Poderia até parecer bobagem para algumas pessoas, mas, para mim, ter essa oportunidade todos os dias era uma grande realização. Estava verdadeiramente encantada com minha nova vida e rotina.
Apesar de toda a dor que ainda sentia pela ausência de meus pais, descobrir que era capaz de seguir em frente, governar um reino e realizar meus sonhos, mesmo com muitas opiniões contrárias ao que eu estava fazendo, era compensador.
Além de tudo isso, estava redescobrindo a amizade com uma das pessoas mais importantes da minha vida, da minha infância. Estava também descobrindo um grande amor e mesmo sem saber se ele também me amava, estar com Aron todos os dias era um bálsamo, a melhor hora do dia. Sentia-me encantada por sua força, sua garra, seus ensinamentos, suas histórias, tudo nele me fascinava.
Acordava feliz por saber que seria ele uma das primeiras pessoas que eu veria no meu dia.
Alegrava-me ouvir sua voz, ver seu sorriso, sua alegria de viver e de me ensinar tudo que sabia.
Ele parecia encantado com nossos momentos juntos também. Percebia que ele me ensinava e me treinava com empolgação, não era apenas uma obrigação por eu ser sua rainha e ele ter que fazer as minhas vontades, era verdadeiro. Pelo menos, esse sentimento de satisfação pelo que estávamos vivendo juntos era recíproco, isso eu tinha certeza.
Quanto ao amor, não conseguia descobrir se era também. Observava suas atitudes comigo, seus olhares, seu jeito de me tratar, mas não conseguia entender o que significava. Muitas vezes julgava que ele correspondia aos meus sentimentos, e em outras tinha a certeza que não, que ele me considerava como uma irmã.
Em uma ocasião, quase no final do treinamento, resolvemos fazer mais um duelo. Sempre fazíamos para treinar melhor os golpes e as armas. Além disso, Aron me passava todas as estratégias necessárias para liderar um exército e como agir em uma batalha. Nesse dia, ficamos muito empolgados com o meu progresso e ele me desafiou, sorrindo:
— Penso que Vossa Majestade não aguentaria mais um duelo por hoje?
— Como não? É claro que aguento. Vamos recomeçar. — Olhei para ele, confiante.
— Desse jeito você ficará melhor do que seu mestre — disse ele, ainda sorrindo e dando uma piscadinha sarcástica.
— Imagino que melhor não, mas tão boa quanto, com certeza!
Recomeçamos o treinamento prático. Estava cansada, é claro, porém não podia deixar que ele percebesse e nem ia admitir que não aguentaria mais um duelo. Afinal, em uma guerra não há muito tempo para descansar e tinha a certeza que ele estava me testando, como sempre fazia.
Foram vários golpes, de ambas as partes, e não consigo dizer precisamente quanto tempo se passou, todavia, ao distrair-me por um segundo, ele conseguiu me deter e sem perceber a força que colocou na espada me fez cair para trás.
No mesmo instante, veio ao meu socorro, tentando levantar-me, sem conseguir. Dessa vez, caímos os dois; na verdade, Aron me segurou de um jeito que acabou por me girar e caí por cima dele. Foi por poucos instantes, mas meu coração acelerou e não consegui deixar de fitá-lo. Ficamos muito próximos. Eu quase não conseguia respirar, percebi seus olhos correrem pela minha face e pararem ao chegar aos meus lábios. Imaginei como seria doce o seu beijo e como ficaria feliz em perder-me naqueles lindos olhos negros. Logo em seguida, ele fez um gesto negativo, afastando seu corpo do meu e me colocando de lado no gramado com toda delicadeza. Apesar de todo o cuidado, aquela atitude me feriu mais do que se ele tivesse simplesmente me jogado ao chão.
— O que foi, Aron? Algum problema? — Arrependi-me no mesmo instante em que perguntei e temi sua resposta.
— Nada, não foi nada! Só queria ter certeza de que estava bem. Desculpe-me, penso que coloquei muita força no golpe e imaginei que você suportaria, não queria te derrubar. — respondeu-me com a voz mais suave e mais doce do mundo, tirando-me o chão.
— Tudo bem, não foi culpa sua, eu que tive um momento ruim e fiquei distraída, não sei por quê. Eu que peço desculpas. Fique tranquilo, não foi nada, estou bem, isso não acontecerá novamente e não me distrairei mais.
Levantei-me e fui em direção ao meu cavalo. Desejava sair dali o mais rápido possível, não aguentaria se ele me dissesse que não me correspondia e que não queria me beijar, não aguentaria ser rejeitada por ele. Queria gritar, chorar e não podia fazer nada na sua frente. Subi no cavalo e virei em sua direção, dizendo:
— Por hoje é melhor terminarmos. Obrigada e até amanhã. — Sai galopando sem olhar para trás. Percebi que ele não me acompanhou e voltei sozinha para o castelo.
