CLAIREO dia seguinte começou com uma tranquilidade ilusória. As primeiras luzes do sol atravessavam as cortinas do nosso quarto, dançando nas paredes em tons suaves. Gabriel já estava acordado, como sempre, cheio de energia e entusiasmo que pareciam intermináveis. Eu ainda estava na cama, tentando me preparar mentalmente para o que estava por vir. Lucas, no entanto, permanecia no quarto ao lado, quieto, como uma sombra de si mesmo.Desde o acidente, a vida havia se transformado em uma série de tentativas de reconectar Lucas ao que éramos. Ele tentava, eu via isso em cada olhar hesitante e gesto calculado, mas ainda havia uma barreira. Algo que o impedia de cruzar o abismo criado pela falta de memória. E eu? Eu estava tentando ser paciente, esperando por algum sinal, alguma fagulha de reconhecimento.Levantei-me com um suspiro, amarrando o robe ao redor do corpo antes de sair do quarto. Gabriel estava sentado na mesa da cozinha, rabiscando um desenho com entusiasmo.— Mamãe, olha só!
CLAIREAs primeiras semanas após o acidente de Lucas foram um teste para minha resiliência, mas, naquele dia, senti que algo precisava mudar. Não bastava esperar que ele recuperasse suas memórias; era necessário criar um novo caminho para nós.O sol da manhã iluminava suavemente o quarto quando acordei. Gabriel ainda dormia profundamente, enrolado nos cobertores como um pequeno casulo. Ele era uma criança forte, mas eu sabia que sentia a ausência emocional do pai, mesmo que não conseguisse expressar completamente em palavras.Desci as escadas e encontrei Lucas na cozinha. Ele parecia alheio ao ambiente enquanto preparava uma xícara de café. Os gestos eram mecânicos, quase inseguros, como se não pertencesse àquele espaço. Era doloroso vê-lo assim, desconectado, mas também havia uma vulnerabilidade que me fazia querer protegê-lo.— Bom dia — disse, tentando soar otimista.Ele virou-se, os olhos castanhos analisando-me com cautela. — Bom dia. Dormiu bem?— Sim. E você?— Acho que sim. —
CLAIREA vida ao lado de Lucas após o acidente parecia uma constante busca por equilíbrio. Ele se esforçava para se reconectar conosco, e eu fazia o possível para apoiá-lo. Porém, no fundo, uma dúvida persistia: e se ele nunca recuperasse a memória? Como reconstruiríamos algo que parecia tão essencial, mas que agora era apenas uma névoa em sua mente?Naquela manhã, decidi que precisava de um momento para clarear os pensamentos. Gabriel estava na escola, e Lucas saíra para sua sessão de fisioterapia. Aproveitei o silêncio da casa para organizar algumas coisas no sótão, um espaço que eu evitava há tempos.Ao abrir a porta de madeira pesada, senti o cheiro de poeira e nostalgia. A luz filtrada pela pequena janela iluminava caixas, móveis velhos e objetos que carregavam memórias de outra época. Subi com cuidado e comecei a abrir as caixas, uma a uma. Encontrei álbuns de fotos, brinquedos de Gabriel quando era bebê, e, no fundo de uma das caixas, um envelope que parecia fora do lugar.O en
CLAIREO homem que nos recebeu na loja tinha uma presença intimidadora. Ele usava um terno perfeitamente alinhado, mas seu olhar carregava algo sombrio. Sua frase — "Lucas, quanto tempo" — ficou reverberando no ar como um alerta.Lucas manteve-se calado, mas vi o músculo em sua mandíbula se contrair. Ele não tinha memória de quem era aquele homem, mas, claramente, algo dentro dele reagiu. Eu toquei levemente seu braço, um gesto quase imperceptível, mas suficiente para lembrá-lo de que estava ali com ele.— Perdoe-me, mas… nos conhecemos? — Lucas perguntou, com a voz controlada.O homem soltou uma risada baixa, cheia de desdém.— Ah, Lucas… sempre tão perspicaz. — Ele deu um passo em nossa direção, cruzando os braços. — Ou será que seu acidente apagou mais do que eu imaginava?Meu coração disparou. Como ele sabia do acidente?— Quem é você? — perguntei, tentando manter meu tom firme.Ele voltou o olhar para mim, e um sorriso falso surgiu em seus lábios.— Matteo Russo, senhora. — Sua v
