CLAIREA manhã começou com o sol tímido surgindo entre as nuvens, um prenúncio de que o dia poderia trazer algo de bom. Meu coração estava ansioso, mas também carregava a cautela que havia aprendido a manter nas últimas semanas. Depois da visita ao hospital no dia anterior, algo parecia diferente. Lucas não tinha lembrado de nós, mas havia uma fagulha, um pequeno reflexo de quem ele era antes do acidente.Eu precisava acreditar que era um começo.Gabriel estava na cozinha, empilhando torradas em um prato com a seriedade de quem estava construindo uma fortaleza. Ele estava empolgado para ver o pai novamente, mesmo que as visitas fossem emocionalmente desafiadoras para nós dois.— Você acha que o papai vai lembrar da gente hoje? — perguntou ele, sem levantar os olhos do prato.Minha respiração ficou presa por um momento. A esperança de Gabriel era ao mesmo tempo inspiradora e devastadora. Ajoelhei-me ao lado dele, colocando uma mão em seu ombro.— Não sei, meu amor. Mas o que importa é
CLAIREA noite caiu silenciosa, mas minha mente estava inquieta. Gabriel dormia no quarto ao lado, abraçado ao ursinho que Lucas tinha dado a ele em seu último aniversário antes do acidente. A cena na porta do hospital não saía da minha cabeça: o abraço entre Lucas e Gabriel, tão sincero, tão carregado de esperança, e ainda assim, vazio das memórias que tornavam aquele gesto completo.Passei a mão pelo rosto, tentando afastar o cansaço. Minha determinação em ajudar Lucas a recuperar suas lembranças crescia a cada dia, mas às vezes, o peso dessa responsabilidade parecia insuportável. Ele era meu marido, o pai do meu filho, e agora, quase um estranho.Decidi que precisava de ar fresco. Saí para o jardim, onde a brisa noturna sussurrava através das árvores. Ficar ali, sob o céu estrelado, sempre me dava uma sensação de calma. Mas, naquela noite, a calmaria parecia ilusória.LUCASO silêncio do hospital era perturbador. As visitas de Claire e Gabriel deixavam uma marca, mas também me deix
CLAIREA viagem de volta do hospital foi silenciosa. Gabriel olhava pela janela, perdido em seus próprios pensamentos, enquanto eu tentava decifrar os sinais. Lucas tinha reconhecido algo, mesmo que de forma vaga. Lavanda e mar. Era pouco, mas para mim, era como uma chama em meio à escuridão.Quando chegamos em casa, Gabriel correu para brincar com seus carrinhos no tapete da sala. Eu, por outro lado, me sentei no sofá com a caixa de lembranças sobre o colo. Não sabia o que mais poderia usar para alcançar Lucas, mas precisava continuar tentando.Meu telefone vibrou. Era o médico de Lucas.— Senhora Donovan?— Sim, sou eu. Alguma novidade?— Sim e não. O progresso de Lucas com o estímulo das memórias está dentro do esperado para o tipo de trauma que ele sofreu, mas há algo que gostaria de sugerir.— Por favor, diga.— E se trouxermos Lucas para casa por um fim de semana? Às vezes, estar no ambiente familiar pode despertar memórias mais profundas.Meu coração acelerou. Lucas, em casa. A
CLAIREO amanhecer chegou silencioso, a luz dourada tingindo a mansão com uma sensação quase irônica de paz. A noite anterior tinha sido um marco. Ver Lucas segurando as cartas que ele próprio havia escrito, mas que agora eram apenas palavras sem dono, acendeu uma esperança que eu temia alimentar. Ele queria lembrar, e isso era tudo o que eu precisava para continuar tentando.Eu desci para a cozinha antes que Gabriel acordasse. Estava determinada a planejar um dia que pudesse ajudá-lo a resgatar ao menos fragmentos do homem que ele foi. Enquanto colocava a cafeteira para funcionar, ouvi passos leves atrás de mim.— Bom dia, Claire.Era Lucas. Ele estava mais sereno, com um olhar que parecia um pouco mais próximo daquele que eu conhecia.— Bom dia. Dormiu bem?— Melhor do que esperava, na verdade — ele respondeu, encostando-se na bancada. Seus olhos vagavam pelo ambiente, absorvendo cada detalhe. — Esta cozinha... parece que já estive aqui um milhão de vezes.Sorri com o comentário. —
