A gola levemente aberta da camisa de Jorge revelava seu pescoço longo e sedutor, enquanto seu pomo-de-Adão subia e descia quando ele quebrou o silêncio com voz rouca:— Te assustei?Isabela balançou a cabeça em negativa, mas seus olhos fugiram instintivamente dos dele. O olhar de Jorge era intenso demais, havia algo ali, indefinível e perturbador, que a deixava desconfortável.Aquela conversa anterior ainda martelava em sua mente como um eco persistente. Ele havia dito que ela se parecia com a mulher que ele nunca conseguiu ter. Será que ele estava a usando como substituta? Um estranho alívio percorreu seu peito ao chegar a essa conclusão. Só podia ser isso, a única explicação plausível para aquele olhar, porque Jorge não gostava dela de verdade. Não podia gostar."Ainda bem que percebi isso a tempo. Ainda bem que não me deixei iludir.", refletiu ela consigo mesma.— Ora...Janete apareceu de repente, prestes a dizer algo para Isabela, mas parou abruptamente no meio do caminho. A ce
— O mundo nunca foi justo. — Afirmou Jorge.Ele suspeitava que Isabela ainda enxergava as coisas de forma idealizada, já que estudar Direito era uma coisa, mas ver como a justiça funcionava na prática era algo completamente diferente. Muitas vezes, trabalhar nos limites da lei se tornava necessário para atingir certos objetivos, e nem sempre se tratava apenas de buscar a justiça. Desde o início dos tempos, a injustiça não era exclusividade de um país ou outro, era uma realidade universal, presente em todos os cantos do mundo.Isabela mergulhou num silêncio reflexivo. Ela já sabia disso, era claro. A vida nunca foi justa. Desde o momento em que nasciam, os destinos já eram moldados por fatores que estavam completamente fora do controle. Algumas pessoas vinham ao mundo em meio à pobreza extrema e, para mudarem de vida, precisavam lutar incansavelmente contra obstáculos intransponíveis. Outras já nasciam cercadas de luxo e privilégios incontestáveis. Para aquelas que naciam ricas, o qu
Na verdade, não era que a família não pudesse criar a menina. Eles simplesmente queriam ter um filho homem. Devido à rígida política de controle de natalidade vigente na época, seriam severamente multados caso tivessem mais de um filho e, incapazes de arcar com essa penalidade, optaram por deixar a pequena sob os cuidados dos avós.A criança jamais chegou a ter documentos oficiais. Era considerada uma filha excedente, nascida fora da cota permitida pelo governo. Para registrá-la legalmente, seria necessário pagar uma taxa substancial, mas a família alegava não ter recursos para isso ou, mais provavelmente, não julgava que valia a pena investir numa menina. Era apenas mais uma boca para alimentar, um fardo desnecessário na visão da tia.Os vizinhos frequentemente comentavam sobre os maus-tratos. A tia batia na sobrinha por qualquer motivo, xingava-a e muitas vezes a deixava passar fome como castigo. E quanto aos avós? Não tinham coragem suficiente para defendê-la, temerosos de desagr
Assim que pisaram em terra firme, Viviane agarrou Isabela pelo braço com urgência. O outro iate estava se aproximando rapidamente do cais, e se permanecessem ali por mais um minuto sequer, Isabela inevitavelmente encontraria Sandro. "Que dia desastroso. Primeiro, o Jorge apareceu do nada durante o que deveria ser uma comemoração tranquila, e agora, como se não bastasse, o Sandro também decidiu aparecer no mesmo lugar!".— Isa, será que na hora que você nasceu não olharam direito o calendário? — Brincou Viviane.Senão, não tinha explicação para tanto azar concentrado numa pessoa só!Isabela ficou sem palavras, seu rosto virou uma mistura de confusão e resignação. Antes que conseguisse sequer responder, a outra embarcação já havia atracado no cais.Fabiano foi o primeiro a desembarcar com seu característico ar despreocupado. Assim que avistou Viviane, abriu um sorriso largo e caminhou diretamente em sua direção.— Olha só que coincidência! — Exclamou ele com falsa surpresa. — Você tamb
