Lívia Narrando
A semana passou como um flash, mas confesso que gostei muito de passar esses dias sendo a diretora no lugar da Ana. Com certeza essa experiência vai me moldar para um futuro próximo. Ela havia me ligado hoje bem cedo para dizer que vai se ausentar mais duas semanas mas que estava tudo indo muito bem, disse que estava orgulhosa de mim mas não estava surpresa pois já sabia da minha capacidade. Como hoje é sábado não precisei ir para o morro, mas acordei cedo mesmo assim, quero passar um tempo com dona Cláudia, a semana toda correndo de um canto pro outro sem tempo de ficar com ela. Levantei logo da cama e fui pra cozinha preparar nosso café da manhã enquanto elas dormiam. Antigamente eu não me dava muito bem na cozinha, mas depois dos quinze finalmente aprendi, a minha irmã até hoje não faz conta de encostar no fogão, sempre digo a ela que nossa mãe não é eterna. Já estava terminado de colocar as xícaras quando dona Cláudia veio calambiando de sono ainda pela casa. — Que cheiro de café bom amor! — Ela sorriu — Mas devia ter aproveitado pra dormir mais Liv — Meu corpo precisa acordar cedo todo dia pra se acostumar, bom dia senhora — Digo tirando a cadeira pra ela. — Bom dia minha filha, você viu que horas sua irmã chegou ontem? A minha mãe toma remédios pra dormir desde a morte do meu pai, sinto um nó dentro de mim sempre que lembro disso. Ela sente muita falta dele, então ela nunca vê nada a noite. Mas mesmo sabendo que a Amanda chegou a uma hora eu não digo, acho que ela já sabe o que é melhor pra ela. — Não mãe, tomei um monte de remédios de enxaqueca ontem e acabei capotando — Ela sorriu. — Não sei o que faço com sua irmã Lívia, parece que depois que seu pai se foi, tudo piorou — Lamentou triste. — Não se culpe por isso tá? a senhora sempre fez de tudo por nós. A Amanda já tem idade o suficiente pra saber o que é melhor pra si. Ela sorriu fraco e começou a se servir de café. e assim foi nosso café da manhã, logo depois ela me disse que iria a academia mas pra não se preocupar com o almoço pois hoje ela queria nos levar em um restaurante novo de uma amiga dela. Nos arrumamos a mesa juntas e depois dela sair fui arrumar algumas coisas da escola. e quase duas horas depois a Amanda b**e na minha porta. — Devia parar, tá parecendo uma múmia — Debochei e ela fez cara de tédio caindo na minha cama. — Você não sabe o que está perdendo irmã, a vida é curta pra só pensar em trabalho — Olhei pra aquela roda de folhas onde eu estava no meio e até concordei com ela mentalmente. — Nossos conceitos são diferentes — Ela riu. — Tá bom Lívia, mas tem certeza que vai perder o role de hoje? agente vai conhecer o seu local de trabalho — Ela mostrou a tela do celular no grupo de cachaceiros. — Você tá brincando não é? o morro não é brincadeira Amanda, você não entra assim — Ela me olhou confusa. — O dono só deixa entrar quem ele quer, não é assim. — Relaxa irmã, o Pedro compra direto com um carinha de lá, ele prometeu colocar agente pra dentro. — Agente? — Perguntei já com medo da resposta. — Sim ué, eu, o Pedro, a Luiza, o Nando e você se quiser ir — Explicou. — Cadê o resto dos idiotas que andam com você? — As meninas estão em Noronha, e bom, o idiota do Matheus eu nem chamei ele dessa vez. quero muito que você vá, aliás seu rosto já deve ser conhecido no meio dos bandidos não é? — Ela Gargalhou. — Você tá enganada Amanda, eu só vou do trabalho pra casa, acha que sou você? — Continua chata como sempre, parece o papai — Ela afirmou, e nesse instante um silêncio reinou por alguns segundos. — Se a mãe perguntar diz que a balada é no centro tá? mas pensa com carinho no meu convite. Balancei a cabeça em negação e ela riu. Essa menina nunca vai tomar jeito mesmo. Logo depois de terminar tudo fui tomar um banho e me