Lívia Narrando
Se eu dissesse que aquele clima estava fácil, com certeza eu estaria mentindo. Ficar frente a frente a um dos piores bandidos do estado foi uma coisa que nunca imaginei, porém parte de me já suspeitava depois de aceitar esse emprego. — Bom, queria saber por onde o senhor deseja começar — Falei pegando a pilha de papéis que a Ana deixou separado. — Primeiramente pode me chamar de Rd tá ligada, e eu quero ver o que foi comprado pro lanche dos cria. — Disse sério e imediatamente lhe dei o relatório, ele parecia realmente interessado naquilo. — Algo mais? — Perguntei. — Quero que tu saiba que não quero ninguém com fome aqui beleza? nenhuma cria vai sair dessa escola com fome no final da aula — Avisou. — Não se preocupe — Falei recolhendo os papéis e só então percebi que ele me olhava. — Alguma dúvida? — Porque tá aqui? — Rd perguntou — Pra dar aulas, não é óbvio — Ele riu. — Tu brinca demais pô, mas se olha no espelho, tanto lugar pra tu dar aula e veio logo pro morro? — Ele sorriu meticuloso. — Os moradores do morro não são piores e nem melhores que ninguém, se não tem mais nenhuma dúvida peço que se retire pois tenho muito trabalho aqui — Disse séria e ele sorriu de lado. — Gostei da tua postura — Ele se levantou — Amanhã tem baile aqui no morro, espero que venha — Não respondi nada e ele saiu, aliás o cheiro do perfume dele ainda ficou na sala. Não vou mentir que quando ele saiu me senti um pouco entusiasmada, ficar frente a frente a um traficante não foi tão ruim assim, ainda mais quando se trata de um traficante gatinho. Depois de terminar minhas tarefas conseguir sair um pouco mais cedo, e aproveitei pra procurar um salão no morro a pé porque não queria chamar a atenção. Quando desci a rua da escola uma moto parou do meu lado, e era o Biel. — E aí mina, suave? — Ele perguntou — Ainda bem que você apareceu Biel.— Suspirei cansada de andar — Você pode me dizer onde encontro um salão de beleza aqui? — Ele me olhou de baixo pra cima. — Lá vem, tem um lugar na rua da praça que as mina não sai de lá, deve ser lá mermo — Explicou. — Eu tô muito longe de lá? — Perguntei — Sobe aí morena, só não acostuma flw. — É muito bom ter amigos aqui.— Falei e ele riu. Biel me levou ao que parecia ser um salão bem grande por sinal, e como já era esperado todos olhavam pra mim quando descia da sua moto. — Ai Lívia, na próxima vem de moto beleza, ninguém te conhece aqui ainda. – Não se preocupe, obrigada denovo. — Me despedi dele e andei direto pro estabelecimento. Lá tinha mais ou menos umas cinco meninas fora as atendentes, todas me olharam muito, me senti como uma carne no açougue. — Bom dia tudo bem? você tem alguma manicure disponível aqui? — Perguntei a mulher mais velha que estava no caixa. — Olá, meu nome é Monique, temos sim querida fique a vontade. — Ela me mostrou com as mãos onde era pra sentar. A moça que começou a fazer minhas unhas era super calada, mas não parecia ser mal educada, porém ao lado tinha uma menina loira, aparentemente da minha idade que parecia inquieta, e foi aí que a manicure dela falou. — Você é a nova professora do colégio não é? Sou a mãe do Raul. — Sou sim, o Raul é um menino muito inteligente, aliás meu nome é Lívia. — Obrigada — Ela respondeu educada. — Não sabia que era amiga do Gabriel. — A loirinha falou do nada e as meninas só me olharam. — Ele me ajudou assim que cheguei no morro, você deve ser a Gabriela não é? — Tentei arriscar. — Ele te falou de mim? então meu irmão te considera uma amiga — Ela sorriu. — Fico feliz em conhecer você Lívia. — O prazer é meu. As conversas no salão eram superficiais, coisas do dia a dia de uma mulher, mas finalmente me senti relaxada em um lugar, normalmente o peso dos olhares daquela oficina eram bem piores. — E aí Lívia, você vai conhecer o baile da rocinha amanhã? — A mãe do Raul perguntou. — Não sei se devo, ainda sou nova aqui — Devia vir amiga, assim todo mundo te conhece — A Gabi afirmou. — Vocês tão sabendo da novidade — A moça que fazia minha unha disse — A mãe do Rd quer uma nora. — Onde ouviu isso Nanda? — A dona do salão perguntou. — Mais e verdade, a tia Lucia quer muito uma nora, não é novidade nenhuma — Gabi comentou. — Não é fácil