Naquele dia, quando Isabela Lopes foi levada ao tribunal pelo próprio marido, Sandro Marques, uma nevasca intensa tomava conta da cidade.Ela ainda se lembrava de como acreditava em seu amor. Durante sete anos, desde que se apaixonaram até o casamento, sempre teve certeza de que ele amava ela e que viviam um casamento feliz.Tudo mudou, porém, quando ele entregou ela às autoridades, sem hesitar, por causa de uma palavra dita por Milena.O juiz começou a leitura do caso de Isabela, acusada de porte de substâncias proibidas.— No dia 23 deste mês, durante uma blitz na Rua Oeste, agentes encontraram substâncias ilícitas no veículo conduzido pela Sra. Isabela. — Declarou o juiz. — Esta audiência é para examinar os detalhes da acusação. Solicito que o autor leia suas alegações.Sandro se levantou, o corpo alto e imponente vestido com um terno preto impecável, que só aumentava seu ar sério e afiado. Seus olhos, que um dia transbordavam de amor por sua esposa, agora mostravam apenas desaponta
Isabela se virou para olhar Sandro. Era curioso como palavras tão decisivas agora pareciam deslizar com facilidade.Sandro, com uma expressão gélida, retrucou sem titubear:— Não vou me divorciar de você. Você sabe disso muito bem.— Você é advogado, deveria entender o que está em jogo. Se eu for condenada, vou parar na cadeia...— Com as provas contra você, Isabela, não posso fazer nada além de seguir o que a lei manda...— Não, Sandro. Não é sobre provas. É sobre você acreditar na Milena e não em mim.Isabela sentia cada palavra pesando no ar. Era mais do que simplesmente uma questão de confiança: ele estava disposto a vê-la presa para defender Milena.Ele baixou os olhos e, evitando a intensidade do olhar dela, depois caminhou para as escadas, sem oferecer qualquer explicação:— Vamos para casa.Isabela ajustou o casaco grosso ao corpo e seguiu até o carro. Aquele dia estava frio e o vento cortava o rosto dela como pequenas lâminas geladas. Ela entrou no carro e o silêncio entre ele
Na cozinha, não havia sinal dela, nada do costumeiro movimento enquanto ela preparava o jantar. No quarto, o vazio reinava. A casa parecia outra sem a presença dela. Ele pegou o celular, já impaciente para ligar e perguntar onde ela estava, mas foi surpreendido ao ver a tela cheia de notificações de gastos no cartão. Como estava incomodado com as ligações constantes, havia deixado o celular no silencioso, sem imaginar que as notificações de consumo o tomariam de surpresa.A tela do celular estava cheia de registros de gastos, e ele não pôde deixar de franzir a testa.Ele tentou ligar para Isabela, mas ninguém atendeu. Sentiu um vazio incômodo crescendo dentro dele e puxou a gola da camisa para aliviar o desconforto, como se o ar tivesse ficado mais pesado. Em vez de se perder na angústia, foi ao escritório, buscando se distrair com trabalho, uma tentativa de colocar a cabeça no lugar. No entanto, o que ele encontrou sobre a mesa paralisou ele: o acordo de divórcio. Ao lado, a aliança q
— Sou eu, sim. — Disse Isabela, com um leve aceno de cabeça.— Este é um envio urgente para a senhora. — Respondeu o entregador, estendendo-lhe uma prancheta. — Pode assinar aqui, por favor?Isabela pegou a prancheta, assinou rapidamente e a devolveu ao rapaz. Em troca, ele lhe passou um envelope grosso, de papel pardo, que ela recebeu com uma expressão enigmática. Assim que fechou a porta, respirou fundo e rasgou o lacre com um pouco de pressa. Ao abrir, seus olhos pousaram sobre o documento que não imaginava receber tão cedo: o acordo de divórcio assinado por Sandro.Seus olhos brilharam com uma expressão de leve surpresa e satisfação ao ver a assinatura dele ali, estampada de maneira firme. Colocou o envelope ao lado e abriu o notebook na mesa. Ao observar tudo aquilo, ela constatou que o acordo de divisão de bens havia sido aceito. Isso significava que Sandro não tinha objeções em relação aos termos que ela havia estabelecido.Com a decisão dele em mãos, Isabela começou a organizar