Só conseguimos começar o treinamento uma semana após nossa conversa. Meus compromissos como Rainha eram muitos: reuniões, festas e até mesmo passeios e viagens. Quem cuidava de tudo para mim era meu secretário Elmos, que tinha auxiliado muitas vezes minha mãe com a organização de seus afazeres também, para não faltar e nem se esquecer de nada. Era um excelente profissional e amigo para todas as horas.
No dia marcado, acordei muito ansiosa, e apesar das recomendações de Aron quanto a minha alimentação, não consegui comer quase nada, somente água e algumas frutas. Finalmente chegara o dia em que iria iniciar meu treinamento para ser uma líder em lutas e batalhas, esse era o meu desejo e ele estava prestes a começar.
Não seria apenas uma Rainha, mas sim uma guerreira pronta para enfrentar qualquer problema. Tive muita rejeição e alerta de meus conselheiros para não seguir adiante e mudar de ideia. Muitos deles me disseram que não era atividade para uma mulher e muito menos para uma jovem Rainha. Isso só me dava mais forças e me estimulava ainda mais a começar meu treinamento. Desejava provar a eles que estavam errados e que uma mulher é capaz, sim, de aprender a lutar e se tornar uma guerreira, uma líder não só como Rainha, mas também liderando um exército em uma batalha, se fosse preciso.
Vesti-me de acordo com a orientação de Aron, usei calças, pela primeira vez, camisa, botas e um casaco pronto para receber uma leve armadura quando começasse o treino.
Confesso que a princípio achei aquela roupa estranha e foi um pouco difícil de me acostumar com ela, mas aquilo não seria um empecilho e nem iria me desanimar.
Quando cheguei até a sala principal do castelo, Aron estava me esperando para irmos juntos até o local que ele havia escolhido para nosso treinamento.
Ele sorriu e com um aceno entendi que estava feliz em me ver daquela maneira, seus olhos brilharam para mim como nunca tinha acontecido, ele parecia orgulhoso por me ver seguir com meu destino.
Na estrebaria, pegamos nossos cavalos, que já estavam selados nos esperando, equipados com algumas bolsas que carregavam as armas.
Seguimos até o bosque próximo, dentro do reino mesmo. Era um espaço interessante e muito bonito.
Chegando lá, Aron me ajudou a descer do cavalo e senti sua mão entrelaçar minha cintura. Meus sentidos mudaram. Senti seu corpo muito próximo ao meu, mais perto do que jamais estivemos durante todos esses anos, nossos rostos e olhares próximos demais para suportar.
Por um instante, pensei que fosse me beijar, mas, logo em seguida, afastou-se constrangido.
— Vamos começar por aqui hoje. O que acha do local? — perguntou disfarçando, como se nada demais tivesse acontecido.
— Gosto, muito bonito. Excelente escolha. — Disfarcei também, afinal podiam ser apenas coisas da minha cabeça, apenas uma coincidência, algo que ele nem percebeu. Será?
— Então, vamos começar. A sua primeira lição é aprender a como se portar em uma luta, sua postura é muito importante para segurar as armas e começar a lutar, depois você vai aprender tudo sobre as armas que irá utilizar — ele me explicava com entusiasmo, contando o nome de todas as armas e para o que elas serviam. Aos poucos, pude tocá-las, descobri como segurá-las e como usá-las para golpear.
Das que usaríamos individualmente, a que mais me encantou foi a espada para esgrima, era muito bonita, e quando a segurei para aprender a usá-la, uma linda lembrança de meu pai surgiu. Cheguei a presenciar algumas vezes ele lutando com Hamom, treinavam sempre que era possível e ambos duelavam muito bem.
Ah! Meu pai. Se pudesse me ver agora, iniciando meu aprendizado, sei que sentiria muito orgulho de sua filha. Uma imensa saudade me invadiu, mas tive que deixar aqueles pensamentos voarem para outro lugar e me manter concentrada em meu aprendizado.