Entrei bem rápido e fui direto aos meus aposentos, ignorando muitas pessoas que me cumprimentavam pelo caminho. Ao chegar lá, pedi licença às minhas criadas e assim que elas saíram desabei em minha cama, podendo, enfim, chorar e colocar para fora toda aquela angústia, todo aquele desejo reprimido pelo que não aconteceu.
Permiti somente a presença de Gertrude, precisava do seu colo acolhedor, aquele que sempre estava ali quando eu mais precisava e que nunca me abandonava. Ela, sem fazer perguntas e entendendo que eu estava novamente com o coração partido, me acolheu e me amparou. Minha ama, minha querida e amada segunda mãe. Havia perdido minha verdadeira mãe, mas tive a sorte de ter duas nessa vida.
Fiquei ali por um bom tempo até esgotar minhas lágrimas e conseguir me recompor. Quando foi possível, conversamos rapidamente sobre o ocorrido, e ela com todo cuidado, aconselhou-me.
— Se ele não lhe quiser é porque não lhe merece, minha querida. Levante a cabeça e siga em frente, com toda força e delicadeza de sempre.
— Obrigada mais uma vez, Gertrude. Você tem toda a razão.
Segui o conselho daquela sábia mulher que, apenas sorrindo, ajudou-me a me refazer para seguir adiante. Tinha muitos compromissos ainda pela frente e precisava seguir com aquele dia, que de azul e colorido havia se tornado frio e cinzento.
***
Continuamos com os treinamentos diários. Acordava mais cedo todos os dias, como sempre, contudo nossos encontros não eram mais os mesmos, parecia que alguma coisa havia se perdido.
Conversávamos como se nada tivesse acontecido e a partir daquele dia tomava muito cuidado durante o treinamento para não me distrair, pois não queria que aquela situação constrangedora se repetisse. Além do mais, não podia deixar que qualquer distração tirasse meu foco, meu objetivo, que era saber duelar quando fosse preciso para me defender e defender o meu reino.
Seguimos assim, Aron ensinando tudo o que sabia e eu querendo aprender muito, sempre dedicada e curiosa. Quase não conversávamos sobre outros assuntos que não fossem referentes ao treino, armas, duelos, guerras. Era melhor assim. A princípio, fiquei incomodada, mas com o passar dos dias percebi que era o melhor que podíamos fazer, já que pelo que tinha entendido ele não me correspondia. Sendo assim, era melhor mesmo mantermos o silêncio e seguirmos em frente. É claro que foi uma ilusão minha pensar desse modo.
Certo dia, fui informada que uma nova família estava formando residência na nossa vila. Fiquei curiosa em saber quem eram e os convidei para um chá da tarde. A única coisa que sabia sobre eles é que eram muito ricos, um casal com duas filhas, e tinham terras muito produtivas em uma cidade distante.
Na tarde seguinte, recebi os novos moradores no salão de chás do castelo, uma sala aconchegante com lareira, tapetes decorativos, lindas cortinas e castiçais, além de uma mesa muito farta e acolhedora.
Foram anunciados por um de meus guardas:
— A família Forense acaba de chegar, Vossa Alteza. Apresento-lhe o Senhor Robert Forense e sua Senhora Louise Forense, acompanhados de suas filhas Agnes e Bethany.
Entraram fazendo reverências e cumprimentos.
— Vossa Majestade, uma boa tarde! — disse o Senhor Robert em seguida a Senhora Louise completou.
— Vossa Graça! Um imenso prazer em conhecê-la!
— Obrigada por terem aceitado meu convite e boa tarde. O prazer é todo meu em conhecê-los e à suas filhas também. — Apontei para as duas moças que pareciam olhar-me com encantamento.
Eram duas jovens muito bonitas e estavam muito bem vestidas e ajeitadas. Agradeceram com sorrisos empolgantes. Percebi que Agnes era um pouco mais nova do que eu, talvez um ano, no máximo.
— Que bons ventos os trazem até o nosso belo país? — Fiz um gesto, indicando para que eles sentassem.
— Viemos a negócios por algum tempo, por isso compramos uma casa na vila para nos acomodarmos — respondeu o Senhor Robert.
— Que bom! Espero que possamos conversar a respeito em outra oportunidade.
— Com certeza, Vossa Alteza, será um prazer contar-lhe o que viemos fazer em Minsk.
