Lívia Narrando
— Não imaginei que aqui tinha uma vista dessa — Falei, admirada olhando tudo da parte mais alta do morro. Dava até pra sentir o vento do mar. — Imaginei que ia gostar — Gabriel comenta. — Trás muitas aqui? — Pergunto meio que na amizade, sem maldade e ele sorri. — Tá achando que bandido tem tempo de ser guia turístico? — Dechocha de um jeito brincalhão. — Nos jornais eles parecem ter vida de luxo. — Ainda bem que te jogaram pra favela mina, mó dahora conhecer as cultura dos cria — Nós rimos juntos, ele era legal comigo, e na minha cabeça eu precisava de um amigo aqui dentro. — Valeu por me apresentar um pouco do morro, faz quase duas semanas que estou aqui e só conheço o caminho da escola. — Se quer um conselho de amigo é melhor não andar por aqui sozinha não pô — Ele disse sério — O pessoal não te conhece ainda, sacou? — Tô ligada — Falei firme e ele riu. — A Gabriela ia curtir teu jeito — Ele comentou subindo na moto. — Você é casado? Aí meu Deus não quero nenhuma louca vindo atrás de mim não hein — Brinquei. — Achei que tu não corria de briga não pô, mas ela é minha irmã. — Vou adorar conhecer — Disse simpática. — Qualquer hora tu encontra ela no morro aí, mas tá na hora do meu turno mina, nois tem que ir. — Eu assenti e subi na moto logo em seguida, fomos de volta para a oficina e finalmente minha moto estava pronta, Agradeci e paguei o mecânico e logo depois vim direto pra casa. Não vou negar que a possibilidade de morar no morro passou pela minha cabeça, essa ida e volta pra casa cansa demais. Tenho certeza que se morasse lá isso diminuiria, mas tem a Dona Cláudia, não posso deixar ela com a desmiolada da Amanda. — Mãe, cheguei — Gritei assim que estacionei dentro da garagem. — Já estava preocupada com você Liv — ela abraça-me. — Porque tá com esse monte de papel no sofá — Disse assim que tirei o capacete e olhei pra sala. — São papéis do banco. — Ela disse simples. — Algum problema mãe? — Nenhum meu amor, eu só estou vendendo um apartamento do seu pai — Ela avisou. — Em Ipanema? — Perguntei — Decidiu isso do nada? Sabe que a Amanda não vai aceitar isso não é? — A sua irmã não tem que opinar em nada, eu ainda administro as coisas que eu e seu pai conquistamos Lívia. — Mas porque tá fazendo isso? — Você precisa de um carro, a sua irmã parece ser surda quando eu digo que uma semana é dela e na outra o carro e seu — Explicou chateada. — Para mãe, a senhora sabe que eu não ligo pra isso — Digo colocando a bolsa em cima da mesa na sala de jantar. — Você não liga mas eu sim, o seu pai nunca permitiria isso, o seu carro vai ser um blindado ainda, meu coração acelera todos os dias que você sai por aquela porta. — Não estou afim de brigas com a Amanda — Falo pegando uma maçã na fruteira e no mesmo momento ela também chega do trabalho. — Oii Mãe, que cansaso! — Ela disse se jogando no sofá — Tá fazendo o que? — Perguntou pegando alguns papéis. — Vou comprar um carro filha. — Sério, que bom. Eu estava querendo mesmo trocar, já abusei da land do papai — Ela diz com a maior naturalidade do mundo. — Eu sinto muito Amanda, mas o carro será da Lívia. Ela está precisando muito pra poder ir trabalhar — Amanda me mediu dos pés à cabeça enquanto eu segurava aquela maçã, confesso que fiquei com medo de engasgar. — Você vai dar um carro pra Lívia? Com que dinheiro pretende fazer isso? Pelo que eu me lembre a empresa está melhorando agora — Ela reclama. — Vou vender o apartamento de Ipanema — Amanda ri me olhando. — Você está de brincadeira não está? Não pode vender aquele apê, sempre passamos os finais de ano lá mãe. — Nós não, eu e seu pai sempre preferimos ficar no sítio, você que sempre