Anos depois
Fechei os meus olhos ouvindo e sentindo o encontro da água com o chão, mas antes do chão, o frescor da água encontra o meu corpo, a cada gota que encontra a minha pele, é como um alívio para a minha alma. A lama formava-se em meus pés, transformando-se barro, os fios de cabelos molhados grudando ao meu rosto, ainda de olhos fechados girei, senti o sabor de ter vida, e ser da aldeia, as meninas da cidade não tem estes momentos assim diz a minha mãe.
Elas não podem aproveitar nada do que a natureza nos dá, do que vivem elas? Sempre pergunto. — Não sei, minha menina, simplesmente não sei. — Suspirei, querendo mais, amo quando chove, além de molhar à terra, trazendo água em fartura para nós, é bom para à terra, faz com que cresça os alimentos, a mesa fica cheia, mas nada se compara a água da chuva.
— Aurora venha para dentro! — Meu pai grita ao me ver brincando com a água, a simplicidade de apenas ser e ter me encanta, me fascina. — Por que não entra menina? — Minha mãe reclama em seguida, eu sei que não sou mais uma garota como antes, já tenho idade suficiente para pensar em me juntar com algum rapaz da aldeia, mas é tão bom ser o que sou, e o meu pai diz que não, por mais que eu tenha nascido, eu não pertenço a esse lugar, qual mais me pertenceria?
— Só mais um pouco mãe. — Tentei lhe convencer, mas fui surpreendida pelo jeito que meu pai pegou pelo meu braço, abri os olhos vendo alguns rapazes de pé nas portas de suas casas nos olhando, como animais famintos. — O que todos estão olhando? — Perguntei a meu pai, que continuou me arrastando para casa. — Você não é mais uma garotinha, minha filha, já é uma mulher porque acha que tenho pedidos para que se case logo? — Disse num resmungo, parecia chateado. Dei de ombros, ele nunca aceita mesmo, e eu não tenho vontade disso, pelo menos não agora.
— Sei que o senhor nunca aceitará nenhum destes pedidos, pai, vamos aproveitar mais um pouco. — Parou rapidamente, virando-se para mim, olhou-me de cima a baixo. — Sua roupa mal cabe em seu corpo, Aurora, assim esta como nasceu, completamente nua garota. — me olhei também, sei que aos seus olhos, sempre serei uma garotinha, me sinto acolhida, protegida em seus braços. — Pai todos não ficam nus em algum momento?
Voltou a me arrastar novamente, como se houvesse algo importante em casa. — Sim, todos ficam nus, mas as mulheres recebem mais atenção quando fica na frente dos homens, sua mãe deveria ter lhe dito isto. — Ri indo para a sua frente, andei de costas rindo dele. — A mamãe tem cinco crianças para cuidar pai, como poderia ter me dito, e o senhor sabe que mal sobra tempo para juntar-se as rendeiras, o que ela iria me dizer?
Sorriu ao me ouvir, balançou a cabeça, mas a verdade é que o vestido branco, falta tecido abaixo das coxas, é bem transparente, e molhado cola ao corpo desenhado quase todo, mas todo mundo tem que mal há? — Todos grandinhos o suficiente para poder cuidar de si mesmo. — Dei apenas com um ombro, de certa forma ele tem razão, eu e meus irmãos somos grandes, mas o que temos em casa é tão pouco. — O que mais tem a me dizer sobre os cuidados que uma jovem deve ter?
— Você irá aprender da melhor forma. — Sorri animada, chegamos a nossa casa, sentou-se num banco de madeira, me juntei a ele, até que me encarou. — Não exatamente agora, Aurora, vá procurar algo para vestir como a irmã mais velha deveria ensinar algumas coisas as suas irmãs que crescem tendo você como exemplo. — Voltei, após levantar, ouvindo as suas palavras. — Como o quê? — Perguntei lhe olhando ainda de pé. — Nada, deixa para lá. — Andei pela casa.
Dias passaram, e mais uma vez meu pai voltou da rua sem conseguir vender nada, as vendas caíram muito. O alimento que temos em casa mal dá para duas bocas, para cinco é quase impossível, sete é deixar os menores comer, e os grandes orar a Deus. Corri animada para ele ao descer da carroça, apenas me olhou desanimado, mastigando um maço de capim. — Pai tem algum livro que possa me dá? — Negou sem dizer uma palavra, os meus irmãos vieram como das outras vezes, após perceber que nada tinha, saíram desanimados, e como eles, meu pai também entrou.
Fiquei sentada no balanço da árvore por um tempo, até que de dentro de casa escutei os gritos da minha mãe. — Não, Francisco, nunca demos um filho e não vai ser agora. — A voz veio de dentro de casa, a porta ainda aberta, continuei sentada sozinha, entrar em casa não ajudaria em nada. — Acha que se tivesse alguma solução eu faria isso? É apenas um trabalho em que... — A voz foi interrompida, por Pedro, um rapaz da aldeia logo a minha frente.
