Abalado

Meg mostrou a casa que seria o novo lar de Rosa e Vitinho. Eles gostaram; era uma casa pequena, mas bonita e arejada. Poderiam ser felizes ali se não fosse a teia de mentiras em que estavam presos e nem sabiam quão grande ela poderia ser.

__ Vou começar a limpar.

__ Menina, descanse. Você já começa a trabalhar amanhã e ainda se comprometeu a pintar a casa.

A casa só precisava de uma pintura; estava em perfeito estado. Era a casa mais próxima da mansão Vitorino. Da varanda do quarto de Guilherme, era possível ter uma visão plena da janela de um dos quartos que Rosa escolheu como dela por ser maior e também da pequena varanda da casinha.

__ Nada disso, Meg. O senhor Guilherme disse que eu preciso de privacidade, mas acho que ele é quem precisa. Não vou e nem quero incomodar; fui um incômodo por muito tempo em uma casa que minha mãe deixou para mim, mas que nunca foi minha, nunca foi meu, e agora...

Rosa percebeu que falava demais e que não poderia cometer um erro.

__ Continue, menina.

__ Melhor não, Meg.

Depois que almoçaram, Rosa passou o restante da tarde pintando a casa. Vitinho brincava como jamais havia brincado. Meg se despediu de Rosa, dizendo que iria para sua casa e voltaria no dia seguinte.

Rosa pegou suas coisas e pensou que poderiam ficar na casinha, mesmo com o cheiro forte de tinta. Ela se sentia intimidada pelo patrão; o olhar dele era como fogo sobre sua pele.

Era noite. Rosa organizava algumas coisas enquanto Vitinho assistia televisão. Meg havia pedido a um dos seguranças que instalasse uma televisão que estava em um dos quartos da mansão na casa de Rosa, dizendo que crianças gostavam de assistir, e era verdade.

Rosa se assustou com as batidas na porta. Eram leves, mas ainda assim a assustaram. Ela fez sinal para Vitinho se manter em silêncio e perguntou quem era.

__ Sou eu, Rosa. Guilherme.

Ela abriu a porta.

__ Rosa, por que não cumpriu o combinado?

Ela ficou confusa, mas achou que poderia ser por conta da janta dele.

__ Achei que começaria somente amanhã. Me perdoe.

__ Rosa, o combinado foi que você ficaria na minha casa até tudo se organizar por aqui. Vi que mexeu com tinta durante toda a tarde. O cheiro está forte.

__ Não está tão ruim.

__ É a saúde do seu filho que também está em jogo.

Guilherme pensou que seria bom conversar com ela.

__ Já jantaram?

Rosa ficou calada.

__ Claro que não, né? O que vocês comeriam se não fizeram compras e nem tem supermercado por perto? Apague as luzes, Rosa. Vamos para casa.

Rosa não respondeu, apenas obedeceu. Vitinho já havia reclamado de fome, mas não seria a primeira vez que dormiriam com o estômago roncando.

Guilherme os acompanhou até a mansão. O silêncio entre eles era ensurdecedor. Ele os conduziu para a cozinha.

__ Talvez o garoto tenha nascido mudo porque você é quase uma.

Rosa olhou para ele indignada.

__ Estou brincando, Rosa. É só uma brincadeira de mau gosto pra ver se você pelo menos decide conversar discutindo.

Ele queria ouvir a voz dela; era doce. Vitinho sorriu. Ele não era uma criança de sorriso fácil.

__ Podemos comer? – Rosa perguntou.

__ Pra quem não queria...

Guilherme esquentou uma torta que estava na geladeira. Também havia suco, pois ele não costumava comer comidas pesadas à noite.

__ Rosa, por que saiu do campo pra vir parar num lugar como este?

Ele queria saber sobre ela e também quebrar o clima de silêncio que havia ficado.

__ É complicado.

Ele entendeu que ela não queria falar. Com a ajuda dele, Rosa deixou a cozinha organizada.

__ Venha, vou mostrar o quarto onde você vai ficar e o quarto do menino.

__ Dormimos juntos.

__ A casa tem quarto suficiente para cada um dormir no seu.

Rosa e Vitinho dormiam juntos em uma única cama para se protegerem.

__ Estamos acostumados a dormir juntos.

__ Vitinho já tá um menino grande, né, rapaz?

Guilherme bagunçou os cabelos de Vitinho, que sorriu novamente.

__ Já já começa com namoradinha, e aí você não vai ficar entre ele e a namorada, né?

Guilherme percebeu que Rosa estava nervosa; ela apertava as mãos em sinal de autocontrole.

__ Fique tranquila, Rosa. Você e o menino estão seguros aqui. Não tem por que se preocupar.

Guilherme estranhou ao perceber que Rosa e Vitinho tinham apenas duas mochilas.

__ Talvez seja o caso de Meg procurar outra pessoa. Parece que veio pra ficar por pouco tempo.

Ela entendeu a indireta por conta das poucas coisas que trouxeram.

__ Não tínhamos muita coisa pra trazer.

__ Amanhã você vai à cidade comprar o que precisar. Receberá o ticket-refeição e também o adiantamento do salário. Pode comprar roupas.

Ela se limitou a balançar a cabeça em concordância. Guilherme ficou se perguntando por que estava conversando e perguntando tanto. Talvez fosse porque ouvir a voz dela era bom, e isso o incomodou.

Guilherme observou o cuidado de Rosa com Vitinho. Achou que ela era uma mãe jovem, mas ainda assim uma ótima mãe.

__ Se sentir medo, me chame, meu amor. Sua Rosinha estará logo ao lado.

O menino deu um beijo no rosto dela. Ia dizer que a amava, mas não poderia.

Rosa saiu do quarto.

__ Precisa de mais alguma coisa?

__ Não. E você, Rosa?

Ela balançou a cabeça em sinal de não.

__ É sempre assim?

Ela o olhou interrogativa.

__ Responde sempre balançando a cabeça?

__ Se não vai mais precisar de mim, vou me recolher. E, senhor Guilherme, obrigada por me receber com Vitinho.

__ Não o deixaria, né?

__ Nunca. Ele é tudo que tenho.

__ E sua irmã?

__ Boa noite, senhor Guilherme.

Ela saiu, mas ele a parou.

__ Espero que goste de ser acordada bem cedo pelo barulho do metrô que passa logo perto.

__ Se soubesse como éramos acordados, teria certeza que sim, que gostaremos do barulho do metrô.

Ele ficou intrigado com a fala dela. Até quis saber mais, mas ela deu boa noite e se retirou.

Guilherme, por muito tempo, pensou que ninguém fosse capaz de abalar sua estrutura, que ele achava inabalável. Era um homem firme e até considerado frio, embora Meg não concordasse. Mas descobriu que Rosa era capaz de abalar seu mundo inteiro, tirando qualquer tipo de sanidade que ele tivesse. Ainda assim, ele não arriscaria. Não enfrentaria a rejeição.

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