CLAIREOs dias passaram de forma lenta e carregados de sentimentos contraditórios. Cada manhã era uma mistura de esperança e medo, um ciclo que eu tentava enfrentar com coragem. Lucas estava presente, mas sua ausência emocional ainda era uma ferida aberta. Ele tentava, mas os lapsos na memória criavam um abismo entre nós que parecia impossível de transpor.Era sábado de manhã, e Gabriel corria pela sala com sua energia incontrolável. Ele trazia na mão um desenho, um rabisco colorido que representava nossa família: eu, ele e Lucas, sorridentes em frente à mansão.— Mamãe, olha! — Gabriel exibiu o papel com orgulho, suas bochechas rosadas pelo entusiasmo. — Fiz para o papai!Peguei o desenho e analisei cada detalhe. Gabriel havia incluído até mesmo o jardim que Lucas cuidava ocasionalmente, uma memória que talvez ele nem soubesse que existia.— Está lindo, meu amor. Tenho certeza de que ele vai adorar.Gabriel correu para o andar de cima com o desenho nas mãos. Meu coração se apertou ao
LUCASA manhã chegou com a luz do sol invadindo meu quarto, trazendo uma calma que parecia rara nos últimos tempos. A casa estava tranquila, e por um instante, a ideia de um novo começo parecia possível. Meu corpo ainda estava cansado, mas minha mente estava agitada, cheia de pensamentos sobre Claire e Gabriel.Levantei-me e desci as escadas. Encontrei Claire na cozinha, preparando o café da manhã. Seus movimentos eram naturais, mas havia uma leve tensão em seu olhar quando percebeu minha presença.— Bom dia, Lucas — ela disse, sua voz gentil, mas carregada de expectativa.— Bom dia. Precisa de ajuda? — ofereci, tentando me envolver em algo que parecia tão simples e rotineiro, mas que carregava um peso emocional enorme para mim.Ela sorriu levemente. — Pode cuidar do café, se quiser.Enquanto preenchia as xícaras com o líquido quente, Gabriel entrou na cozinha como uma tempestade de energia. Ele veio direto até mim, segurando um caderno e uma caixa de lápis de cor.— Papai, posso te m
CLAIREO dia seguinte começou com uma tranquilidade ilusória. As primeiras luzes do sol atravessavam as cortinas do nosso quarto, dançando nas paredes em tons suaves. Gabriel já estava acordado, como sempre, cheio de energia e entusiasmo que pareciam intermináveis. Eu ainda estava na cama, tentando me preparar mentalmente para o que estava por vir. Lucas, no entanto, permanecia no quarto ao lado, quieto, como uma sombra de si mesmo.Desde o acidente, a vida havia se transformado em uma série de tentativas de reconectar Lucas ao que éramos. Ele tentava, eu via isso em cada olhar hesitante e gesto calculado, mas ainda havia uma barreira. Algo que o impedia de cruzar o abismo criado pela falta de memória. E eu? Eu estava tentando ser paciente, esperando por algum sinal, alguma fagulha de reconhecimento.Levantei-me com um suspiro, amarrando o robe ao redor do corpo antes de sair do quarto. Gabriel estava sentado na mesa da cozinha, rabiscando um desenho com entusiasmo.— Mamãe, olha só!