arrumar pro almoço. Quando já estávamos saindo a Amanda apareceu e disse que também iria. — Você tá parecendo um morcego minha filha, só sai a noite, não chamei porque imaginei que nem queria vir — Eu ri muito disso e ela me mostrou o dedo. — Não exagera mãe, mas o que eu posso fazer? acostumei com essa vida no hospital. Ah! tinha esquecido de mencionar que íamos no meu carro novo que tinha chegado uma BMW X1 preta linda. — Tá doida mãe? ela vai ser assaltada no primeiro dia de trabalho — Amanda disse já sentando no volante. — Deixa sua irmã dirigir primeiro Amanda, o carro é dela esqueceu? e lá ninguém rouba dentro do morro. Nos duas olhamos pra ela. — Eu li na Internet. — Disse rápido. — Não ligo se a Amanda quer dirigir mãe. — Falo sem muita enrolação. — Não quero saber, a Amanda não vai dirigir seu carro primeiro que você — Ela ordenou enquanto a outra saiu pro banco de trás bufando ódio. — Você gostou Liv — É lindo mãe, obrigada. — Abracei ela muito forte. É assim fomos juntas, e até curtimos o som depois da Amanda desfazer a tromba dela. Lá no restaurante meu celular não parava de chegar mensagem de um número desconhecido, quando peguei pra ler quase engasguei com o suco. Era a foto de um homem segurando a Raissa, só que ele estava de costas enquanto ela sorria feliz pra foto. SMS on Porque não veio trabalhar hoje mina? Hoje e sábado, esqueceu? vv Senti tua falta pô KKKKKKKKKKKKK Tá achando que tô brincando ? se liga, te espero aqui pra nois curtir SMS off Não deu pra não sorri enquanto lia aquelas mensagens, esse cara só pode tá pensando que sou louca. E quando peguei o copo de suco percebi que Amanda e dona Cláudia estavam me observando bem sérias. — Que foi gente ? — Você tá rindo amor? — minha mãe perguntou. — Vi um meme aqui no celular, não se preocupem — Falei desligando a tela do mesmo. — Tomara que seja o Matheus, sinto falta de ir pra casa de Búzios dele — Amanda comentou — Que casa Amanda, acha que sua irmã pensa nessas coisas como você, ela já disse que não quer o Matheus então vamos respeitar isso. — As vezes você esquece do grande chifre que o seu amigo me colocou irmã — Digo e ela dá de ombros. — Você é essa parada que não aceita mentiras. — Já podemos ir se você quiser mãe, quero dormir a tarde inteira. Elas riram. — Dessa vez eu concordo com você. — Amanda afirmou, e na volta deixei ela dirigir o carro novo. aliás eu nunca liguei pra essas coisas e não é agora que vou ligar.— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.— Todo tipo de mal existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.— Acha que a Amanda va
Lívia Narrando Bom, é claro que na TV mostra como são as casas aqui, mas eu não imaginava que algumas eram literalmente em cima de pedras, alguns becos são minúsculos mas por sorte a escola ficava numa rua razoavelmente grande, onde o portão da Escola se encontrava ao centro, as paredes dos muros eram pixadas com um grande desenho de gramas e crianças brincando, e talvez a parte mais linda desse morro seja esse mundo imaginário.E como ainda estava cedo, os alunos não haviam chegado. Mas aproveitei para ir conhecendo o lugar. Quando pisei o pé dentro daquele ambiente fiquei muito encantada com todo aquele capricho, não estava diferente de uma escola num bairro bom do RJ, o dono daqui deve realmente amar educação.— Você deve ser a professora nova não é? — Uma mulher de aparentemente cinquenta anos disse com um sorriso sincero.— Bom dia, tudo bem? Sou! Meu nome é Lívia Azevedo — Estendo minha mão satisfeita.— Seja bem vinda Lívia, espero que sua passagem aqui seja duradoura, meu nom