Aprendi também a usar mais duas espadas e a utilizar a adaga para proteção. As outras espadas eram um pouco mais pesadas. Teria que me acostumar, pois carregaria uma comigo sempre que estivéssemos treinando.
Entendi que tínhamos à disposição catapultas para atacarmos nossos inimigos durante uma batalha, flechas também ajudariam muito, por isso um dos ensinamentos envolviam o arco e flecha que aprendi a utilizar com um pouco mais de dificuldade. Com o tempo, consegui praticar com muita habilidade.
No decorrer dos dias, fizemos muitos exercícios para postura, alongamentos e golpes com e sem a espada. Até que chegou o dia em que teríamos nossa primeira luta, seria importante para colocar em prática os exercícios que aprendera até ali e, estava claro, ainda não utilizaria uma espada de verdade, poderia machucá-lo sem querer e me machucar também.
Todos os dias treinávamos pela manhã naquele bosque. Não faltava nenhum dia e ele também não. Aquilo havia se tornado minha vida, meu maior objetivo, a realização de um sonho.
Os exercícios e aprendizado me ajudavam a manter meu corpo e mente sãos e me levavam cada dia mais ao meu maior desejo.
Às vezes, ficava imaginando o que meus pais pensariam de mim se me vissem treinando. Minha mãe ficaria aflita pela minha integridade física e meu pai ficaria também, mas imagino que o orgulho em ver sua filha seguindo a tradição da família seria maior. Sempre que pensava nisso, não me continha em sorrir e uma sensação boa invadia meu coração.
Apreciava muito também ter a companhia de Aron todas as manhãs, em alguns dias até tomávamos café juntos, com um convescote no bosque, sentia-me como criança novamente. Conversávamos e lembrávamos de nossas brincadeiras de infância e nossas traquinagens. Era um jeito muito divertido de começar o dia e uma ótima preparação, um pré-treinamento.
Houve um dia em que fizemos o desjejum juntos, descansamos um pouco e após alguns exercícios de relaxamento e alongamento começamos nossa primeira luta.
Logo no começo, ele conseguiu me deter e aplicar um golpe, mas consegui revidar também e me defender. Comecei a perceber que fazia aquilo muito bem, parecia natural, como se meu corpo soubesse o que fazer e tivesse nascido para tal. Apesar de algumas dificuldades, sempre me mantinha em pé, defendia-me dos golpes e conseguia golpear algumas vezes. Quando terminamos nosso primeiro duelo, Aron aplaudiu, dizendo:
— Parabéns Vossa Majestade, uma aluna exemplar! Aprendeu tudo que lhe ensinei e foi muito bem para sua primeira luta.
— Obrigada, querido mestre. Tenho um ótimo treinador — respondi e agradeci fazendo uma reverência e rindo um pouco de mim mesma. Estava muito cansada e, ao mesmo tempo, muito feliz.
Os dias seguiram-se assim, dividindo meus compromissos como rainha com meu treinamento para ser uma guerreira, a cada dia e a cada aula ficava mais feliz e mais entusiasmada em continuar.
