LUCASO céu em tons de cinza anunciava a chegada de uma chuva leve, e a brisa úmida balançava as árvores ao redor da propriedade. Gabriel corria pelo quintal com um entusiasmo que parecia inabalável, mesmo sob as ameaças de um temporal. Claire, sentada na varanda com uma xícara de chá em mãos, me observava enquanto eu me esforçava para acompanhar o pequeno furacão de energia que era nosso filho.Havia algo reconfortante na simplicidade desses momentos. Mesmo com o peso da minha amnésia, eu sentia uma conexão inexplicável com aquela cena. Era como se, mesmo sem lembrar, meu coração reconhecesse cada detalhe.— Papai, vamos fazer uma cabana! — Gabriel exclamou, correndo para me puxar pela mão.— Uma cabana? — perguntei, franzindo o cenho enquanto o deixava me arrastar em direção a uma pilha de cobertores e almofadas que ele já havia preparado.— Sim! A gente fazia isso antes! Era a melhor cabana do mundo!O entusiasmo dele me contagiava. Embora minha mente não guardasse qualquer memória
CLAIREA manhã surgiu com raios de sol tímidos, iluminando o quarto com uma luz dourada. Eu estava acordada há algum tempo, observando Lucas dormir. Ele parecia tão tranquilo, mas eu sabia que sua mente travava uma batalha invisível. Desde o acidente, nossa vida tinha se transformado em um mar de incertezas. Ele estava aqui, fisicamente presente, mas ainda assim perdido em um mundo sem memórias.Eu me levantei com cuidado para não acordá-lo e fui preparar o café da manhã. Gabriel já estava na cozinha, desenhando algo em uma folha de papel. Seus olhos se iluminaram quando me viu.— Mamãe, olha! É o papai, você e eu. Estamos na praia!Sorri ao pegar o desenho. Era simples, feito com lápis de cor, mas carregava tanto amor e esperança que me fez engolir o nó que se formava em minha garganta.— Está lindo, meu amor. Tenho certeza de que seu pai vai adorar.Enquanto Gabriel continuava a desenhar, eu comecei a preparar ovos e torradas. Não demorou muito para que Lucas aparecesse, ainda um po
CLAIREAcordei ao som do riso de Gabriel no quintal. O brilho do sol filtrava-se pelas cortinas, criando um ambiente cálido e tranquilo, mas minha mente estava longe de sentir essa paz. Lucas tinha saído mais cedo, dizendo que precisava de um tempo para pensar. Sua ausência se tornou uma rotina desde o acidente. Embora ele sempre voltasse para casa, cada saída carregava uma dúvida: seria dessa vez que ele decidiria nos deixar?Levantei-me lentamente, tentando espantar os pensamentos negativos. Gabriel corria no quintal, chutando uma bola e fingindo ser um jogador de futebol famoso. Sua energia era contagiante, mas hoje, mesmo seu entusiasmo não conseguiu aliviar meu coração pesado.Lucas estava tentando. Isso era inegável. Mas eu sabia que havia uma barreira invisível entre nós, uma que nenhuma força ou lembrança parecia capaz de romper.Enquanto preparava o café, ouvi o som da porta da frente se abrindo. Meu coração deu um salto, e antes que pudesse me controlar, fui até o hall. Lá e
CLAIREOs dias passaram de forma lenta e carregados de sentimentos contraditórios. Cada manhã era uma mistura de esperança e medo, um ciclo que eu tentava enfrentar com coragem. Lucas estava presente, mas sua ausência emocional ainda era uma ferida aberta. Ele tentava, mas os lapsos na memória criavam um abismo entre nós que parecia impossível de transpor.Era sábado de manhã, e Gabriel corria pela sala com sua energia incontrolável. Ele trazia na mão um desenho, um rabisco colorido que representava nossa família: eu, ele e Lucas, sorridentes em frente à mansão.— Mamãe, olha! — Gabriel exibiu o papel com orgulho, suas bochechas rosadas pelo entusiasmo. — Fiz para o papai!Peguei o desenho e analisei cada detalhe. Gabriel havia incluído até mesmo o jardim que Lucas cuidava ocasionalmente, uma memória que talvez ele nem soubesse que existia.— Está lindo, meu amor. Tenho certeza de que ele vai adorar.Gabriel correu para o andar de cima com o desenho nas mãos. Meu coração se apertou ao