chegar no nível deles — A mãe do Raul debateu. — Pelo contrário, dona Lúcia é um amor de pessoa igualmente a dona Ruti — Ela disse olhando pra Gabi e ela sorriu. — A minha mãe e outra que sofre pra conseguir uma nora, mas vocês conhecem os meus irmãos, tá difícil — Ela disse olhando pra mim. — Você tem mais um irmão? — Perguntei. — Sim, O JP também é meu irmão, só eu e o Gabriel que somos gêmeos. — Você tem irmãos Lívia? — A Nanda pergunta — Sim, uma, o nome dela é Amanda, mas somos o oposto uma da outra. — Trás ela com você amanhã — A Gabi sugeriu, mas confesso que essa não é uma ideia boa pra mim. — Vou falar com ela — Falei sorrindo. Assim que terminei as unhas da mão me despedi delas e voltei pra minha moto, já estava quase anoitecendo. Quando estava próximo do ponto vi Rd escorado na minha moto, e por um milagre ele era o único lá. — Tudo bem? — Falei assim que me aproximei, ele estava com uma cara de poucos amigos. — Vai poder vir amanhã professora? — Ele perguntou aleatório. — Talvez — Ele me fitou. — Qual é a tua de andar pelo morro na garupa dos outros? — Olhei sem entender. — Desculpa? mas não entendi — Já passei a fita pelo morro que tu é como se fosse morador, na próxima vai na tua moto ou com tuas perna mina. — Ele falou, me olhou, e saiu. Fiquei totalmente confusa e minha única iniciativa foi ligar a moto e ir embora.Lívia Narrando A semana passou como um flash, mas confesso que gostei muito de passar esses dias sendo a diretora no lugar da Ana. Com certeza essa experiência vai me moldar para um futuro próximo. Ela havia me ligado hoje bem cedo para dizer que vai se ausentar mais duas semanas mas que estava tudo indo muito bem, disse que estava orgulhosa de mim mas não estava surpresa pois já sabia da minha capacidade.Como hoje é sábado não precisei ir para o morro, mas acordei cedo mesmo assim, quero passar um tempo com dona Cláudia, a semana toda correndo de um canto pro outro sem tempo de ficar com ela.Levantei logo da cama e fui pra cozinha preparar nosso café da manhã enquanto elas dormiam. Antigamente eu não me dava muito bem na cozinha, mas depois dos quinze finalmente aprendi, a minha irmã até hoje não faz conta de encostar no fogão, sempre digo a ela que nossa mãe não é eterna.Já estava terminado de colocar as xícaras quando dona Cláudia veio calambiando de sono ainda pela casa. — Qu
Lívia Narrando Como disse antes, acabei dormindo a tarde toda depois de finalizar as atividades da escola. E quando peguei no celular tinha mais mensagens de um número desconhecido. SMS On Oii gata, tudo bem? Não se preocupa! E a Gabi KSKSKS Quase tirei o juízo dos meninos pra conseguir teu número mana kkkkkk Oii Bibi 🥰 tudo bem? kkk não tem problema. Estamos te esperando aqui hoje, não queira levar falta hein A minha irmã que está perturbando pra ir, será que a passagem é de boa? — Perguntei. Não se preocupa, vou avisar meu irmão. SMS Off Coloquei uma roupa de academia e resolvi ir malhar. No fone um funk pra dar energia, olhei pra moto mas resolvi ir de carro. *** A academia não estava tão cheia, e eu adorava isso. Começei com um cardio na esteira e depois fui pro treino de perna. — Lívia — A voz ecoava atrás de mim, até tentei fingir que o fone estava no último volume mas ele insistiu. — Até quando você vai fingir que eu não existo mais? — Até quand
Lívia Narrando. No palco estava um DJ tocando as febres do momento. Eu não tinha visto mais o Gabriel e olha que eu olhei muito entre as pessoas, muitas mulheres rebolando até o chão quase nuas. Alguns homens que deixavam claro serem do crime, outros pareciam ser de fora. O Nando estava muito perto de mim e isso estava me incomodando um pouco, eu sei que não é com segundas intenções porque somos amigos a anos e nosso rolo foi de adolescência, mas as vezes eu me lembro porque não saiu muito com eles. — Mana, vamos no banheiro comigo? — Puxei ela devagar. — Calma menina, que pressa hein — Reclamou. — Devia ter escolhido outra coisa ao invés de salto alto fino no meio dessa multidão. — Não reclama do meu salto, já estou acostumada esqueceu. — Disse debochando. Assim que nos viramos pra continuar andando encontro a Gabi e algumas meninas. — Ai meu Deus, que bom que você veio Liv — Ela me puxou pra um abraço caloroso. — Não imaginava que era tão cheio assim. — Hoje ai
