CLAIREA viagem de volta do hospital foi silenciosa. Gabriel olhava pela janela, perdido em seus próprios pensamentos, enquanto eu tentava decifrar os sinais. Lucas tinha reconhecido algo, mesmo que de forma vaga. Lavanda e mar. Era pouco, mas para mim, era como uma chama em meio à escuridão.Quando chegamos em casa, Gabriel correu para brincar com seus carrinhos no tapete da sala. Eu, por outro lado, me sentei no sofá com a caixa de lembranças sobre o colo. Não sabia o que mais poderia usar para alcançar Lucas, mas precisava continuar tentando.Meu telefone vibrou. Era o médico de Lucas.— Senhora Donovan?— Sim, sou eu. Alguma novidade?— Sim e não. O progresso de Lucas com o estímulo das memórias está dentro do esperado para o tipo de trauma que ele sofreu, mas há algo que gostaria de sugerir.— Por favor, diga.— E se trouxermos Lucas para casa por um fim de semana? Às vezes, estar no ambiente familiar pode despertar memórias mais profundas.Meu coração acelerou. Lucas, em casa. A
CLAIREO amanhecer chegou silencioso, a luz dourada tingindo a mansão com uma sensação quase irônica de paz. A noite anterior tinha sido um marco. Ver Lucas segurando as cartas que ele próprio havia escrito, mas que agora eram apenas palavras sem dono, acendeu uma esperança que eu temia alimentar. Ele queria lembrar, e isso era tudo o que eu precisava para continuar tentando.Eu desci para a cozinha antes que Gabriel acordasse. Estava determinada a planejar um dia que pudesse ajudá-lo a resgatar ao menos fragmentos do homem que ele foi. Enquanto colocava a cafeteira para funcionar, ouvi passos leves atrás de mim.— Bom dia, Claire.Era Lucas. Ele estava mais sereno, com um olhar que parecia um pouco mais próximo daquele que eu conhecia.— Bom dia. Dormiu bem?— Melhor do que esperava, na verdade — ele respondeu, encostando-se na bancada. Seus olhos vagavam pelo ambiente, absorvendo cada detalhe. — Esta cozinha... parece que já estive aqui um milhão de vezes.Sorri com o comentário. —
CLAIREO céu estava nublado naquela manhã, refletindo a atmosfera carregada em meu peito. Lucas tinha mostrado pequenas fagulhas de lembrança, como o momento com o balanço de Gabriel no dia anterior, mas a recuperação era lenta. Era como caminhar por um campo minado, cada passo incerto, mas necessário.Gabriel brincava no tapete da sala de estar, seus blocos de montar espalhados ao redor. Lucas observava-o de um canto, os braços cruzados, a testa franzida. Parecia perdido em pensamentos, como se tentasse se conectar com algo invisível.— No que está pensando? — perguntei, aproximando-me dele.Ele me lançou um olhar breve antes de responder: — Estou tentando lembrar como era ser o pai dele.Sua honestidade era desarmante, e isso me tocava de um jeito que eu não esperava. Lucas nunca foi um homem de vulnerabilidades expostas, mas agora ele parecia disposto a se abrir, mesmo que isso significasse admitir o quanto estava perdido.— Você ainda é o pai dele, Lucas — disse, suavemente. — Iss
CLAIREOs dias continuavam a passar, e embora Lucas estivesse se esforçando para construir uma nova rotina conosco, a ausência de suas memórias ainda era um peso que pairava sobre todos nós. Cada olhar de Gabriel, cheio de expectativa, era um lembrete constante daquilo que Lucas não podia oferecer. E, no entanto, ele tentava. Tentava mais do que qualquer um poderia imaginar.Naquela manhã, acordei com os sons suaves de risadas vindas do andar de baixo. Desci as escadas lentamente, permitindo que o som guiasse meus passos. Quando cheguei à cozinha, encontrei Lucas e Gabriel diante do balcão. Gabriel estava coberto de farinha, e Lucas parecia tão confuso quanto orgulhoso.— O que está acontecendo aqui? — perguntei, cruzando os braços, mas incapaz de esconder o sorriso.— Mamãe! Papai está me ajudando a fazer panquecas! — Gabriel anunciou, com um sorriso de orelha a orelha.— Ou tentando, pelo menos — Lucas acrescentou, secando as mãos em um pano de prato. Ele olhou para mim, seu olhar c
