Hazel
— Logo dias negros estarão por vir, criança. — A voz envelhecida de minha avó preenche repentinamente a sala de estar, onde as minhas irmãs discutem animadas sobre o que vestir para as festividades da colheita.
Uma noite muito divertida nos aguarda, mas Magdalena Mor está falando sobre escuridão, enquanto fita a noite que começa a cair, através de uma janela retangular de vidros transparentes. Devo dizer que é um contraste muito grande diante da alegria dos moradores de Maldócia, ma pequena cidade que fica ao sul da floresta mais tenebrosa da Inglaterra. Contudo, nunca tivemos problemas com os moradores de lá e esse é mais um motivo para não compreender a visão de uma senhora de cabelos grisalhos no canto da sala.
— Uma nuvem negra ameaça a existência dos moradores de Maldócia. — Ela continua.
— Vovó, por que não se senta um pouco? — peço, tocando com carinho nos seus ombros, para guiá-la até uma cadeira confortável. Entretanto, ao me afastar dela, sinto o leve aperto dos seus dedos no meu braço. — Você precisa aceitar o seu destino, minha querida.
…
— Ah!
Acordo atordoada dentro de um quarto semiescuro e completamente diferente. As lembranças de uma noite horrenda preenchem a minha cabeça. Os gritos de medo e de pavor, o fogo que tomava conta de tudo, as garras pontudas e afiadas que dizimavam quem atravessasse no seu caminho.
Assustada, levo as minhas mãos para os meus ouvidos, a fim de abafar os sons que insistem em me atormentar e quando o desespero pensa em me afogar, decido sair do quarto a procura de um lugar que me devolva a minha paz. Um corredor comprido entra no meu campo de visão e me pergunto como cheguei até aqui. Lá fora, o sol brilha radiante e os seus raios passam através das janelas que vão do teto ao chão, deixando a claridade fazer o seu melhor.
Onde estou?
Que lugar é esse?
No final do corredor, fito uma escadaria e receosa me aproximo, mas não vejo ninguém lá embaixo. Contudo, decido descer com cautela e ir à procura de respostas.
— Ah, você acordou! — Uma senhora fala entusiasmada, abrindo um sorriso doce que eu não retribuo. — Você deve estar com fome.
… Está com fome?
Lembro-me imediatamente do homem extremamente alto e forte, que me fitava com um olhar gélido, enquanto me analisava, como se eu fosse um animal selvagem. E após a sua saída simplesmente devorei o prato que me fora servido.
Sim, eu estava faminta. Havia dias que não comia e nem bebia nada, escondida debaixo de um manto de capim seco para livrar-me da morte. Mas, ao sair de lá, vi a nuvem negra que a minha avó mencionara na noite anterior. Havia sangue espalhado por todos os lados, muitos corpos caídos no chão e as nossas casas foram todas queimadas. Lágrimas de dor preencheram os meus olhos e eu gritei, colocando a minha dor para fora para que o mundo pudesse senti-la. Entretanto, cometi o maior erro da minha vida, pois os meus gritos trouxeram os lobos de volta e desde então sou uma prisioneira deles.
Ou pelo menos eu era. Eu acho.
— Onde estou? — inquiro ainda na defensiva.
— Essa é a casa do Senhor Tristan.
— E, quem é Tristan? — Ela me lança um olhar especulativo.
— O homem que a trouxe para essa casa.
Ah claro, bem esclarecedor. Bufo mentalmente.
— Venha, a mesa já está servida. — A senhora caminha para o outro lado da sala e em silêncio a sigo, sempre atenta e olhando para tudo ao meu redor, até entrarmos em uma cozinha espaçosa. Alguns funcionários que estão atrás de um balcão comprido me olham com curiosidade e logo ela me leva para uma enorme mesa retangular. — Sente-se, querida e sirva-se do que quiser. — Ela pede, puxando uma cadeira para mim. — A propósito, eu me chamo Videira.
— Ah, eu sou a Hazel.
— Eu sei. — Ela sorrir. Franzo o cenho.
— Como sabe?
— Todos aqui já sabem o seu nome, querida Hazel. Aquele é o Senhor Jan, a Senhorita Mia e a Senhora Éris. — Videira aponta um a um, enquanto fala seus nomes.
— E, como exatamente eu cheguei aqui?
— Nos braços do Senhor Tristan. Você estava tão cansada, tadinha. Que mal abria os olhos.