Lívia Narrando. — Você. Foi isso que Rd disse bem perto de mim, confesso que senti meu corpo tremer só pelo olhar dele. Mas se demonstrei? claro que não! Eu ri. — Normalmente nessa hora você já leva elas pro quartinho? — Gargalhei tomando um gole de água com gás. — Nem precisa falar duas vezes pô — Falou baixo. — Que bom pra você! aproveita e já escolhe a sua — Disse olhando pra aquelas mulheres rebolando no camarote, a maioria já estava cercando algum bandido, outras estavam esperando a presa. — Tu é osso duro morena — Falou como se tivesse planejando algo e logo em seguida levantou os braços como se tivesse chamando alguém. — O que tá fazendo? — Falei preocupada quando vi a Amanda sendo arrastada com os meninos pra onde eu estava. — Quero conhecer teu namorado pow — Ele disse sério. — Isso é mesmo necessário ? — Perguntei sem paciência. — Vai querer apresentar ou eu faço sozinho? — Ele me olhou, na realidade ele só queria saber como eu ia apresentar. O Pedro
Rd Narrando. Essa mina tirou meu juízo no mesmo instante que pisou no meu morro. Ousada, não tem medo de falar o que pensa! Gostosa, que chama atenção por onde passa. E agora que chamou a atenção do bandido aqui eu não vou perder a chance de entrar na vida dela. Mas falando sério eu nunca fui de demostrar interesse pra todo mundo, aliás pra ninguém, aqui e pega e não se apega mas do nada o trouxa aqui beijou a mina no meio de geral pô, beijei, logo eu que nem beijo mulher nenhuma desse morro. Nem a Victória que eu sei que dá só pra mim. Soltei a mina porque a coroa dela ligou. — Você pode me explicar que merda é essa Rd? Eu sai por cinco minutos e você já tá me traindo? — A Victória chegou gritando no meu ouvido. — Não fode caralho — Falei sem nem olhar na cara dela. — As meninas disseram que aquela puta trabalha na escola — Ela reclamava enquanto eu enchia o copo de whisky. — Ai Tória, gosto muito da tua amizade pô, mas vê se some da minha frente antes que eu te deixe
Aos poucos fui entendendo o que ele queria de mim, maluco? sim. Ele era. Mas sei lá? Não sei se foi a adrenalina mas enquanto agente andava de moto pelo morro eu senti a mesma sensação que sentia com o meu pai, uma sensação de segurança.A mãe dele era uma mulher extremamente carinhosa, ela nunca tinha me visto na vida mas me tratou muito bem. Me disse que pela manhã eu podia ir embora pois essa hora era muito perigoso pra mim.— A Raissa — Digo e ela me olha — Ela fala muito de vocês dois na escola — Ela sorriu enquanto arrumava um lençol na cama do quarto de hóspedes. — A Raissa é tudo pra nós, é tudo que sobrou dela — Percebi um olhar triste. — E impressionante a força que uma criança tem na nossa vida não é.— Concordo com a senhora, dona Lúcia. — E você? tem irmãos? — Ela perguntou.— Tenho uma mais nova que eu, o nome dela é Amanda e bom, e ela que tira o juízo da minha mãe na maioria das vezes — Ela sorriu junto comigo. — Espero que sua mãe não fique preocupada com você, o
— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.— Todo tipo de mal existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.— Acha que a Amanda va
Lívia Narrando Bom, é claro que na TV mostra como são as casas aqui, mas eu não imaginava que algumas eram literalmente em cima de pedras, alguns becos são minúsculos mas por sorte a escola ficava numa rua razoavelmente grande, onde o portão da Escola se encontrava ao centro, as paredes dos muros eram pixadas com um grande desenho de gramas e crianças brincando, e talvez a parte mais linda desse morro seja esse mundo imaginário.E como ainda estava cedo, os alunos não haviam chegado. Mas aproveitei para ir conhecendo o lugar. Quando pisei o pé dentro daquele ambiente fiquei muito encantada com todo aquele capricho, não estava diferente de uma escola num bairro bom do RJ, o dono daqui deve realmente amar educação.— Você deve ser a professora nova não é? — Uma mulher de aparentemente cinquenta anos disse com um sorriso sincero.— Bom dia, tudo bem? Sou! Meu nome é Lívia Azevedo — Estendo minha mão satisfeita.— Seja bem vinda Lívia, espero que sua passagem aqui seja duradoura, meu nom