Olhei-lhe como sempre seu jeito tímido, o cabelo negro, com uns lados maior que o outro, algumas pontas ficaram soltas em seu corte. — Posso te fazer companhia? — Sorri sem graça para ele, que ficou de pé ao meu lado. — O que esta lendo Aurora? — Mostrei apenas a capa, querendo saber o motivo da briga em casa. — Seus pais estão brigando? — Olhei em volta, todos pareciam saber disto. — Sim, estão, mas daqui a pouco eles fazem as pazes. — Sorri tentando fazê-lo acreditar.
— A mulher que se casar comigo... — Levantei com pressa, ele vai começar com isso novamente, as vantagens de se casar com ele, é bom lenhador, bom caçador, é forte, é bonito, sabe aparar o seu próprio cabelo, sua mãe tratará a sua nora como uma filha e blá, blá, blá, blá... Cocei atrás nas costas — Eu tenho que entrar. — Sai com pressa, é melhor ficar com meus irmãos e entender o motivo da briga, do que ouvir promessas de quem não controla o futuro, meus pais se amam, são felizes, mas o que dificulta sãos os dias ruins.
Nada resiste aos dias de fome, de aperto, de doença, os problemas surgem, enquanto o amor pula porta afora. — Francisco, não, não tente. — Entrei em casa sendo pega pelo braço por minha mãe que me segurou para si, fui levada para trás das suas costas. Ela tomou a minha frente como se o meu pai fosse um monstro oriundo dos mares como contam as pessoas.
Meu pai de pé, ainda com a roupa que veio da cidade, negava com a cabeça. — Sabe que não temos outras opções, pelo menos irá escapar desta vida miserável que levamos, além de podermos receber algo em troca, olha para ela como esta magra, o que pode lhe… — A vi negar me escondendo atrás de si, sempre foi ao contrário meu pai que me defende, por que agora minha mãe o fazia? Afastei-me pelo menos tentei, quando a minha mãe rebelou com os olhos alterados me olhando. — Fica aqui, você não vai a lugar algum.
— Papai, mamãe, o que esta acontecendo por que estão brigando? Os vizinhos estão na porta, ouço os gritos de vocês depois da árvore. — Meu irmão mais velho entrou em casa reclamando.— Seu pai, seu pai, quer levar a minha filha para trabalhar na casa de alguém na cidade. — Antônia não é... — A primeira panela de barro fora jogada em sua direção, mal soube quando ela pegou a panela, ao jogar nele que se saiu, dividiu-se em cacos. — Não tente me convencer, esta... — Começou a ofegar, minha mãe não pode esforçar, tão pouco se aborrecer que fica assim, começamos a lhe abanar para que ficasse melhor.
Meu pai ainda de pé, como quem perdeu muito, perdeu tudo praticamente. — Aurora venha até mim... — A mesma que estava a pouco ofegante levantou-se com pressa. — Ela não vai, eu já disse que não vai Francisco. — Fiquei entre os dois, meu pai nunca levantou a mão para a minha mãe, mas ela sempre foi em cima dele de unhas, dentes. — Mãe, por que eu não ir? — Negou desequilibrada. — Não tive cachorros, Aurora, pari filhos, filhos, nunca darei meus filhos.
— Papai porque o senhor quer dá os filhos da mamãe? — Perguntei para ele de pé a minha frente, a lágrima desceu ainda olhando para o chão, engoliu a saliva com dificuldade. — Eu não quero dar nenhum filho, minha querida, mas estamos a dias dividindo o pouco que temos para cinco... — Lhe corrijo, a vasilha da farinha não tem para três, é a conta dos dois mais novo. — Para dois pais. — Afirmou me olhando ainda em lágrimas. Ele também sofria com a situação, se houvesse como melhorar e salvarmos de tudo aquilo, eu ficaria do seu lado.
— Para dois, Aurora, as vendas estão horríveis, não vendo nada a dias, estão precisando de uma acompanhante na cidade, a filha de alguém irá debutar, chegar da capital, eles têm dinheiro, uma casa grande, darão em troca pelo trabalho, moradia, comida…
— Levar a minha filha para longe de mim nem em pesadelo Francisco. — Olhei para mamãe nervosa, nenhum pouco comovido com as lágrimas do meu pai. — Sim, toda vez que for a rua...
— Eu não quero toda vez Francisco, a minha filha não vai servir ninguém, limpar a bunda dessa gentalha pomposa, endinheirada. — Sorri vendo a situação, entre casar e ser a esposa de algum filho de aldeão e salvar a minha família da fome. — Tem certeza que eles irão dar dinheiro ou algo bom em troca por isso papai? — meu irmão mais velho de pé ainda negava me olhando. — Aurora... — Ouvi meu nome em seus lábios, mas meu pai afirmou de pé.