Conversamos bastante durante o chá e marquei uma reunião com o Senhor Forense para o dia seguinte, estava curiosa para saber quais eram seus interesses em nosso país.
Convidei Agnes e Bethany também para um convescote no jardim do castelo, elas ficaram eufóricas e aceitaram de imediato. Seria muito bom fazer novas amizades, principalmente com pessoas da minha idade e mulheres como eu, pois a maioria de meus amigos eram mais velhos ou homens e sobre alguns assuntos não me sentia à vontade para tratar com eles. Claro que era bem difícil fazer novos amigos, afinal, eu era a Rainha agora e havia certo receio por parte das pessoas em se aproximarem de mim. Eu nunca sabia se tudo o que recebia era sincero ou era apenas pela minha posição. Não era nada fácil ser Rainha na minha idade, não era mesmo!
Conversando com o senhor Robert em nossa reunião, pude perceber o quanto ele era interessado em nossas terras e que tinha ideias maravilhosas e novas técnicas de plantio que já eram usadas em suas terras e, segundo ele, tinha lhes dado muito lucro nos últimos anos.Não entendia muito do assunto, mas Frederico, meu conselheiro que cuidava - e muito bem - dessa parte, estava comigo na reunião e ajudou-me a entender melhor.— Rainha Malena, Vossa Majestade nem pode imaginar o quanto ficaria feliz em ter a permissão para lhe ajudar com minhas novas ideias. Se lhes forem úteis, estou à inteira disposição para lhe oferecer ajuda e juntos prosperarmos ainda mais.— Nossas plantações já são muito produtivas, Senhor Robert, mas melhorar é sempre bom. Estou aberta a ouvir suas ideias e se forem coerentes podemos, sim, trabalhar juntos. O que acha dos projetos apresentados, Senhor Frederico? — Ele estudava atentamente os papéis que havia lhe entregado.— Excelentes, Vossa Majestade! Tão bons e t
No dia do convescote, quando cheguei ao jardim, elas já me esperavam. A felicidade estava estampada em seus sorrisos. Gostei muito delas pela simplicidade e simpatia. Estavam muito bonitas e bem vestidas. Agnes, com um vestido florido em tons de verde, e Bethany, com um lindo vestido lilás. O meu vestido era azul, escolhido por minhas amas, gostava dele e combinava muito bem com a ocasião. Minhas amas eram incríveis!Ao me verem, fizeram reverências e as cumprimentei:— Boa tarde, Agnes, Bethany. Como estão passando nesse lindo dia?— Estamos bem, Vossa Majestade, e felizes pelo seu convite! — respondeu Bethany, encantada.— Felizes em lhe fazer companhia nesse convescote. Vossa Majestade, como tem passado? — completou Agnes.— Muito bem também! Obrigada!Senti que elas gostavam de mim, assim como eu delas. Conversamos bastante durante nosso lanche e compartilhamos algumas experiências. Elas me contaram sobre como viviam em Tamina, a infância das duas e algumas aventuras de crianças e
Com certeza, eu o conhecia muito bem e não podia entender o que estava acontecendo. Como ele poderia aceitar que sua família escolhesse uma noiva para se casar? Não entendia, porque aquilo não combinava com Aron, e não conseguia respostas para aquelas perguntas. Assim, continuava sem entender e sem acreditar que aquilo era possível.Após aquela revelação, fiquei aturdida e não consegui me concentrar em mais nenhuma conversa. Usei a desculpa de que precisava voltar ao castelo para um compromisso e fui embora. Minha cabeça girava, meus sentidos estavam bagunçados e uma dor muito forte apertava meu coração.No dia seguinte, em nosso treinamento, encontrei com Aron no lugar de sempre e mal consegui lhe dar bom dia. Minhas primeiras palavras a ele foram:— Conheci sua futura noiva, tomamos um chá ontem à tarde — falei, olhando bem em seus olhos para ter certeza de qual seria sua reação.— Já fiquei sabendo, ela me disse que havia conhecido a rainha e se tornado amiga dela em pouco tempo. C
Após exatos três meses, chegou o dia em que perderia Aron para sempre, o dia de seu casamento com Agnes. É claro que participei de todos os preparativos com a noiva. Ele quase não falava no assunto e, apesar de nos vermos todos os dias, não conversávamos sobre isso.Recebi o convite de Agnes para abençoar o casamento e não pude recusar. Após a cerimônia com o Bispo, ela desejava que sua união fosse abençoada pela rainha, como era de costume nos casamentos da realeza.Se meu pai fosse vivo e eu me casasse, ele, como Rei, deveria dar as bênçãos ao meu casamento. Dizia a lenda que, se isso não acontecesse, a união seria amaldiçoada. Agnes não queria correr esse risco e dizia:— Além de toda essa tradição, sou amiga da rainha, o que vale a benção duplamente, não é mesmo? Triplamente, melhor dizendo, já que meu noivo também é vosso amigo.— Sim, com certeza! Farei as honras da benção com todo prazer, minha amiga — disse com sinceridade, apesar de todo sofrimento preso em minha alma e em me