Após essa conversa, me dediquei a comer algo. Depois, tomei um banho demorado e para a minha surpresa encontrei um closet cheio de roupas femininas, arrumadas em prateleiras, gavetas e araras. Só então dei uma olhada ao meu redor. O detalhe dos móveis, a decoração, as paredes na maioria em vidros transparentes, que revelam um imenso jardim na frente e na lateral da casa. Contudo, atrás tem uma mata fechada. Curiosa, aproximo-me de uma das paredes, a toco com as pontas dos meus dedos e percebo que essa casa se compara a uma imensa caixa de vidro. É como se ele quisesse se lembrar da sua natureza, enquanto fita o verde do lado de fora.
Esquisito. Penso quando me afasto e decido sair para conhecer um pouco mais desse lugar.
***
À noite, após um jantar estupidamente silencioso com o Senhor carrancudo, me tranco no meu quarto e abro um dos livros que peguei em uma ampla biblioteca. Lá fora, a lua amarela parece uma bola que me faz recordar a última noite que passei com as minhas irmãs. No entanto, forço-me a me concentrar na minha leitura, a fim de afastar esses pensamentos dolorosos. E quando os meus olhos já estão cansados, fecho o livro e me preparo para me deitar. Mas um grito assustador me fez paralisar no mesmo instante.
HazelOfegante, fito a porta do quarto e corro para fechá-la com chave. Respiro fundo algumas vezes e olho para as paredes de vidro, me perguntando se realmente estou segura nessa casa. Outro grito ecoa e esse parecia refletir uma grande dor. E curiosa, giro a chave lentamente na fechadura, abrindo apenas uma brecha da porta, para bisbilhotar o corredor vazio.— NÃO! — Outro grito surge na porta em frente a minha e me pergunto se devia ir até lá ajudá-lo.Céus, você está na casa dele, Hazel. Ajudá-lo é o mínimo que deveria fazer agora. Minha consciência aconselha-me e trêmula, respiro fundo, saindo do quarto com cautela para ir até a porta do quarto da frente.— Se… Senhor… Tristan? — gaguejo ao chamá-lo.Sim, estou muito nervosa. A verdade, é que Atlas, o lobo que me resgatou falou-me um pouco sobre esse homem. Ele é um Alfa poderoso. É temido por todos, é rígido e intolerante em suas decisões.“Não o olhe nos olhos”. Ele disse. “E não diga nada, deixe que eu mesmo falo com ele”.E a
TristanEnquanto ofego violentamente, observo a maldita feiticeira sair do meu quarto. E só após ela fechar a porta do cômodo, aproximo-me mais da janela para respirar o ar frio da noite, em uma tentativa frustrante de me acalmar. As lembranças dolorosas do maldito sonho voltam a preencher a minha cabeça, e elas me atormentam como faz todas as noites desde que tudo aconteceu.Ainda consigo ouvir os sons dos seus gritos de desespero chamando o meu nome, como a porra de um filme de terror. A minha respiração pesa dentro do meu peito igualmente aquela noite, comprimindo os meus pulmões tão rudemente, que chega a me impedir respirar. Portanto, luto em busca de ar, mas ele se recusa a encher os meus pulmões.Lembro-me que à medida que eu corria em seu socorro, sentia o desespero preencher a minha alma e rasgá-la como se fosse um simples pedaço de papel. Eu jurei protegê-la de tudo e todos, mas cheguei tarde demais. E ao entrar dentro da sala de nossa casa, vi o meu mundo tão mágico e cheio
Tristan— Bom dia, Alfa! — Latifa diz assim que adentro a sala, porém, encontro uma mesa farta como pedi, mas todas as cadeiras estão vazias.— Onde ela está? — pergunto tão friamente, acomodando-me em uma cadeira. Entretanto, a jovem sequer chega a me responder, pois logo Hazel adentra o cômodo, trazendo uma bandeja pesada nas suas mãos.Franzo o cenho, encarando-a com dureza.— O que pensa está fazendo? — Praticamente rujo para a garota, que estanca diante da mesa.— Não é óbvio, Alfa? — Ela responde atrevida, fazendo o meu sangue ferver. — Eu estou servindo a mesa.Seguro mais um rugido.— Quero que largue isso agora, Hazel! — rosno. Entretanto, a feiticeira me lança um olhar petulante, soltando uma respiração consternada.— Escute, eu lhe sou muito grata por me aceitar aqui na sua casa e por me proteger também. Agradeço por me dar um lugar confortável e quente para dormir, mas não estou acostumada a receber algo sem dar algo nada em troca.— Nesse caso, não seria lhe dado, Hazel e