Prendi meu lábio vendo que seria o melhor. — Por acaso esta filha sou eu? — Perguntei por fim, minha mãe entrou em agonia mais uma vez, as minhas irmãs começaram a abanar seu corpo, enquanto meu irmão caminhou de um lado para o outro com a mão bagunçando os cabelos. — Você não tem ideia do que as acompanhantes sofrem tem? — Ele disse e eu neguei, fui poucas vezes a cidade, nunca soube o que as garotas e as mulheres de lá fazem, exceto ir à igreja, todo o cultivo sai das aldeias, a farinha, os animais.
— Você sabe? — Negou me olhando, meu pai apenas afirmou a minha pergunta. — A casa tem livros, perguntei se vai poder ler. — Lamentou com um olhar triste. — E eu sempre vou ver o senhor? — Afirmou com um sorriso na boca. — Sempre, minha querida!
— O que houve com os seus sapatos? — Um homem gordo com um chapéu branco de pano na cabeça questionou ao me ver, apontou com uma colher de pau para os meus pés, eu também olhei para os meus pés. — Ela veio da aldeia, sabe como é esse povo.— Bichos do mato. — Este foi o primeiro contato que tive nesta casa. Andando por lugar em lugar, vendo o que cada um fazia, eu não disse uma palavra no primeiro dia, quando chegou a grande sala, de longe ouvia-se o som, era divino, algo tão mágico como aquilo eu nunca escutei na vida, quando a porta foi aberta, imaginei que não existia mais nada a conhecer, só queria saber de onde vinha tal som. — Querida se não me disser seu nome...— Aurora, meu nome é Aurora como o nascer do sol. — Disse com a voz trêmula, meus olhos afiados por tanta beleza que vi, aquela casa não era um lugar nem de longe imaginado em cada paragrafo, cada texto que li, cada livro, ela me apresentava a magia dos livros, a magia dos contos de fadas. Até as paredes tinha desenhos,
Não sabia o motivo que aquele homem olhou para mim, assim, havia pedido ajuda a outras e outros que apenas ignoraram, mas este parou. — Desejo água para a minha senhora. — Foi o que eu disse, inclinando com a cabeça na direção deles para ele, que os olhou e assentiu. — Água? — Afirmei, ele passou a minha frente, eu o segui, andamos pela estação até que chegarmos aos fundos de um lugar com grade. — Aqui tem água? — Perguntei e vi quando riu de maneira estranha, ele parecia zombar, mas como eu poderia voltar?— Aqui não se dá água, senhorita, sua senhora deve ter ficado entediada, pelo menos deu-lhe dinheiro? — Neguei, quando ele entrou no lugar, escuro, parecia ser um quarto, mas não tinha cama. — Entre! — Abriu a mão para eu fazer o que ele disse. Neguei, dei um passo para trás, quando o mesmo colocou o braço a minha frente. — Não aconselharia que uma moça tão... — Seus olhos desceram ao decote do vestido, tive raiva, já não bastava o senhor da casa?— Acabou de dizer que não dá água a
Num baile do grandioso de vinte anos da minha senhorita, não é nada além que uma forma de dizer, olha temos uma filha em idade para casar, pelo menos é o que eu penso, para quê mais um pai e uma mãe faria tal festa? Apresentá-la a sociedade? De novo? Já não fizeram isso aos quinze? Aos dezesseis? Ainda assim penso não haver nada que não me faça ficar tão encantada, desde os tecidos coloridos. Os grandes e espalhafatosos vestidos coloridos no salão, além das músicas, comidas para todos, e bebidas, nas festas sempre aproveito de mais de uma garrafa de vinho, bebo no finalzinho da noite, mas não suspeito que a essa hora na minha aldeia nem todos tenha o que comer, a verdade é que não tem. Essa divisão de classe contratual, na verdade, é uma barganha que apenas se escreve lá nas terras desconhecidas, mas ninguém considera, na verdade, é lindo de se ler, mas tão distante de se viver! O enorme vestido da senhorinha Malvina é grande com tecidos brancos com detalhes dourados rendados, ela pe
Depois de sair do quarto da senhora Malvina, voltei ao meu, sentei-me na cama perplexa, estática como diria na física moderna, as ideias ou melhor a imagem circundando a minha cabeça, ele é o seu pai, nem na aldeia eu vi esse tipo de coisa, também se não tivesse ido lá agora eu não veria, existia isso na aldeia? Me perguntei. Os pensamentos não se organizavam direito, mas é pecado, ainda assim é pecado, mesmo que seja coisa de gente rica, mas é pecado, a não ser que Deus tenha olhos diferentes para as situações.Inebriada pelo que vi, peguei a jarra de alumínio virei o galão de vinho na boca, bebi por inteiro até me faltar ar nos pulmões, limpei a boca com as costas da mão, andei de um lado a outro, indo e vindo no pequeno calabouço, que é destinado a criadagem, a ideia de pecado, não saiu da minha cabeça. Bebi, bebi mas não me embriaguei, rolei na cama a noite inteira, se é que ainda poderia chamar aquilo ainda de noite.Pela manhã mole para levantar, ainda me levantei, vesti-me vend
