Lívia Narrando
O dia hoje demorou muito pra terminar, a diretora veio falar comigo sobre o episódio de mais cedo, ela explicou que o tio da Raissa tinha um temperamento difícil mas que ele era uma boa pessoa, ele é conhecido como Rd, e olha que legal, também é o dono do morro e o pior bandido de todos, bom não foi assim que ela disse mas foi assim que eu entendi. Assim que cheguei no ponto do táxi um dos homens estava sentado bem próximo. — Ai mina, tua moto acabou furando, só tô avisando pra tu não achar que foi algum de nós aqui — Ele explicou com certa sinceridade na voz. — Tudo bem, imprevistos acontecem. Afirmei — Sabe onde eu consigo uma oficina? — Só subir mais duas quadras, tem um borracheiro lá — Ele explicou, então quando tentei subir ele falou — Vai andar na moto furada maluca? tá querendo dormir no morro mesmo? — O que eu posso fazer? — Disse confusa — Eu levo pra tu, tu pode subir com o Biel — Ele disse olhando pra um rapaz loiro, de olhos azuis e bom, parece que tatuagem é a farda deles, mas uma coisa que não entendo é porque tem tanto homem bonito aqui. — Obrigada — Disse sem graça. O rapaz gentil levou a minha moto empurrando até a borracharia, enquanto o loiro fez sinal que eu subisse na moto dele. — Não precisa de capacete? — Precisa aprender muito de favela mina, mas é aí tá gostando daqui? — O loiro perguntou. — Dos alunos sim — Olhei em volta — Mas não posso reclamar, minha mãe tinha me avisado. — Ele sorriu. — Se for esperta, vai se dar bem! Aliás meu nome é Gabriel — Ele avisou ligando a moto, ele tinha uma bela Xr 300 preta e parecia ter mais ou menos a minha idade. Ele me levou até a borracharia como prometeu, e lá senti mais olhares sobre mim do que no ponto de moto táxi. O loiro desçeu junto comigo. — Consegue fazer a força junin? — O loiro perguntou — De boa, preciso de uns quarenta minutos — acabei ficando bem perto do Biel, quando notei que Rd estava no meio daqueles homens me olhando de canto de olho. — Qual foi diabo loiro? tu é neguin virou mordomo da prof paty agora? — O tal Rd disse com uma voz grossa. — A mina precisava Rd, conhece nada na favela. — Eles deram de ombros, como se não tivessem nem aí. — Quer dar uma volta pelo morro? ou prefere ficar aqui com eles? — O loiro perguntou direto e eu não esperei mais nada pra subir na moto denovo. Rd Narrando Rd agora tá no papo! Cresci no complexo da rocinha, e o comando passou do meu pai pra mim a quase dez anos, o coroa morreu logo depois de passar a coroa dele, confesso que no começo foi difícil mas como tudo na vida passa acabei me acostumando. A única coisa que não me acostumo e com a falta da minha irmã Raiane. Nós dois éramos gêmeos e perder ela foi como se eu perdesse parte do coração que eu achei que nem existia mais tá ligado. A minha coroa Lúcia sempre tá pelos cantos chorando, a nossa única alegria lá em casa é a Raissa, foi a coisa mais linda que Raiane fez na vida dela, Raissa e nossa felicidade, e eu jurei protegê-la com meu sangue se for preciso. Rd vem de Randle, Randle Maicon Reis ou como é conhecido pelos cu azul, procurado da polícia por criar o nosso mundo, aqui não tem governo, e o que eu puder fazer pelo povo do morro farei, não roubo pobre, se roubei alguma vez na vida foi de quem tinha pra mofar e não me arrependo por isso. Não sou casado e nunca vou ser, aliança me dá alergia, então assim vou seguindo a vida, comendo quem eu quero a hora que eu quero, apesar de ter algumas emocionada no morro que acha que tem alguma coisa séria comigo só porque eu já repeti a foda algumas vezes, tipo a Vitória, a mina é linda mas gosta de foder o meu juízo, odeio melação mas elas não entende não pow, quer ficar colada e