Lívia Narrando
Bom, é claro que na TV mostra como são as casas aqui, mas eu não imaginava que algumas eram literalmente em cima de pedras, alguns becos são minúsculos mas por sorte a escola ficava numa rua razoavelmente grande, onde o portão da Escola se encontrava ao centro, as paredes dos muros eram pixadas com um grande desenho de gramas e crianças brincando, e talvez a parte mais linda desse morro seja esse mundo imaginário. E como ainda estava cedo, os alunos não haviam chegado. Mas aproveitei para ir conhecendo o lugar. Quando pisei o pé dentro daquele ambiente fiquei muito encantada com todo aquele capricho, não estava diferente de uma escola num bairro bom do RJ, o dono daqui deve realmente amar educação. — Você deve ser a professora nova não é? — Uma mulher de aparentemente cinquenta anos disse com um sorriso sincero. — Bom dia, tudo bem? Sou! Meu nome é Lívia Azevedo — Estendo minha mão satisfeita. — Seja bem vinda Lívia, espero que sua passagem aqui seja duradoura, meu nome é Ana e sou a diretora desse colégio a quase trinta anos. — ela confessa. — Obrigada, será um prazer! Mas porque Maria de Lourdes? — Pergunto curiosa. — Maria de Lourdes foi a primeira professora do morro, graças a ela alguns moradores aqui conseguiram se alfabetizar — Explicou. — Bom Lívia, não sei se te informaram mas você vai ficar com os pequenos de quatro a cinco anos, eles estão sem ninguém. — Informaram sim, agradeço imensamente a sua confiança em mim. — Vou mostrar sua sala, daqui a pouco todos chegam tudo bem? — Assinto e ela me acompanha até a sala, também já aproveitou e mostrou todos os cômodos da escola, apesar de ser linda não é tão grande como imaginei, a Ana me explicou que esse é um colégio do ensino fundamental um e que as séries próximas são feitos em outra escola fora do morro. Quando ela apresentou a minha sala de aula fiquei abismada quando notei que a antiga professora não colava nada nas paredes pra melhor entendimento dos pequenos. — Você pode se acomodar aqui Lívia, mas tarde volto com as crianças – Ela afirmou simpática mas logo saiu. Eu tinha uma mesa grande, um quadro e vinte alunos e muita fé para dar o meu melhor. Fiquei muito ansiosa não vou negar, e quando ouvi que eles estavam vindo fiquei de pé e esperei que eles entrassem todos em fileiras. Eram realmente crianças pequenas, a maioria eram meninas pra ser mais exata, mais só quando eles sentaram perceberam a minha presença ali. — Crianças, essa é a tia Lívia, é ela que vai ficar com vocês apartir de hoje. — Obrigada por tudo Ana — Agradeci e ela saiu da sala. Quando fechei a porta senti aqueles olhinhos pequenos em cima de mim. — Meu nome é Lívia mas podem me chamar de tia Liv tudo bem? eu estava muito ansiosa para conhecer vocês — Disse com uma voz calma. Fiz algumas brincadeiras logo após para conhecer melhor cada um. E uma menininha de cabelos dourados cacheados me chamou bastante atenção, ela parecia não gostar muito de brincar. — Raissa? Tudo bem com você tia? — Perguntei carinhosa mas ela ficou em silêncio. — Você está dodoi? — Perguntei esperançosa. — Me dexla in paz tia — Ela disse séria mas mesmo assim não consegui segurar o riso. — Tudo bem princesa, estarei aqui se precisar. E assim os dias foram passando, confesso que no começo não foi fácil, todos do morro pareciam me olhar estranho. Mas eu não dava importância pra isso. Até que chegou o dia do meu primeiro "acidente" com os alunos, numa brincadeira durante o recreio dois pequenos acabaram se esbarrando sem querer e os dois cairam de joelhos ralados, conversei com a mãe do Pedro e expliquei o que aconteceu, ela entendeu e foi super gentil comigo, e agora estou aqui na sala esperando o tio da Raissa para falar com ele, a Ana me disse que