A REDENÇÃO DO ALFA - O LEGADO DO REI
A REDENÇÃO DO ALFA - O LEGADO DO REI
Por: Autora Nalva Martins
1

Tristan

Quando se passa a viver dentro de um inferno o seu fogo já não surte o mesmo efeito da dor que se carrega dentro do peito. Portanto, sorrir é algo que já não consegue se fazer e o amor… esse apodreceu em algum lugar dentro do coração. Você não vive realmente, apenas existe. Mas tem um lado bom nisso tudo. A fraqueza jamais te alcançará.

Meu nome é Tristan Tybalt, eu sou o Alfa de uma alcateia temida que vive no sul da Inglaterra. Mas para chegar até aqui perdi a pessoa mais valiosa da minha vida. A companheira com quem planejei um futuro sólido, com filhos e muito amor. Desde então, passo a maior parte do meu tempo no meu império instalado em uma cidade entre os humanos. E só regresso para a Maldagam, uma floresta negra onde habitamos desde sempre em casos extremos como o dessa noite.

— Alfa!

Um lupino fala abaixando os seus olhos em sinal de respeito a minha autoridade, e aproxima-se para me receber. Contudo, não esboço qualquer reação ao seu gesto. Apenas o olho firme de onde estou.

— Onde ele está? — inquiro com um tom áspero e frio até, entregando-lhe o meu sobretudo negro, e o meu chapéu para adentrar uma vila simples no meio da floresta. Um lugar construído por nossos ancestrais, protegido pelos espíritos da floresta, além de sentinelas fortes o suficiente para garantir a segurança do meu povo.

A minha presença aqui pode trazer esperança, mas também desespero para alguns membros da alcateia. Isso depende muito dos acontecimentos. Contudo, especialmente essa noite não trago paz para nenhum deles. Bem no meio do terreno onde alguns rituais acontecem está Lachlan, um Beta que deveria manter a ordem desse lugar na minha ausência. No entanto, uma atitude sua poderá trazer uma guerra sangrenta para o nosso vilarejo e ele deverá receber uma severa punição por isso.

— Alfa, por favor tenha misericórdia dele!

Lorena, sua irmã caçula intercede. No entanto, ela conhece bem as nossas regras e sabe que eu não devo protegê-lo. Mesmo sabendo que Lachlan é o meu amigo de infância. Mesmo tendo um vínculo inesquecível com ele, é meu dever impor a regras desse lugar ou tudo estará perdido.

— Leve-o para o meu escritório! — ordeno, ignorando a súplica da jovem loba e caminho com passos firmes para a maior casa desse lugar.

Ao entrar aqui, sinto o impacto das lembranças dolorosas que esse lugar me traz. Os seus gritos, o chão vermelho banhado com o seu sangue, a nuvem negra que logo me cobriu, trazendo um inverno obscuro e permanente para a minha vida. Fecho as mãos em punho e me forço a ir para uma cadeira, que fica bem no centro da enorme sala iluminada algumas por luzes amarelas, dando ao ambiente o poderio que agora percorre a minha corrente sanguínea. Não demora para Lachlan ser arrastado para o centro da minha sala e logo ele é forçado a se ajoelhar diante de mim. Encaro um par de olhos amarelos determinados por míseros segundos em silêncio.

Ele sabe que esse será o seu fim.

— Diga-me, Lachlan, por quê? — pergunto baixo, porém, com autoridade e sem retirar o meu olhar de juiz de cima dele.

— Eles mereceram. Eles destruíram a minha família…

— Eu pedi que não fizesse nada! — Um tom gélido sai da minha boca. — Era uma ordem e você deveria ter executado como tal.

— Alfa, eu sei que não deveria. Mas eu não consegui me conter. Ela era só uma criança…

— E quantas crianças você matou essa noite por conta de uma vida? — rujo, o interrompendo.

Lachlan balbucia.

— Me diga, algumas daquelas mortes trouxe a sua irmã de volta? 

O observo trincar o maxilar.

— Quando eles mataram a Kyran, você…

— NÃO OUSE TOCAR NO NOME DA MINHA ESPOSA! — brado, o fazendo engolir as suas palavras. — Você massacrou um povo inteiro por causa de uma única vida, Lachlan. E deverá ser punido por isso.

O Beta abaixa a sua cabeça. Ele sabe que errou e dignamente ele assente, aceitando a sua punição.

— Lachlan Ryder, você será sentenciado a deixar dessa alcateia. Viverá sobre a sombra do esquecimento e será odiado entre os povos, exilado de Maldagan e de suas proximidades. — Determino a sua sentença, sentindo um aperto no meu coração. Contudo, mantenho-me firme, enquanto observo a sua cabeça se abaixar em vergonha e os seus ombros caírem sem qualquer reação.

Para um lobo, o exilio é como a sua própria morte. Dificilmente Lachlan sobreviverá lá fora sem um grupo para protegê-lo.

Forço-me a continuar.

— Seu nome será mencionado como um traidor e assassino pelas gerações. E você será a vergonha dessa alcateia. — Encerro a sua sentença e com um gesto de cabeça, ele é arrastado para fora da sala.

Desde que Kyran fora arrancada de mim, jurei para mim mesmo que traria a paz para o povo de Maldagan e para as cidades próximas a ela. E pela primeira vez sinto que falhei com a minha promessa. Isso me rasga outra vez por dentro e torna o meu inferno ainda mais rigoroso, queimando as minhas entranhas sem qualquer piedade.

— Alfa, precisa de algo? — desperto quando um Lupino fala e me dou conta de que todas já se foram.

— Eu preciso de um banho e de uma bebida forte — respondo com secura na voz e subo as escadas para ir direto para o meu quarto. Um cômodo igualmente frio e silencioso, mas que reflete os risos e sussurros que ela espelhou por esse lugar. As lembranças de momentos felizes, os gracejos e carinhos. Sinto que irei desmoronar a qualquer momento.

Respiro fundo.

Um banho quente e demorado deve acalmar essa tempestade que destrói tudo dentro de mim. Penso, livrando-me das minhas roupas e minutos depois, estou debaixo de um chuveiro que se assemelha a uma cascata. E a água logo começa a aquecer o meu corpo. Mas não por dentro, porque nada é capaz de aplacar esse gelo que habita dentro de mim.

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