3

Hazel

— Logo dias negros estarão por vir, criança. — A voz envelhecida de minha avó preenche repentinamente a sala de estar, onde as minhas irmãs discutem animadas sobre o que vestir para as festividades da colheita.

Uma noite muito divertida nos aguarda, mas Magdalena Mor está falando sobre escuridão, enquanto fita a noite que começa a cair, através de uma janela retangular de vidros transparentes. Devo dizer que é um contraste muito grande diante da alegria dos moradores de Maldócia, ma pequena cidade que fica ao sul da floresta mais tenebrosa da Inglaterra. Contudo, nunca tivemos problemas com os moradores de lá e esse é mais um motivo para não compreender a visão de uma senhora de cabelos grisalhos no canto da sala.

— Uma nuvem negra ameaça a existência dos moradores de Maldócia. — Ela continua.

— Vovó, por que não se senta um pouco? — peço, tocando com carinho nos seus ombros, para guiá-la até uma cadeira confortável. Entretanto, ao me afastar dela, sinto o leve aperto dos seus dedos no meu braço. — Você precisa aceitar o seu destino, minha querida.

— Ah!

Acordo atordoada dentro de um quarto semiescuro e completamente diferente. As lembranças de uma noite horrenda preenchem a minha cabeça. Os gritos de medo e de pavor, o fogo que tomava conta de tudo, as garras pontudas e afiadas que dizimavam quem atravessasse no seu caminho.

Assustada, levo as minhas mãos para os meus ouvidos, a fim de abafar os sons que insistem em me atormentar e quando o desespero pensa em me afogar, decido sair do quarto a procura de um lugar que me devolva a minha paz. Um corredor comprido entra no meu campo de visão e me pergunto como cheguei até aqui. Lá fora, o sol brilha radiante e os seus raios passam através das janelas que vão do teto ao chão, deixando a claridade fazer o seu melhor.

Onde estou?

Que lugar é esse?

No final do corredor, fito uma escadaria e receosa me aproximo, mas não vejo ninguém lá embaixo. Contudo, decido descer com cautela e ir à procura de respostas.

— Ah, você acordou! — Uma senhora fala entusiasmada, abrindo um sorriso doce que eu não retribuo. — Você deve estar com fome.

… Está com fome?

Lembro-me imediatamente do homem extremamente alto e forte, que me fitava com um olhar gélido, enquanto me analisava, como se eu fosse um animal selvagem. E após a sua saída simplesmente devorei o prato que me fora servido.

Sim, eu estava faminta. Havia dias que não comia e nem bebia nada, escondida debaixo de um manto de capim seco para livrar-me da morte. Mas, ao sair de lá, vi a nuvem negra que a minha avó mencionara na noite anterior. Havia sangue espalhado por todos os lados, muitos corpos caídos no chão e as nossas casas foram todas queimadas. Lágrimas de dor preencheram os meus olhos e eu gritei, colocando a minha dor para fora para que o mundo pudesse senti-la. Entretanto, cometi o maior erro da minha vida, pois os meus gritos trouxeram os lobos de volta e desde então sou uma prisioneira deles.

Ou pelo menos eu era. Eu acho.

— Onde estou? — inquiro ainda na defensiva.

— Essa é a casa do Senhor Tristan.

— E, quem é Tristan? — Ela me lança um olhar especulativo.

— O homem que a trouxe para essa casa.

Ah claro, bem esclarecedor. Bufo mentalmente.

— Venha, a mesa já está servida. — A senhora caminha para o outro lado da sala e em silêncio a sigo, sempre atenta e olhando para tudo ao meu redor, até entrarmos em uma cozinha espaçosa. Alguns funcionários que estão atrás de um balcão comprido me olham com curiosidade e logo ela me leva para uma enorme mesa retangular. — Sente-se, querida e sirva-se do que quiser. — Ela pede, puxando uma cadeira para mim. — A propósito, eu me chamo Videira.

— Ah, eu sou a Hazel.

— Eu sei. — Ela sorrir. Franzo o cenho.

— Como sabe?

— Todos aqui já sabem o seu nome, querida Hazel. Aquele é o Senhor Jan, a Senhorita Mia e a Senhora Éris. — Videira aponta um a um, enquanto fala seus nomes.

— E, como exatamente eu cheguei aqui?

— Nos braços do Senhor Tristan. Você estava tão cansada, tadinha. Que mal abria os olhos.

Após essa conversa, me dediquei a comer algo. Depois, tomei um banho demorado e para a minha surpresa encontrei um closet cheio de roupas femininas, arrumadas em prateleiras, gavetas e araras. Só então dei uma olhada ao meu redor. O detalhe dos móveis, a decoração, as paredes na maioria em vidros transparentes, que revelam um imenso jardim na frente e na lateral da casa. Contudo, atrás tem uma mata fechada. Curiosa, aproximo-me de uma das paredes, a toco com as pontas dos meus dedos e percebo que essa casa se compara a uma imensa caixa de vidro. É como se ele quisesse se lembrar da sua natureza, enquanto fita o verde do lado de fora.

Esquisito. Penso quando me afasto e decido sair para conhecer um pouco mais desse lugar.

***

À noite, após um jantar estupidamente silencioso com o Senhor carrancudo, me tranco no meu quarto e abro um dos livros que peguei em uma ampla biblioteca. Lá fora, a lua amarela parece uma bola que me faz recordar a última noite que passei com as minhas irmãs. No entanto, forço-me a me concentrar na minha leitura, a fim de afastar esses pensamentos dolorosos. E quando os meus olhos já estão cansados, fecho o livro e me preparo para me deitar. Mas um grito assustador me fez paralisar no mesmo instante.

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