CLAIREAs horas seguintes foram tomadas por uma inquietação que parecia se expandir dentro de mim. Lucas estava mais introspectivo do que nunca, e eu sabia que ele estava travando uma batalha interna. A descoberta no artigo sobre sua possível traição a Matteo era uma peça importante do quebra-cabeça, mas também parecia ser apenas a ponta do iceberg.Gabriel brincava no pequeno jardim do hotel enquanto Lucas e eu permanecíamos sentados na varanda, mergulhados em um silêncio quase palpável. O sol começava a se pôr, lançando sombras longas que pareciam refletir o peso da nossa situação.— Claire, eu quero ir até Matteo — Lucas disse finalmente, rompendo o silêncio.Senti um frio na espinha ao ouvir suas palavras.— Lucas, você não pode confiar nele. Ele está jogando, tentando nos manipular.Ele olhou para mim, e a intensidade em seus olhos fez meu coração vacilar.— Eu sei disso. Mas se ele realmente sabe sobre o meu passado, não posso ignorar. Ele é perigoso, mas a falta de memória tamb
CLAIREO som da porta se fechando ecoou pela casa, deixando um vazio inquietante no ar. Lucas tinha saído para enfrentar Matteo, e embora ele tivesse me prometido que voltaria, o peso da incerteza apertava meu peito. Gabriel brincava no tapete da sala, a inocência em seu sorriso contrastando com a turbulência que carregávamos.Peguei meu telefone, hesitando por um momento antes de discar o número de Giulia. Ela era a única pessoa que podia me ajudar a monitorar a situação, mesmo que Lucas tivesse insistido em ir sozinho.— Claire? — A voz de Giulia atendeu no terceiro toque, firme, mas preocupada.— Lucas foi encontrar Matteo. Ele recebeu um bilhete com um endereço. — Minhas palavras saíram rápidas, quase atropelando-se umas às outras.— Idiota. Ele não devia ter ido sozinho. Matteo é um mestre em armar ciladas.— Eu sei, mas ele achou que não tinha escolha. Preciso que você o rastreie, Giulia. Ele pode precisar de ajuda.— Estou a caminho. Mande-me o endereço, e eu vou atrás dele.Re
CLAIREA manhã chegou acompanhada de um céu nublado, como se o universo refletisse o turbilhão de emoções dentro de mim. O hotel estava silencioso, exceto pelo som abafado de nossos passos enquanto preparávamos nossas coisas. Lucas, mais focado do que eu jamais o havia visto, organizava tudo com precisão quase militar. Giulia, ao telefone, discutia detalhes de nosso próximo destino com um tom impaciente e cortante.Gabriel ainda dormia, aconchegado na cama com seu urso de pelúcia. Observei-o por um momento, minha mão pousada sobre sua pequena cabeça. Ele era o centro do meu mundo, a razão pela qual eu continuava a lutar, mesmo quando o medo ameaçava me paralisar.— Claire, estamos quase prontos. — A voz de Lucas interrompeu meus pensamentos.Virei-me para encontrá-lo parado na porta, o olhar cansado, mas determinado. Ele estava vestido com sua jaqueta de couro preta, um símbolo de sua força e resistência. Mas eu sabia que, por trás daquela fachada, havia um homem lutando contra seus p
**Capítulo 1**CLAIREO escritório da Donovan & Co. sempre foi um lugar que me intimidava, mas também me fascinava. As paredes de vidro, que se estendiam do chão ao teto, davam ao ambiente uma sensação de imensidão, como se o mundo lá fora fosse pequeno demais diante da grandiosidade daquele espaço. Tudo naquele escritório parecia pensado para exalar poder: o design moderno, o mobiliário minimalista, até o som dos passos sobre o piso polido, como uma música de sucesso tocando sem parar. Era o tipo de lugar onde as pessoas não eram apenas bem-sucedidas — elas eram imponentes.Eu nunca imaginei que algum dia faria parte daquele universo. Como alguém tão comum, sem qualquer traço de grandeza, teria alguma chance de entrar naquele círculo? Mas eu batalhei muito para chegar ali. Passei noites em claro estudando, lidando com frustrações e momentos de dúvida. Tudo para conquistar a chance de trabalhar ao lado de Lucas Donovan. E, no fundo, eu sabia que era ele quem mais me motivava. A oportun