ela perdeu a mãe a dois anos num acidente de carro, e que nunca soubemos quem era o pai da menina. — Tia, tá dodoi — Ela me chamou com os olhinhos cheio de lágrimas. — Agente já limpou tudo meu amor, vai ficar bom logo logo — Expliquei pra ela que entendeu. Tomei um susto quando a porta foi aberta com muita força, claramente era o tio da Raissa e como podemos ver ele não tem um pingo de educação, mas era extremamente gato, aí meu Deus Lívia, quando foi que tu virou uma Cláudia da vida. — O que aconteceu tio, quem fez isso com você Raissa? O tio não vai deixar isso passar em branco princesa — Ele repetia e eu não me contive. — Foi só um acidente, a outra criança não teve culpa — Falei séria, e só aí ele percebeu a minha presença ali. — Tu é professora dela? onde tu tava que deixou minha sobrinha se machucar assim? — Foi um acidente no recreio, todos os alunos passam por isso um dia — Tento explicar mas os olhos dele eram de fúria pra mim. — Todos e o caralho mina, te pago bem pra porra e tu deixa isso acontecer com a minha sobrinha, sabe com quem tá falando? — Com essa arrogância, já imagino quem seja — Retruco séria — Devia abaixar tua bola patricinha, me disseram que ia mandar uma professora boa pra cá, e não uma boca aberta que não consegue cuidar de dez crianças — Eu ri. — Senhor, acho melhor você falar com a senhora Ana, você não entenderia minha língua não é mesmo? — Debochei, se tem uma coisa que eu não sou é puxa saco. — Quem vai falar com ela sou eu sacô, não te quero mais na porra do meu morro — Ele diz sério e eu apenas ouço. — Tio, eu goto da tia Liv, não foi cupla dela,eu e pedo tava correndo rapidlo — Raissa diz segurando na mão dele, e foi como se toda aquela raiva sumisse do nada. — Caramba Raissa, o tio já falou que não é pra correr pow — Ele a repreendeu, e me olhou em seguida. — É melhor não deixar isso acontecer denovo tá ligada — ele disse, mas não me contive e acabei revirando os olhos pra ele. — Tu não te medo de morrer mesmo não né mina? qual foi? tu já viu alguém revirar os olhos pro chefe — disse travando o maxilar. — Na minha sala de aula, quem manda sou eu — Falei com um sorriso no rosto. — Nossa conversa ainda não acabou beleza? Preciso levar a cria pra casa — Ele disse saindo dali com a Raissa, mas apesar de ser um ogro arrogante ele era muito mais gato que o tal de JP do outro dia.Lívia Narrando O dia hoje demorou muito pra terminar, a diretora veio falar comigo sobre o episódio de mais cedo, ela explicou que o tio da Raissa tinha um temperamento difícil mas que ele era uma boa pessoa, ele é conhecido como Rd, e olha que legal, também é o dono do morro e o pior bandido de todos, bom não foi assim que ela disse mas foi assim que eu entendi.Assim que cheguei no ponto do táxi um dos homens estava sentado bem próximo. — Ai mina, tua moto acabou furando, só tô avisando pra tu não achar que foi algum de nós aqui — Ele explicou com certa sinceridade na voz.— Tudo bem, imprevistos acontecem. Afirmei — Sabe onde eu consigo uma oficina? — Só subir mais duas quadras, tem um borracheiro lá — Ele explicou, então quando tentei subir ele falou — Vai andar na moto furada maluca? tá querendo dormir no morro mesmo? — O que eu posso fazer? — Disse confusa— Eu levo pra tu, tu pode subir com o Biel — Ele disse olhando pra um rapaz loiro, de olhos azuis e bom, parece que tatu