LUCASA manhã chegou com a luz do sol invadindo meu quarto, trazendo uma calma que parecia rara nos últimos tempos. A casa estava tranquila, e por um instante, a ideia de um novo começo parecia possível. Meu corpo ainda estava cansado, mas minha mente estava agitada, cheia de pensamentos sobre Claire e Gabriel.Levantei-me e desci as escadas. Encontrei Claire na cozinha, preparando o café da manhã. Seus movimentos eram naturais, mas havia uma leve tensão em seu olhar quando percebeu minha presença.— Bom dia, Lucas — ela disse, sua voz gentil, mas carregada de expectativa.— Bom dia. Precisa de ajuda? — ofereci, tentando me envolver em algo que parecia tão simples e rotineiro, mas que carregava um peso emocional enorme para mim.Ela sorriu levemente. — Pode cuidar do café, se quiser.Enquanto preenchia as xícaras com o líquido quente, Gabriel entrou na cozinha como uma tempestade de energia. Ele veio direto até mim, segurando um caderno e uma caixa de lápis de cor.— Papai, posso te m
CLAIREO dia seguinte começou com uma tranquilidade ilusória. As primeiras luzes do sol atravessavam as cortinas do nosso quarto, dançando nas paredes em tons suaves. Gabriel já estava acordado, como sempre, cheio de energia e entusiasmo que pareciam intermináveis. Eu ainda estava na cama, tentando me preparar mentalmente para o que estava por vir. Lucas, no entanto, permanecia no quarto ao lado, quieto, como uma sombra de si mesmo.Desde o acidente, a vida havia se transformado em uma série de tentativas de reconectar Lucas ao que éramos. Ele tentava, eu via isso em cada olhar hesitante e gesto calculado, mas ainda havia uma barreira. Algo que o impedia de cruzar o abismo criado pela falta de memória. E eu? Eu estava tentando ser paciente, esperando por algum sinal, alguma fagulha de reconhecimento.Levantei-me com um suspiro, amarrando o robe ao redor do corpo antes de sair do quarto. Gabriel estava sentado na mesa da cozinha, rabiscando um desenho com entusiasmo.— Mamãe, olha só!
CLAIREAs primeiras semanas após o acidente de Lucas foram um teste para minha resiliência, mas, naquele dia, senti que algo precisava mudar. Não bastava esperar que ele recuperasse suas memórias; era necessário criar um novo caminho para nós.O sol da manhã iluminava suavemente o quarto quando acordei. Gabriel ainda dormia profundamente, enrolado nos cobertores como um pequeno casulo. Ele era uma criança forte, mas eu sabia que sentia a ausência emocional do pai, mesmo que não conseguisse expressar completamente em palavras.Desci as escadas e encontrei Lucas na cozinha. Ele parecia alheio ao ambiente enquanto preparava uma xícara de café. Os gestos eram mecânicos, quase inseguros, como se não pertencesse àquele espaço. Era doloroso vê-lo assim, desconectado, mas também havia uma vulnerabilidade que me fazia querer protegê-lo.— Bom dia — disse, tentando soar otimista.Ele virou-se, os olhos castanhos analisando-me com cautela. — Bom dia. Dormiu bem?— Sim. E você?— Acho que sim. —
CLAIREA vida ao lado de Lucas após o acidente parecia uma constante busca por equilíbrio. Ele se esforçava para se reconectar conosco, e eu fazia o possível para apoiá-lo. Porém, no fundo, uma dúvida persistia: e se ele nunca recuperasse a memória? Como reconstruiríamos algo que parecia tão essencial, mas que agora era apenas uma névoa em sua mente?Naquela manhã, decidi que precisava de um momento para clarear os pensamentos. Gabriel estava na escola, e Lucas saíra para sua sessão de fisioterapia. Aproveitei o silêncio da casa para organizar algumas coisas no sótão, um espaço que eu evitava há tempos.Ao abrir a porta de madeira pesada, senti o cheiro de poeira e nostalgia. A luz filtrada pela pequena janela iluminava caixas, móveis velhos e objetos que carregavam memórias de outra época. Subi com cuidado e comecei a abrir as caixas, uma a uma. Encontrei álbuns de fotos, brinquedos de Gabriel quando era bebê, e, no fundo de uma das caixas, um envelope que parecia fora do lugar.O en