CLAIREAs primeiras semanas após o acidente de Lucas foram um teste para minha resiliência, mas, naquele dia, senti que algo precisava mudar. Não bastava esperar que ele recuperasse suas memórias; era necessário criar um novo caminho para nós.O sol da manhã iluminava suavemente o quarto quando acordei. Gabriel ainda dormia profundamente, enrolado nos cobertores como um pequeno casulo. Ele era uma criança forte, mas eu sabia que sentia a ausência emocional do pai, mesmo que não conseguisse expressar completamente em palavras.Desci as escadas e encontrei Lucas na cozinha. Ele parecia alheio ao ambiente enquanto preparava uma xícara de café. Os gestos eram mecânicos, quase inseguros, como se não pertencesse àquele espaço. Era doloroso vê-lo assim, desconectado, mas também havia uma vulnerabilidade que me fazia querer protegê-lo.— Bom dia — disse, tentando soar otimista.Ele virou-se, os olhos castanhos analisando-me com cautela. — Bom dia. Dormiu bem?— Sim. E você?— Acho que sim. —
CLAIREA vida ao lado de Lucas após o acidente parecia uma constante busca por equilíbrio. Ele se esforçava para se reconectar conosco, e eu fazia o possível para apoiá-lo. Porém, no fundo, uma dúvida persistia: e se ele nunca recuperasse a memória? Como reconstruiríamos algo que parecia tão essencial, mas que agora era apenas uma névoa em sua mente?Naquela manhã, decidi que precisava de um momento para clarear os pensamentos. Gabriel estava na escola, e Lucas saíra para sua sessão de fisioterapia. Aproveitei o silêncio da casa para organizar algumas coisas no sótão, um espaço que eu evitava há tempos.Ao abrir a porta de madeira pesada, senti o cheiro de poeira e nostalgia. A luz filtrada pela pequena janela iluminava caixas, móveis velhos e objetos que carregavam memórias de outra época. Subi com cuidado e comecei a abrir as caixas, uma a uma. Encontrei álbuns de fotos, brinquedos de Gabriel quando era bebê, e, no fundo de uma das caixas, um envelope que parecia fora do lugar.O en
CLAIREO homem que nos recebeu na loja tinha uma presença intimidadora. Ele usava um terno perfeitamente alinhado, mas seu olhar carregava algo sombrio. Sua frase — "Lucas, quanto tempo" — ficou reverberando no ar como um alerta.Lucas manteve-se calado, mas vi o músculo em sua mandíbula se contrair. Ele não tinha memória de quem era aquele homem, mas, claramente, algo dentro dele reagiu. Eu toquei levemente seu braço, um gesto quase imperceptível, mas suficiente para lembrá-lo de que estava ali com ele.— Perdoe-me, mas… nos conhecemos? — Lucas perguntou, com a voz controlada.O homem soltou uma risada baixa, cheia de desdém.— Ah, Lucas… sempre tão perspicaz. — Ele deu um passo em nossa direção, cruzando os braços. — Ou será que seu acidente apagou mais do que eu imaginava?Meu coração disparou. Como ele sabia do acidente?— Quem é você? — perguntei, tentando manter meu tom firme.Ele voltou o olhar para mim, e um sorriso falso surgiu em seus lábios.— Matteo Russo, senhora. — Sua v
CLAIREAs horas seguintes foram tomadas por uma inquietação que parecia se expandir dentro de mim. Lucas estava mais introspectivo do que nunca, e eu sabia que ele estava travando uma batalha interna. A descoberta no artigo sobre sua possível traição a Matteo era uma peça importante do quebra-cabeça, mas também parecia ser apenas a ponta do iceberg.Gabriel brincava no pequeno jardim do hotel enquanto Lucas e eu permanecíamos sentados na varanda, mergulhados em um silêncio quase palpável. O sol começava a se pôr, lançando sombras longas que pareciam refletir o peso da nossa situação.— Claire, eu quero ir até Matteo — Lucas disse finalmente, rompendo o silêncio.Senti um frio na espinha ao ouvir suas palavras.— Lucas, você não pode confiar nele. Ele está jogando, tentando nos manipular.Ele olhou para mim, e a intensidade em seus olhos fez meu coração vacilar.— Eu sei disso. Mas se ele realmente sabe sobre o meu passado, não posso ignorar. Ele é perigoso, mas a falta de memória tamb
CLAIREO som da porta se fechando ecoou pela casa, deixando um vazio inquietante no ar. Lucas tinha saído para enfrentar Matteo, e embora ele tivesse me prometido que voltaria, o peso da incerteza apertava meu peito. Gabriel brincava no tapete da sala, a inocência em seu sorriso contrastando com a turbulência que carregávamos.Peguei meu telefone, hesitando por um momento antes de discar o número de Giulia. Ela era a única pessoa que podia me ajudar a monitorar a situação, mesmo que Lucas tivesse insistido em ir sozinho.— Claire? — A voz de Giulia atendeu no terceiro toque, firme, mas preocupada.— Lucas foi encontrar Matteo. Ele recebeu um bilhete com um endereço. — Minhas palavras saíram rápidas, quase atropelando-se umas às outras.— Idiota. Ele não devia ter ido sozinho. Matteo é um mestre em armar ciladas.— Eu sei, mas ele achou que não tinha escolha. Preciso que você o rastreie, Giulia. Ele pode precisar de ajuda.— Estou a caminho. Mande-me o endereço, e eu vou atrás dele.Re