Ser a criada da senhorita Malvina, não era ter o alivio com o seu casamento, descobri isto somente, assim que fomos visitar a sua casa, a casa que o senhor Florêncian presenteou os dois futuros casados. Uma casa linda em cores brancos e amarelo, com jardim, portões negros compridos, enquanto analiso cada comodo eu mal sabia o que senti, nausea? Dores antecipadas pelos trabalhos. Talvez, mas voltava a mim a cada grito e aplausos da senhora Margarida que com maior berro em excitação, aplaudia a tudo.–– Menos mamãe, essas não são as ultimas janelas de coleção em Paris. –– A senhorita Malvina não estava tão animada, enquanto a cada olhar que dava em direção a turma, sentia os olhos de Jacob sobre mim, como ele estava me procurando, se eu nunca havia lhe visto antes daquela rodovia? Andou vasculhando a cidade de peito em peitos? Os seus olhos me diziam palavras ou sentimentos que eu não saberia entender, mesmo lendo mil livros se fosse possível.–– Ah olha tem uma lareira! –– Desvecilhei
VII- AuroraOs dias findáveis finalmente chegavam, o longo vestido branco dourado com pedras em gotas espalhadas pelo tecido fino, era lindo, mas se algum dia eu me casasse jamais escolheria algo exagerado, exuberante, talvez esse homem pudesse algum dia existir, mas como não existia, casamento é algo além da minha imaginação, ajeitando ainda o véu, quando Maria chegou a porta, olhou-me, apontou com a cabeça pra fora.Abri os olhos, eu devo?Eu devo sair agora? –– Com licença, já retorno! –– Tampouco a costureira, nem mesmo a noiva, nem as as assistente deram-me atenção, passei pela porta. –– Seja breve. –– Abri os olhos, até sentir o pequeno bolo de dinheiro em minha mão, olhei para Maria, ela estava me dando a chance de ir embora? –– Seu pai esta nos portões dos... –– Nem precisou dizer o resto, sai correndo escadarias a baixo, o sapato preto, salto pequeno, o vestido cinza, corri para os portões dos fundo as pressas passei pela cozinha, não vi em quem esbarrei.Ao chegar aos jardins
Os preparativos do casamento começaram, a correria na grande casa burguesa aristocrata não era para amadores, se era a única amadora era eu. Malvina acordou ao meio-dia, o casamento estava marcado para as dezoito horas, o sino da igreja tocou permitindo que todos nós ouvissémos de casa. Depois do que houve não vi mais Jacob, e a verdade é que eu não queria vê-lo.–– Aurora já arrumou suas malas? –– Olhei para a Senhorita Malvina, para voltar para casa eu não precisava de malas. –– Qual será o meu destino após o seu casamento senhora? –– Não ergui os meus olhos ao pergunta-la, a mulher ainda embelezava a sua pele quando me perguntou, a porta do quarto foi aberta. –– Papai não deveria bater na porta antes de entrar? –– A sua voz de garota em transição para senhora, não mudou muito. –– Esta casa é minha entro e saio dela quando eu quiser. –– Foram as palavras como resposta, permaneci de cabeça baixa.–– Seu marido tem fundo suficientes para contratar dúzias de empregados minha querida, a
–– Ela não pode morrer! –– Cheguei naquela manhã desesperado a este mesmo consultório a alguns anos atrás. August ajeitou os óculos observando a mulher baleada em meus braços. –– Jacob não há muito o que fazer, ela já se foi! –– Não tinha como aceitar a partida de Elisa, não, isso era o mesmo que me matar. –– Coloque-a na cama, talvez Sízia tenha algo a dizer sobre isso. –– Coloquei a minha amada de cabelos longos, negros, crespos sobre a maca. Andei de um lado a outro, as paredes mudaram, Sízia se foi, August agora já não atende mais.–– Então o que ela tem? –– Petrônio virou-se me olhando, não era uma circuntância agradável ver a minha amada de pernas abertas na frente de outro homem. –– Digamos que você a machucou, deveria ter ido com mais cautela, afinal era uma donzela. –– A observei cobrindo-se envergonhada me olhando. –– Isso pode prejudica-la? –– O garoto somente ajeitou os óculos, suspirou fundo. –– Você acabou de se casar Jacob, como pode estar se estreitando a outras relaçõ