Lívia Narrando O dia hoje demorou muito pra terminar, a diretora veio falar comigo sobre o episódio de mais cedo, ela explicou que o tio da Raissa tinha um temperamento difícil mas que ele era uma boa pessoa, ele é conhecido como Rd, e olha que legal, também é o dono do morro e o pior bandido de todos, bom não foi assim que ela disse mas foi assim que eu entendi.Assim que cheguei no ponto do táxi um dos homens estava sentado bem próximo. — Ai mina, tua moto acabou furando, só tô avisando pra tu não achar que foi algum de nós aqui — Ele explicou com certa sinceridade na voz.— Tudo bem, imprevistos acontecem. Afirmei — Sabe onde eu consigo uma oficina? — Só subir mais duas quadras, tem um borracheiro lá — Ele explicou, então quando tentei subir ele falou — Vai andar na moto furada maluca? tá querendo dormir no morro mesmo? — O que eu posso fazer? — Disse confusa— Eu levo pra tu, tu pode subir com o Biel — Ele disse olhando pra um rapaz loiro, de olhos azuis e bom, parece que tatu
Lívia Narrando — Não imaginei que aqui tinha uma vista dessa — Falei, admirada olhando tudo da parte mais alta do morro. Dava até pra sentir o vento do mar.— Imaginei que ia gostar — Gabriel comenta.— Trás muitas aqui? — Pergunto meio que na amizade, sem maldade e ele sorri.— Tá achando que bandido tem tempo de ser guia turístico? — Dechocha de um jeito brincalhão.— Nos jornais eles parecem ter vida de luxo.— Ainda bem que te jogaram pra favela mina, mó dahora conhecer as cultura dos cria — Nós rimos juntos, ele era legal comigo, e na minha cabeça eu precisava de um amigo aqui dentro.— Valeu por me apresentar um pouco do morro, faz quase duas semanas que estou aqui e só conheço o caminho da escola.— Se quer um conselho de amigo é melhor não andar por aqui sozinha não pô — Ele disse sério — O pessoal não te conhece ainda, sacou?— Tô ligada — Falei firme e ele riu.— A Gabriela ia curtir teu jeito — Ele comentou subindo na moto.— Você é casado? Aí meu Deus não quero nenhuma lo
Rd Narrando — Filho é você? — A dona Lúcia pergunta assim que me ouve colocando as chaves na mesa de vidro da sala.— Cheguei coroa — Aviso, não demorou muito pra piveta brotar na sala.— Ti tio — Ela disse vindo correndo pra cima de mim.— Você não tá irritando a vovó não é Raissa — Digo sério e ela me olha, tem o mesmo jeito de sonsa da mãe não é possível.— Avise ele Issa, que o único que irrita a vovó é ele por não escolher logo uma mulher pra casar nesse morro — Minha mãe disse séria e ao mesmo tempo sorrindo.— Você não perde uma oportunidade né coroa, só esquece que o filho tem alergia de coleira — Ela fecha o semblante.— Sua mãe já está velha Randle, sua vida é perigosa, não quero morrer antes de ver um filho seu.— A senhora tem muito pela frente ainda — Falo pegando uma maçã em cima do balcão.— No próximo baile do morro você terá a sua oportunidade, espero que escolha uma boa pessoa, não é porque você faz o que faz que deve casar ruim — Minha mãe avisa.— Faço o que preci
Lívia Narrando Se eu dissesse que aquele clima estava fácil, com certeza eu estaria mentindo. Ficar frente a frente a um dos piores bandidos do estado foi uma coisa que nunca imaginei, porém parte de me já suspeitava depois de aceitar esse emprego.— Bom, queria saber por onde o senhor deseja começar — Falei pegando a pilha de papéis que a Ana deixou separado.— Primeiramente pode me chamar de Rd tá ligada, e eu quero ver o que foi comprado pro lanche dos cria. — Disse sério e imediatamente lhe dei o relatório, ele parecia realmente interessado naquilo.— Algo mais? — Perguntei.— Quero que tu saiba que não quero ninguém com fome aqui beleza? nenhuma cria vai sair dessa escola com fome no final da aula — Avisou.— Não se preocupe — Falei recolhendo os papéis e só então percebi que ele me olhava. — Alguma dúvida?— Porque tá aqui? — Rd perguntou — Pra dar aulas, não é óbvio — Ele riu.— Tu brinca demais pô, mas se olha no espelho, tanto lugar pra tu dar aula e veio logo pro morro? —