Poderia até parecer bobagem para algumas pessoas, mas, para mim, ter essa oportunidade todos os dias era uma grande realização. Estava verdadeiramente encantada com minha nova vida e rotina.Apesar de toda a dor que ainda sentia pela ausência de meus pais, descobrir que era capaz de seguir em frente, governar um reino e realizar meus sonhos, mesmo com muitas opiniões contrárias ao que eu estava fazendo, era compensador.Além de tudo isso, estava redescobrindo a amizade com uma das pessoas mais importantes da minha vida, da minha infância. Estava também descobrindo um grande amor e mesmo sem saber se ele também me amava, estar com Aron todos os dias era um bálsamo, a melhor hora do dia. Sentia-me encantada por sua força, sua garra, seus ensinamentos, suas histórias, tudo nele me fascinava.Acordava feliz por saber que seria ele uma das primeiras pessoas que eu veria no meu dia.Alegrava-me ouvir sua voz, ver seu sorriso, sua alegria de viver e de me ensinar tudo que sabia.Ele parecia
Conversando com o senhor Robert em nossa reunião, pude perceber o quanto ele era interessado em nossas terras e que tinha ideias maravilhosas e novas técnicas de plantio que já eram usadas em suas terras e, segundo ele, tinha lhes dado muito lucro nos últimos anos.Não entendia muito do assunto, mas Frederico, meu conselheiro que cuidava - e muito bem - dessa parte, estava comigo na reunião e ajudou-me a entender melhor.— Rainha Malena, Vossa Majestade nem pode imaginar o quanto ficaria feliz em ter a permissão para lhe ajudar com minhas novas ideias. Se lhes forem úteis, estou à inteira disposição para lhe oferecer ajuda e juntos prosperarmos ainda mais.— Nossas plantações já são muito produtivas, Senhor Robert, mas melhorar é sempre bom. Estou aberta a ouvir suas ideias e se forem coerentes podemos, sim, trabalhar juntos. O que acha dos projetos apresentados, Senhor Frederico? — Ele estudava atentamente os papéis que havia lhe entregado.— Excelentes, Vossa Majestade! Tão bons e t
No dia do convescote, quando cheguei ao jardim, elas já me esperavam. A felicidade estava estampada em seus sorrisos. Gostei muito delas pela simplicidade e simpatia. Estavam muito bonitas e bem vestidas. Agnes, com um vestido florido em tons de verde, e Bethany, com um lindo vestido lilás. O meu vestido era azul, escolhido por minhas amas, gostava dele e combinava muito bem com a ocasião. Minhas amas eram incríveis!Ao me verem, fizeram reverências e as cumprimentei:— Boa tarde, Agnes, Bethany. Como estão passando nesse lindo dia?— Estamos bem, Vossa Majestade, e felizes pelo seu convite! — respondeu Bethany, encantada.— Felizes em lhe fazer companhia nesse convescote. Vossa Majestade, como tem passado? — completou Agnes.— Muito bem também! Obrigada!Senti que elas gostavam de mim, assim como eu delas. Conversamos bastante durante nosso lanche e compartilhamos algumas experiências. Elas me contaram sobre como viviam em Tamina, a infância das duas e algumas aventuras de crianças e
Com certeza, eu o conhecia muito bem e não podia entender o que estava acontecendo. Como ele poderia aceitar que sua família escolhesse uma noiva para se casar? Não entendia, porque aquilo não combinava com Aron, e não conseguia respostas para aquelas perguntas. Assim, continuava sem entender e sem acreditar que aquilo era possível.Após aquela revelação, fiquei aturdida e não consegui me concentrar em mais nenhuma conversa. Usei a desculpa de que precisava voltar ao castelo para um compromisso e fui embora. Minha cabeça girava, meus sentidos estavam bagunçados e uma dor muito forte apertava meu coração.No dia seguinte, em nosso treinamento, encontrei com Aron no lugar de sempre e mal consegui lhe dar bom dia. Minhas primeiras palavras a ele foram:— Conheci sua futura noiva, tomamos um chá ontem à tarde — falei, olhando bem em seus olhos para ter certeza de qual seria sua reação.— Já fiquei sabendo, ela me disse que havia conhecido a rainha e se tornado amiga dela em pouco tempo. C