CLAIREA manhã chegou tranquila, mas meu coração não compartilhava do mesmo sossego. Desde que Lucas voltou para casa, a convivência vinha sendo uma dança delicada entre esperanças e frustrações. Ele era gentil e atencioso, mas o peso de suas memórias perdidas pairava sobre nós como uma sombra.Gabriel, por outro lado, parecia aceitar tudo com a leveza que só uma criança poderia ter. Ele não via o homem que havia mudado; via apenas seu pai, o herói que nunca o abandonaria. E isso me dava forças para continuar, mesmo quando parecia impossível.Lucas estava na varanda quando desci com Gabriel para o café da manhã. Ele olhava para o horizonte, o semblante calmo, mas distante. Gabriel correu até ele, puxando sua mão com entusiasmo.— Papai, posso mostrar o que fiz ontem?Lucas sorriu, curvando-se na altura de nosso filho. — O que você fez, campeão?Gabriel correu até a sala e voltou segurando um desenho. Era uma nova versão da nossa família: ele, eu e Lucas de mãos dadas, com um grande so
CLAIREOs dias desde o passeio ao parque foram mais leves, mas ainda cheios de incertezas. Lucas tentava criar uma rotina conosco, como se a normalidade pudesse costurar os buracos deixados por suas memórias ausentes. Às vezes, ele parecia o mesmo homem por quem me apaixonei; outras, era um estranho tentando se ajustar a uma vida que não reconhecia.Acordei naquela manhã com um som abafado vindo da sala. Desci as escadas com cuidado e encontrei Lucas sentado no sofá, uma xícara de café na mão e o olhar perdido na janela. Ele fazia isso com frequência: mergulhava em pensamentos que nunca compartilhava.— Você está bem? — perguntei, sentando-me ao seu lado.Ele virou a cabeça, parecendo surpreso com minha presença. — Não consegui dormir.— Alguma coisa específica?Ele hesitou antes de responder, os dedos apertando a xícara. — É como se houvesse um vazio constante na minha mente. Tento me lembrar, Claire, mas... quanto mais eu forço, mais distante parece.Senti meu coração apertar. Queri
CLAIREOs dias passavam, e minha esperança oscilava como as marés. Cada pequeno avanço de Lucas era um alívio, mas as lacunas em suas memórias eram um lembrete constante do que havíamos perdido. Apesar disso, algo nele começava a mudar. Havia uma gentileza renovada em seus gestos, uma vulnerabilidade que antes ele raramente demonstrava.Naquela manhã, acordei com Gabriel pulando na cama, sua risada iluminando o quarto. Ele carregava um desenho nas mãos, uma folha cheia de rabiscos coloridos.— Mamãe! Olha! Eu desenhei o papai!Sorri enquanto ele agitava o papel na minha frente. Nele, Lucas estava ao lado de Gabriel e de mim, todos de mãos dadas em um campo florido.— Está lindo, meu amor — disse, beijando o topo de sua cabeça. — Por que você não mostra para o papai?Gabriel sorriu e correu para o andar de baixo. Eu o segui, encontrando Lucas na cozinha, vestido com roupas casuais, mas com a expressão séria de alguém que tinha muito em mente.— Papai, olha meu desenho! — Gabriel exclam
CLAIREO clima estava ameno naquela manhã, mas dentro de mim, tudo era uma tempestade. Lucas começava a mostrar um interesse renovado pela nossa história, mas isso vinha acompanhado de uma angústia que ele tentava disfarçar. Decidi que era hora de arriscar mais. Precisávamos de algo que o conectasse ao Lucas que ele era, ou ao menos que construísse uma ponte para quem ele estava se tornando.Gabriel brincava no quintal enquanto eu preparava tudo para nossa próxima tentativa. Na mesa da sala, espalhei fotografias, pequenos objetos significativos e bilhetes antigos que havíamos trocado. Era um pedaço de nossa vida juntos, uma linha do tempo que eu esperava que acendesse alguma fagulha na mente de Lucas.Ele entrou na sala, parecendo curioso.— O que é tudo isso? — perguntou, inclinando-se sobre a mesa.Respirei fundo. — São pedaços de nós. Pensei que, talvez, vendo essas coisas, você pudesse... lembrar de algo.Ele pegou uma fotografia. Era de um dia comum, nós três juntos em uma praia,