai estava sentado atrás de sua grande escrivaninha de mogno, com uma expressão séria no rosto. Ele era um homem alto e imponente, com cabelos começando a ficar grisalhos bem cuidados e olhos azuis penetrantes que eram um reflexo dos meus.— Grace, por favor, sente-se — ele diz, apontando para a cadeira em frente à sua mesa.Tento disfarçar meu nervosismo ao me acomodar. Sei que ele está preocupado comigo, especialmente depois de saber que voltei para casa com Ben, alguém que eu soube que ele claramente não aprova desde a noite que passei no hospital, por algum motivo, havia um clima estranho entre os dois. — O que houve, pai? — pergunto, tentando parecer calma.— Eu vi vo
O final da tarde ilumina o meu luxuoso escritório no alto de um prédio em Santa Barbara. A vista panorâmica da cidade era de tirar o fôlego, mas meus olhos estavam fixos nos relatórios financeiros que eu analisava, até o momento. Como investidor e empresário, esse é o meu mundo, o lugar onde eu me sinto verdadeiramente realizado, e pelo qual comecei a lutar ainda muito jovem.Atrás da minha imponente mesa de madeira escura, eu me inclino sobre os gráficos e números, buscando identificar as melhores oportunidades para meus clientes e para os meus próprios investimentos. Os números mostravam que tudo está indo bem, que os negócios estão prosperando, e isso me traz uma sensação de satisfação, tenho orgulho do meu trabalho.O telefone toca, interrompendo minha imersão no trabalho. Atendo com um tom profissional, mas também com a simpatia que sempre cultivava em minhas relações de negócios.— Ben Carter falando.— Sr. Carter, aqui é David da equipe de análise. Temos os relatórios finais do
Montando na moto, acelero pelas ruas de Santa Barbara em direção ao "Maré Alta". O restaurante é um dos empreendimentos mais bem-sucedidos que tenho, e Bianca sabia disso quando escolheu esse local para seus planos.Ao chegar, estaciono a moto e caminho em direção ao restaurante. Passo pelos clientes, que olham curiosos para mim. Muitos deles sabem que eu sou o dono, mas para outros, sou apenas mais um cliente como tantos outros.Ao entrar, vejo Grace conversando com Matt, os três poderiam fazer as vezes de família feliz, se não fosse a ambição de Bianca. Grace me nota e seus olhos brilham com um toque de surpresa e alegria. Ela não disfarça o quanto está feliz em me ver, enquanto Matt enxerga apenas o playboy que em algum momento vai partir o coração de sua garotinha em pedaços, e eu não me importo de manter esse papel se isso a mantiver distante.— Grace — chamo, cumprimentando-a com um sorriso malicioso.— Ben — ela responde, um pouco desconcertada.— Bem-vindos ao Maré Alta, estão
O encontro com Grace tinha deixado uma marca em mim, uma sensação que eu não estou acostumado a experimentar. Enquanto a observava se afastar, eu soube que aquilo poderia se tornar algo mais, mas me mantenho firme na minha decisão de não me envolver emocionalmente. Mulheres como Grace não precisam de alguém como eu, e eu não estou disposto a arriscar.Volto para o escritório do restaurante, deixando meus pensamentos de lado e me concentrando no trabalho. Aproveito para dar uma olhada nos relatórios financeiros como disse a Clary que faria, enquanto jantávamos.Enquanto estou imerso na papelada, a porta do escritório se abre, e uma figura familiar entra. É Veronica, uma mulher com quem tenho uma relação casual há algum tempo. Ela tem uma beleza exuberante, cabelos escuros e olhos penetrantes. É o tipo de mulher que não tenho problema nenhum em manter por perto, já que sabemos exatamente o que queremos um do outro.— Olá, Ben. Pensei que estivesse ocupado, mas resolvi aparecer — ela diz
Olho rapidamente no relógio enquanto ligo para Cam, estou no meu quarto, um tanto ansiosa, sentada na cama com o celular apoiado em um suporte, e logo ela não se demora a atender a chamada de vídeo. Ela é minha confidente e então, enquanto prepara um chá, ouve tudo sobre o encontro inesperado com Ben Carter, no restaurante, e como isso escalou rapidamente para que eu conhecesse Clary, e fosse convidada por ambos para ir ao pub recém inaugurado. Camille é espirituosa, cheia de energia, mas também tem uma desconfiança clara em relação a ele. Desde o momento em que nos conhecemos, ela me alertou sobre a fama de playboy e mulherengo de Ben, chegando a dizer que ele era o próprio diabo e que eu deveria tomar cuidado.— Grace, estou morrendo de curiosidade! Como assim você vai sair com o Ben Carter? Isso é inacreditável! — exclamou Camille, segurando a xícara de chá enquanto falava com entusiasmo. — Não que qualquer cara que tenha o privilégio de poder levá-la para sair não seja um homem de
As mensagens no meu celular continuam a pipocar, mas eu ignoro todas elas. Nesse momento, só existe uma pessoa em minha mente: Grace Sinclair. E claro, minha imprudência ao tentar remediar a situação e beijá-la publicamente. A reunião segue adiante, mas minha concentração está abalada. Tento me manter focado no novo empreendimento que estou apresentando, mas a imagem do beijo que aconteceu entre mim e Grace não sai de minha mente. Ela estava indo embora, e imediatamente eu vi a chance de me infiltrar na família, e principalmente de criar situações que possam me livrar das ameaças de Bianca indo com ela. E eu a beijei. Por mais que eu tente me mostrar indiferente, a verdade é que o beijo foi muito mais do que eu esperava. Enquanto os outros participantes da reunião falam, viro a tela do celular para baixo, evitando ver as notificações incessantes que chegam. Sinto uma mistura de euforia e agitação dentro de mim, como se tivesse provocado um enxame de abelhas furiosas e não soubesse
Chego à casa de Camille e sou recebida pelo alegre golden retriever da família Berti. Seu rabo balança freneticamente, e ele me cumprimenta com entusiasmo enquanto eu acaricio suas orelhas macias. Camille aparece logo em seguida, com um sorriso caloroso no rosto.— Grace! Que bom que você veio! — ela me abraça apertado, e eu me sinto instantaneamente em casa.Entramos juntas na casa, e aquela sensação de acolhimento familiar toma conta de mim. Camille e eu somos amigas desde a infância, e a casa dela sempre foi como uma extensão da minha. Seu pai, advogado e grande amigo do meu pai, sempre nos recebeu de braços abertos.— Mamãe está na sala, venha, ela vai adorar te ver! — Camille me leva até a sala, onde a mãe dela está sentada, lendo um livro.A Sra. Berti olha para cima ao nos ver, e seu rosto se ilumina com um sorriso caloroso.— Grace querida, como você está bonita! É um prazer tê-la aqui — ela se levanta e me abraça gentilmente.— Obrigada, Sra. Berti. É sempre um prazer estar n