Enfim, entrava na capela do castelo para presenciar a cerimônia de casamento. Fui anunciada com todas as honras e sentei-me no trono real, que ficava no altar ao lado da cadeira do Bispo, Dom Ângelo III, nosso sacerdote e amigo da família há um bom tempo. Convidei-o algumas semanas antes para realizar a cerimônia e, apesar de relutar um pouco, acabou aceitando.— Vossa Graça entende que sou designado para cerimônias da realeza, não é mesmo? — O Bispo demonstrava um pouco de impaciência.— Sim, Vossa Eminência. Entendo perfeitamente, mas trata-se do casamento de grandes amigos da nobreza e estou cedendo os espaços do castelo para cerimônia e baile, então, seria muito importante se Dom Ângelo fizesse a celebração e atendesse a um pedido de Vossa Rainha.Tentava convencê-lo, o que foi até fácil, considerando a teimosia persistente em todas as conversas com ele, desde a época de meu pai. O rei sempre contava histórias sobre como o Bispo era difícil de lidar.— Sinceramente, esperava estar
— Como você está, Malena? Como se sente? — perguntou Aron, assim que começamos a dança.— Bem. Sinto-me bem. Porque a pergunta?— Percebi que não estava bem na hora da benção, fiquei assustado e preocupado que estivesse doente, pensei que não conseguiria abençoar nosso casamento.— Claro que não! Daria a bênção a vocês mesmo que estivesse doente, mesmo que estivesse de cama. Fique tranquilo, estou bem. Creio ter sido apenas um mal-estar devido ao calor.— Não fale isso nem de brincadeira. Sua saúde é muito importante, deve ser muito bem cuidada. Tem certeza que está realmente bem? Não está me escondendo nada?— Claro que não! O que poderia lhe esconder? — A não ser o fato de que lhe amo, não lhe escondo mais nada. — Estou ótima! Foi apenas um mal súbito, já passou!— Que bom! Então fico mais tranquilo. Estava bem quente lá dentro mesmo. Aqui fora está mais fresco e você me parece melhor.— Sim, estou sim! E você? Como se sente agora que está casado?— Bem, me sinto bem! Por enquanto n
Quando a viagem de núpcias acabou, voltamos ao treinamento e aos chás da tarde. Meus dias eram cheios de compromissos, não era fácil governar um reino. Tudo, absolutamente tudo, dependia de uma decisão da Rainha e deveria passar pelo meu conhecimento e consentimento. Por isso, treinar e conversar com minha amiga à tarde era o que mais me distraía e ajudava a seguir em frente.Aron me ajudava a treinar e a não esquecer tudo que me ensinou. Não era fácil estar com ele todos os dias; mesmo dizendo a mim mesma que tinha enterrado aquele amor, estar em sua presença era perturbador. Tentava não pensar demais enquanto estávamos juntos e buscava ser a amiga de sempre, mas era muito difícil.Dois meses depois, Agnes veio para o chá da tarde radiante e não se aguentava de tanta felicidade:— Tenho uma grande notícia para lhe dar, minha amiga. Tenho certeza que ficará muito feliz!— Percebo que deve ser muito importante essa notícia, você está mais feliz hoje do que qualquer outro dia. O que hou
Aqueles meses, apesar de intensos, passaram muito rápido. Entre enjoos e desejos, a barriga ficou cada vez maior, as mudanças de comportamento, o bebê se movimentando, as dores no corpo, o cansaço do final da gestação e lá estava eu, apreciando cada momento daquela preparação para a vida, como se fossem meus momentos. Acompanhava com minha amiga, ajudava-a e amava tanto aquele bebê que meu coração transbordava de alegria. Eu o amava não só pelo fato de ser um “pedacinho” de Aron, como também pela amizade que construíra com Agnes e pela maravilhosa sensação de fazer parte da vida deles, e poder estar presente naqueles momentos tão sublimes. A hora do parto estava chegando, já haviam se passado as luas necessárias para o nascimento do bebê, a melhor parteira do reino estava à disposição de Agnes a todo o momento e nosso curandeiro, Abdus, também permanecia atento, caso precisássemos de alguma intervenção. Separei um dos melhores aposentos do castelo para ela dar à luz. Ar