Lívia Narrando — Não imaginei que aqui tinha uma vista dessa — Falei, admirada olhando tudo da parte mais alta do morro. Dava até pra sentir o vento do mar.— Imaginei que ia gostar — Gabriel comenta.— Trás muitas aqui? — Pergunto meio que na amizade, sem maldade e ele sorri.— Tá achando que bandido tem tempo de ser guia turístico? — Dechocha de um jeito brincalhão.— Nos jornais eles parecem ter vida de luxo.— Ainda bem que te jogaram pra favela mina, mó dahora conhecer as cultura dos cria — Nós rimos juntos, ele era legal comigo, e na minha cabeça eu precisava de um amigo aqui dentro.— Valeu por me apresentar um pouco do morro, faz quase duas semanas que estou aqui e só conheço o caminho da escola.— Se quer um conselho de amigo é melhor não andar por aqui sozinha não pô — Ele disse sério — O pessoal não te conhece ainda, sacou?— Tô ligada — Falei firme e ele riu.— A Gabriela ia curtir teu jeito — Ele comentou subindo na moto.— Você é casado? Aí meu Deus não quero nenhuma lo
Rd Narrando — Filho é você? — A dona Lúcia pergunta assim que me ouve colocando as chaves na mesa de vidro da sala.— Cheguei coroa — Aviso, não demorou muito pra piveta brotar na sala.— Ti tio — Ela disse vindo correndo pra cima de mim.— Você não tá irritando a vovó não é Raissa — Digo sério e ela me olha, tem o mesmo jeito de sonsa da mãe não é possível.— Avise ele Issa, que o único que irrita a vovó é ele por não escolher logo uma mulher pra casar nesse morro — Minha mãe disse séria e ao mesmo tempo sorrindo.— Você não perde uma oportunidade né coroa, só esquece que o filho tem alergia de coleira — Ela fecha o semblante.— Sua mãe já está velha Randle, sua vida é perigosa, não quero morrer antes de ver um filho seu.— A senhora tem muito pela frente ainda — Falo pegando uma maçã em cima do balcão.— No próximo baile do morro você terá a sua oportunidade, espero que escolha uma boa pessoa, não é porque você faz o que faz que deve casar ruim — Minha mãe avisa.— Faço o que preci
Lívia Narrando Se eu dissesse que aquele clima estava fácil, com certeza eu estaria mentindo. Ficar frente a frente a um dos piores bandidos do estado foi uma coisa que nunca imaginei, porém parte de me já suspeitava depois de aceitar esse emprego.— Bom, queria saber por onde o senhor deseja começar — Falei pegando a pilha de papéis que a Ana deixou separado.— Primeiramente pode me chamar de Rd tá ligada, e eu quero ver o que foi comprado pro lanche dos cria. — Disse sério e imediatamente lhe dei o relatório, ele parecia realmente interessado naquilo.— Algo mais? — Perguntei.— Quero que tu saiba que não quero ninguém com fome aqui beleza? nenhuma cria vai sair dessa escola com fome no final da aula — Avisou.— Não se preocupe — Falei recolhendo os papéis e só então percebi que ele me olhava. — Alguma dúvida?— Porque tá aqui? — Rd perguntou — Pra dar aulas, não é óbvio — Ele riu.— Tu brinca demais pô, mas se olha no espelho, tanto lugar pra tu dar aula e veio logo pro morro? —
Lívia Narrando A semana passou como um flash, mas confesso que gostei muito de passar esses dias sendo a diretora no lugar da Ana. Com certeza essa experiência vai me moldar para um futuro próximo. Ela havia me ligado hoje bem cedo para dizer que vai se ausentar mais duas semanas mas que estava tudo indo muito bem, disse que estava orgulhosa de mim mas não estava surpresa pois já sabia da minha capacidade.Como hoje é sábado não precisei ir para o morro, mas acordei cedo mesmo assim, quero passar um tempo com dona Cláudia, a semana toda correndo de um canto pro outro sem tempo de ficar com ela.Levantei logo da cama e fui pra cozinha preparar nosso café da manhã enquanto elas dormiam. Antigamente eu não me dava muito bem na cozinha, mas depois dos quinze finalmente aprendi, a minha irmã até hoje não faz conta de encostar no fogão, sempre digo a ela que nossa mãe não é eterna.Já estava terminado de colocar as xícaras quando dona Cláudia veio calambiando de sono ainda pela casa. — Qu
— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.— Todo tipo de mal existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.— Acha que a Amanda va