HazelNão importa o quanto eu corra, a sua presença maligna não para de me acompanhar e os meus esforços jamais me salvarão da sua ira ferina. A mata escura e densa não me ajuda muito. Socorro! Tenho vontade de gritar, mas eu sei que o meu grito atrairá aquele a quem estou lutando com todas as minhas forças para escapar. Ele consegue sentir o meu cheiro e pior, consegue ouvir os meus sons, principalmente os sons da minha respiração. Não importa quão escondida eu esteja. Eu sei que ele me encontrará e que logo encontrarei o meu fim.Extremamente ofegante, paro a beira de um precipício e o desespero que me preenche parece partir a minha alma ao meio.Cautelosa, me viro para o encarar o meu fim. Ele tem um par de olhos vermelhos em cólera e as suas presas que me avisam claramente que eu não escaparei do seu ataque. A fera sabe que não tenho uma saída. Portanto, os seus paços de caçador são lentos e intimidantes, enquanto avalia a sua vítima. E com um salto o lobo parece se agigantar sob
HazelNa manhã seguinte…— Não importa, Atlas! Eu quero que investigue mais a fundo! — Escuto Tristan gritar ao telefone, enquanto os seus passos pesados ecoam pelo piso do corredor, me avisando que logo ele entrará no meu campo de visão. — Eu preciso ter certeza da verdade. Só então tomarei uma decisão.Ele adentra o cômodo e os nossos olhos se encontram. Contudo, abaixo imediatamente o meu olhar e fito o meu prato, onde tem uma fatia de bolo que ainda não toquei.— Tudo bem! Assim que tiver algo quero que me avise, não importa a hora. — Ele encerra a ligação e se acomoda a mesa. No entanto, ao segurar o talher, percebo um arranhão na sua pele e me pergunto como o conseguiu? — Preciso que fique dentro de casa hoje, Hazel. — Tristan avisa de repente, me fazendo erguer os meus olhos.— Por quê?— Porque eu estou dizendo que você não pode sair! — ruge e eu sei que ele quer me causar medo. Mas a verdade, é que essa sua atitude grosseira e feroz está me deixando com raiva.— Então agora e
TristanQuando se passa a viver dentro de um inferno o seu fogo já não surte o mesmo efeito da dor que se carrega dentro do peito. Portanto, sorrir é algo que já não consegue se fazer e o amor… esse apodreceu em algum lugar dentro do coração. Você não vive realmente, apenas existe. Mas tem um lado bom nisso tudo. A fraqueza jamais te alcançará.Meu nome é Tristan Tybalt, eu sou o Alfa de uma alcateia temida que vive no sul da Inglaterra. Mas para chegar até aqui perdi a pessoa mais valiosa da minha vida. A companheira com quem planejei um futuro sólido, com filhos e muito amor. Desde então, passo a maior parte do meu tempo no meu império instalado em uma cidade entre os humanos. E só regresso para a Maldagam, uma floresta negra onde habitamos desde sempre em casos extremos como o dessa noite.— Alfa!Um lupino fala abaixando os seus olhos em sinal de respeito a minha autoridade, e aproxima-se para me receber. Contudo, não esboço qualquer reação ao seu gesto. Apenas o olho firme de ond
TristanAlgumas horas depois...— Tristan? — Atlas, um dos ômegas mais próximos a mim fala assim que adentra a sala, onde uma mesa farta de café da manhã está exposta. — A quanto tempo, meu amigo? — Ele cantarola com ínfimo prazer, porém, apenas aponto uma cadeira para ele do outro lado da mesa.— O que o traz aqui tão cedo, Atlas? — inquiro, servindo-me uma xícara de café e ele faz o mesmo em seguida.— Eu preciso de um favor, Alfa. — Arqueio as sobrancelhas e aguardo que ele continue. — É sobre o ataque em Maldócia… — fala, referindo-se ao massacre na vila dos feiticeiros.— O que tem Maldócia?— É que, temos uma sobrevivente. — Confesso que essa informação me pegou de surpresa.— E?— Se você pudesse levá-la para a cidade consigo…— Fora de cogitação. — O corto determinado.— Alfa, se o Senhor pudesse protegê-la. — Ele insiste.— E por que eu faria isso? — ralho com desdém.— Hazel não tem mais ninguém, Alfa. Todos que ela amava e confiava morreram. E se ela ficar aqui, com certeza