levou um monte de desconhecidos pra lá. — Nesse momento Amanda já me olhava com puro ódio. — Eles são meus amigos — Disse séria. Eu e minha irmã apesar de sermos de pais diferentes temos algumas partes físicas parecidas, ou talvez tínhamos né. Ela sempre gostou de mudar tudo e não seria diferente com o corpo dela. A única coisa que eu já fiz na vida foi colocar silicone. Amanda e loira, um pouco mais alta que eu e mais cheinha também. Quando nosso pai morreu a única coisa que me aliviava era a academia, mas com a Amands foi diferente. — Eu não preciso de carro mãe — Digo. — Eu não perguntei Lívia, não quero perder mais ninguém. — Ela afirma e eu me calo. — Se o problema for esse então porque ela não sai daquela favela? aposto que assim que a Lívia ter um carro ela para de dar aula lá. — Eu não tenho nenhuma competição com você Amanda. E não vou te explicar, você não entenderia. — Eu não quero vocês duas brigando, já está resolvido — Nossa mãe afirmou e foi guardando todos aqueles papéis, não queria mais olhar pra cara de cu da minha irmã então fui pro quarto. Assim que me joguei na cama peguei o celular, e lá estava um pedido de solicitação no I*******m com o nome @gabrielsoares imaginei que fosse ele pois na foto do perfil tinha a mesma vista de hoje mais cedo, mas não pude confirmar pois não tinha nenhuma publicação dele. — Lívia — Alguém diz quando abre minha porta do nada, mas ela parecia calma dessa vez. — Algum problema? — O Matheus perguntou de você — Ela diz sincera — Perguntou se eu poderia passar seu novo número mas eu disse que não sabia se era o certo — Contou. — Não passe por favor — Me virei denovo para o meu celular. — Devia conversar com ele — Sugeriu. — Não tenho mais nada pra falar com o Matheus, tudo que tínhamos pra dizer já foi dito — Disse séria. — Eu sei, mas vocês dois namoraram por cinco anos irmã. Ele tá mais bonito ainda que antes — Ela comenta. — Pode pegar pra você — Sugiro. — Não quero o ex da minha irmã, tá louca. — Não precisa fingir que se preocupa comigo, a cinco minutos você queria voar em cima de mim — Falo seca. — Tá desculpa, não devia ter falado nada. — Sai Amanda, eu quero dormir. — Falo e ela sai do quarto.Rd Narrando — Filho é você? — A dona Lúcia pergunta assim que me ouve colocando as chaves na mesa de vidro da sala.— Cheguei coroa — Aviso, não demorou muito pra piveta brotar na sala.— Ti tio — Ela disse vindo correndo pra cima de mim.— Você não tá irritando a vovó não é Raissa — Digo sério e ela me olha, tem o mesmo jeito de sonsa da mãe não é possível.— Avise ele Issa, que o único que irrita a vovó é ele por não escolher logo uma mulher pra casar nesse morro — Minha mãe disse séria e ao mesmo tempo sorrindo.— Você não perde uma oportunidade né coroa, só esquece que o filho tem alergia de coleira — Ela fecha o semblante.— Sua mãe já está velha Randle, sua vida é perigosa, não quero morrer antes de ver um filho seu.— A senhora tem muito pela frente ainda — Falo pegando uma maçã em cima do balcão.— No próximo baile do morro você terá a sua oportunidade, espero que escolha uma boa pessoa, não é porque você faz o que faz que deve casar ruim — Minha mãe avisa.— Faço o que preci