CLAIREO céu estava nublado naquela manhã, refletindo a atmosfera carregada em meu peito. Lucas tinha mostrado pequenas fagulhas de lembrança, como o momento com o balanço de Gabriel no dia anterior, mas a recuperação era lenta. Era como caminhar por um campo minado, cada passo incerto, mas necessário.Gabriel brincava no tapete da sala de estar, seus blocos de montar espalhados ao redor. Lucas observava-o de um canto, os braços cruzados, a testa franzida. Parecia perdido em pensamentos, como se tentasse se conectar com algo invisível.— No que está pensando? — perguntei, aproximando-me dele.Ele me lançou um olhar breve antes de responder: — Estou tentando lembrar como era ser o pai dele.Sua honestidade era desarmante, e isso me tocava de um jeito que eu não esperava. Lucas nunca foi um homem de vulnerabilidades expostas, mas agora ele parecia disposto a se abrir, mesmo que isso significasse admitir o quanto estava perdido.— Você ainda é o pai dele, Lucas — disse, suavemente. — Iss
CLAIREOs dias continuavam a passar, e embora Lucas estivesse se esforçando para construir uma nova rotina conosco, a ausência de suas memórias ainda era um peso que pairava sobre todos nós. Cada olhar de Gabriel, cheio de expectativa, era um lembrete constante daquilo que Lucas não podia oferecer. E, no entanto, ele tentava. Tentava mais do que qualquer um poderia imaginar.Naquela manhã, acordei com os sons suaves de risadas vindas do andar de baixo. Desci as escadas lentamente, permitindo que o som guiasse meus passos. Quando cheguei à cozinha, encontrei Lucas e Gabriel diante do balcão. Gabriel estava coberto de farinha, e Lucas parecia tão confuso quanto orgulhoso.— O que está acontecendo aqui? — perguntei, cruzando os braços, mas incapaz de esconder o sorriso.— Mamãe! Papai está me ajudando a fazer panquecas! — Gabriel anunciou, com um sorriso de orelha a orelha.— Ou tentando, pelo menos — Lucas acrescentou, secando as mãos em um pano de prato. Ele olhou para mim, seu olhar c
CLAIREA manhã chegou tranquila, mas meu coração não compartilhava do mesmo sossego. Desde que Lucas voltou para casa, a convivência vinha sendo uma dança delicada entre esperanças e frustrações. Ele era gentil e atencioso, mas o peso de suas memórias perdidas pairava sobre nós como uma sombra.Gabriel, por outro lado, parecia aceitar tudo com a leveza que só uma criança poderia ter. Ele não via o homem que havia mudado; via apenas seu pai, o herói que nunca o abandonaria. E isso me dava forças para continuar, mesmo quando parecia impossível.Lucas estava na varanda quando desci com Gabriel para o café da manhã. Ele olhava para o horizonte, o semblante calmo, mas distante. Gabriel correu até ele, puxando sua mão com entusiasmo.— Papai, posso mostrar o que fiz ontem?Lucas sorriu, curvando-se na altura de nosso filho. — O que você fez, campeão?Gabriel correu até a sala e voltou segurando um desenho. Era uma nova versão da nossa família: ele, eu e Lucas de mãos dadas, com um grande so
CLAIREOs dias desde o passeio ao parque foram mais leves, mas ainda cheios de incertezas. Lucas tentava criar uma rotina conosco, como se a normalidade pudesse costurar os buracos deixados por suas memórias ausentes. Às vezes, ele parecia o mesmo homem por quem me apaixonei; outras, era um estranho tentando se ajustar a uma vida que não reconhecia.Acordei naquela manhã com um som abafado vindo da sala. Desci as escadas com cuidado e encontrei Lucas sentado no sofá, uma xícara de café na mão e o olhar perdido na janela. Ele fazia isso com frequência: mergulhava em pensamentos que nunca compartilhava.— Você está bem? — perguntei, sentando-me ao seu lado.Ele virou a cabeça, parecendo surpreso com minha presença. — Não consegui dormir.— Alguma coisa específica?Ele hesitou antes de responder, os dedos apertando a xícara. — É como se houvesse um vazio constante na minha mente. Tento me lembrar, Claire, mas... quanto mais eu forço, mais distante parece.Senti meu coração apertar. Queri