Após exatos três meses, chegou o dia em que perderia Aron para sempre, o dia de seu casamento com Agnes. É claro que participei de todos os preparativos com a noiva. Ele quase não falava no assunto e, apesar de nos vermos todos os dias, não conversávamos sobre isso.Recebi o convite de Agnes para abençoar o casamento e não pude recusar. Após a cerimônia com o Bispo, ela desejava que sua união fosse abençoada pela rainha, como era de costume nos casamentos da realeza.Se meu pai fosse vivo e eu me casasse, ele, como Rei, deveria dar as bênçãos ao meu casamento. Dizia a lenda que, se isso não acontecesse, a união seria amaldiçoada. Agnes não queria correr esse risco e dizia:— Além de toda essa tradição, sou amiga da rainha, o que vale a benção duplamente, não é mesmo? Triplamente, melhor dizendo, já que meu noivo também é vosso amigo.— Sim, com certeza! Farei as honras da benção com todo prazer, minha amiga — disse com sinceridade, apesar de todo sofrimento preso em minha alma e em me
Enfim, entrava na capela do castelo para presenciar a cerimônia de casamento. Fui anunciada com todas as honras e sentei-me no trono real, que ficava no altar ao lado da cadeira do Bispo, Dom Ângelo III, nosso sacerdote e amigo da família há um bom tempo. Convidei-o algumas semanas antes para realizar a cerimônia e, apesar de relutar um pouco, acabou aceitando.— Vossa Graça entende que sou designado para cerimônias da realeza, não é mesmo? — O Bispo demonstrava um pouco de impaciência.— Sim, Vossa Eminência. Entendo perfeitamente, mas trata-se do casamento de grandes amigos da nobreza e estou cedendo os espaços do castelo para cerimônia e baile, então, seria muito importante se Dom Ângelo fizesse a celebração e atendesse a um pedido de Vossa Rainha.Tentava convencê-lo, o que foi até fácil, considerando a teimosia persistente em todas as conversas com ele, desde a época de meu pai. O rei sempre contava histórias sobre como o Bispo era difícil de lidar.— Sinceramente, esperava estar
— Como você está, Malena? Como se sente? — perguntou Aron, assim que começamos a dança.— Bem. Sinto-me bem. Porque a pergunta?— Percebi que não estava bem na hora da benção, fiquei assustado e preocupado que estivesse doente, pensei que não conseguiria abençoar nosso casamento.— Claro que não! Daria a bênção a vocês mesmo que estivesse doente, mesmo que estivesse de cama. Fique tranquilo, estou bem. Creio ter sido apenas um mal-estar devido ao calor.— Não fale isso nem de brincadeira. Sua saúde é muito importante, deve ser muito bem cuidada. Tem certeza que está realmente bem? Não está me escondendo nada?— Claro que não! O que poderia lhe esconder? — A não ser o fato de que lhe amo, não lhe escondo mais nada. — Estou ótima! Foi apenas um mal súbito, já passou!— Que bom! Então fico mais tranquilo. Estava bem quente lá dentro mesmo. Aqui fora está mais fresco e você me parece melhor.— Sim, estou sim! E você? Como se sente agora que está casado?— Bem, me sinto bem! Por enquanto n
Quando a viagem de núpcias acabou, voltamos ao treinamento e aos chás da tarde. Meus dias eram cheios de compromissos, não era fácil governar um reino. Tudo, absolutamente tudo, dependia de uma decisão da Rainha e deveria passar pelo meu conhecimento e consentimento. Por isso, treinar e conversar com minha amiga à tarde era o que mais me distraía e ajudava a seguir em frente.Aron me ajudava a treinar e a não esquecer tudo que me ensinou. Não era fácil estar com ele todos os dias; mesmo dizendo a mim mesma que tinha enterrado aquele amor, estar em sua presença era perturbador. Tentava não pensar demais enquanto estávamos juntos e buscava ser a amiga de sempre, mas era muito difícil.Dois meses depois, Agnes veio para o chá da tarde radiante e não se aguentava de tanta felicidade:— Tenho uma grande notícia para lhe dar, minha amiga. Tenho certeza que ficará muito feliz!— Percebo que deve ser muito importante essa notícia, você está mais feliz hoje do que qualquer outro dia. O que hou