Lívia Narrando Se eu dissesse que aquele clima estava fácil, com certeza eu estaria mentindo. Ficar frente a frente a um dos piores bandidos do estado foi uma coisa que nunca imaginei, porém parte de me já suspeitava depois de aceitar esse emprego.— Bom, queria saber por onde o senhor deseja começar — Falei pegando a pilha de papéis que a Ana deixou separado.— Primeiramente pode me chamar de Rd tá ligada, e eu quero ver o que foi comprado pro lanche dos cria. — Disse sério e imediatamente lhe dei o relatório, ele parecia realmente interessado naquilo.— Algo mais? — Perguntei.— Quero que tu saiba que não quero ninguém com fome aqui beleza? nenhuma cria vai sair dessa escola com fome no final da aula — Avisou.— Não se preocupe — Falei recolhendo os papéis e só então percebi que ele me olhava. — Alguma dúvida?— Porque tá aqui? — Rd perguntou — Pra dar aulas, não é óbvio — Ele riu.— Tu brinca demais pô, mas se olha no espelho, tanto lugar pra tu dar aula e veio logo pro morro? —
Lívia Narrando A semana passou como um flash, mas confesso que gostei muito de passar esses dias sendo a diretora no lugar da Ana. Com certeza essa experiência vai me moldar para um futuro próximo. Ela havia me ligado hoje bem cedo para dizer que vai se ausentar mais duas semanas mas que estava tudo indo muito bem, disse que estava orgulhosa de mim mas não estava surpresa pois já sabia da minha capacidade.Como hoje é sábado não precisei ir para o morro, mas acordei cedo mesmo assim, quero passar um tempo com dona Cláudia, a semana toda correndo de um canto pro outro sem tempo de ficar com ela.Levantei logo da cama e fui pra cozinha preparar nosso café da manhã enquanto elas dormiam. Antigamente eu não me dava muito bem na cozinha, mas depois dos quinze finalmente aprendi, a minha irmã até hoje não faz conta de encostar no fogão, sempre digo a ela que nossa mãe não é eterna.Já estava terminado de colocar as xícaras quando dona Cláudia veio calambiando de sono ainda pela casa. — Qu
— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.— Todo tipo de mal existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.— Acha que a Amanda va
Lívia Narrando Bom, é claro que na TV mostra como são as casas aqui, mas eu não imaginava que algumas eram literalmente em cima de pedras, alguns becos são minúsculos mas por sorte a escola ficava numa rua razoavelmente grande, onde o portão da Escola se encontrava ao centro, as paredes dos muros eram pixadas com um grande desenho de gramas e crianças brincando, e talvez a parte mais linda desse morro seja esse mundo imaginário.E como ainda estava cedo, os alunos não haviam chegado. Mas aproveitei para ir conhecendo o lugar. Quando pisei o pé dentro daquele ambiente fiquei muito encantada com todo aquele capricho, não estava diferente de uma escola num bairro bom do RJ, o dono daqui deve realmente amar educação.— Você deve ser a professora nova não é? — Uma mulher de aparentemente cinquenta anos disse com um sorriso sincero.— Bom dia, tudo bem? Sou! Meu nome é Lívia Azevedo — Estendo minha mão satisfeita.— Seja bem vinda Lívia, espero que sua passagem aqui seja duradoura, meu nom
Lívia Narrando O dia hoje demorou muito pra terminar, a diretora veio falar comigo sobre o episódio de mais cedo, ela explicou que o tio da Raissa tinha um temperamento difícil mas que ele era uma boa pessoa, ele é conhecido como Rd, e olha que legal, também é o dono do morro e o pior bandido de todos, bom não foi assim que ela disse mas foi assim que eu entendi.Assim que cheguei no ponto do táxi um dos homens estava sentado bem próximo. — Ai mina, tua moto acabou furando, só tô avisando pra tu não achar que foi algum de nós aqui — Ele explicou com certa sinceridade na voz.— Tudo bem, imprevistos acontecem. Afirmei — Sabe onde eu consigo uma oficina? — Só subir mais duas quadras, tem um borracheiro lá — Ele explicou, então quando tentei subir ele falou — Vai andar na moto furada maluca? tá querendo dormir no morro mesmo? — O que eu posso fazer? — Disse confusa— Eu levo pra tu, tu pode subir com o Biel — Ele disse olhando pra um rapaz loiro, de olhos azuis e bom, parece que tatu