isso me estressa. Eu tava de boa na boca essa semana quando Jp me chamou no rádio avisando da entrada da professora da dona Ana, já mandei ele se virar com isso porque eu tava ocupado demais. JP e eu crescemos juntos aqui no morro, e ele é como se fosse um irmão pra mim, não é nenhuma novidade já que coloquei ele do meu lado aqui no comando. Jp é filho de dona Suzane, irmão mais velho de Gabriela e Gabriel que também trabalha pra mim como gerente de algumas vielas do morro. Quando dona Ana ligou eu tava fumando um beck pra descontrair, mas quando ela falou no nome da Raissa meu sangue subiu em questão de segundos, praticamente voei pra aquela escola, e não vou negar que fiquei putasso com aquela professorinha, quase levei ela pras ideias por me descontrariar, mas depois de ouvir a voz doce da Raissa, a única coisa que me acalma nos últimos dois anos me fez perceber que ela era uma gostosa! pqp que mulher linda, mas o que tinha de linda tinha de marrenta. " Aqui na minha sala quem manda sou eu" foi o que ela disse, que audácia pow. Já chamou a atenção do pai. — Fala pro teu irmão sair de cima Jp — Falei enquanto tomava uma cerveja na oficina do Junin e via o diabo loiro subindo com a morena. — Qual foi? tá falando da prof paty? — Tu viu outra aqui Zé mané — Ficou de mal humor rápido hein — Debochou — Qual foi? todo mundo sabe que tu odeia patricinha. — Já me viu recusar buceta onde fdp? Só avisa o teu irmão, não quero ele perto da mina nova. — Fica de boa, claro que o chefe que vai experimentar primeiro e o Biel só tá levando a mina pra passear enquanto junin trabalha. — Não importa, melhor avisar agora do que depois tá ligado. — A tua preferida já tá ali te procurando — Ele disse e eu olhei vendo a Vitória subindo o morro com um micro vestido que caberia na minha mão. — Sai de mim chulé. Antes que ela pudesse se aproximar mais subo na moto e vou direto pra casa.Lívia Narrando — Não imaginei que aqui tinha uma vista dessa — Falei, admirada olhando tudo da parte mais alta do morro. Dava até pra sentir o vento do mar.— Imaginei que ia gostar — Gabriel comenta.— Trás muitas aqui? — Pergunto meio que na amizade, sem maldade e ele sorri.— Tá achando que bandido tem tempo de ser guia turístico? — Dechocha de um jeito brincalhão.— Nos jornais eles parecem ter vida de luxo.— Ainda bem que te jogaram pra favela mina, mó dahora conhecer as cultura dos cria — Nós rimos juntos, ele era legal comigo, e na minha cabeça eu precisava de um amigo aqui dentro.— Valeu por me apresentar um pouco do morro, faz quase duas semanas que estou aqui e só conheço o caminho da escola.— Se quer um conselho de amigo é melhor não andar por aqui sozinha não pô — Ele disse sério — O pessoal não te conhece ainda, sacou?— Tô ligada — Falei firme e ele riu.— A Gabriela ia curtir teu jeito — Ele comentou subindo na moto.— Você é casado? Aí meu Deus não quero nenhuma lo
Rd Narrando — Filho é você? — A dona Lúcia pergunta assim que me ouve colocando as chaves na mesa de vidro da sala.— Cheguei coroa — Aviso, não demorou muito pra piveta brotar na sala.— Ti tio — Ela disse vindo correndo pra cima de mim.— Você não tá irritando a vovó não é Raissa — Digo sério e ela me olha, tem o mesmo jeito de sonsa da mãe não é possível.— Avise ele Issa, que o único que irrita a vovó é ele por não escolher logo uma mulher pra casar nesse morro — Minha mãe disse séria e ao mesmo tempo sorrindo.— Você não perde uma oportunidade né coroa, só esquece que o filho tem alergia de coleira — Ela fecha o semblante.— Sua mãe já está velha Randle, sua vida é perigosa, não quero morrer antes de ver um filho seu.— A senhora tem muito pela frente ainda — Falo pegando uma maçã em cima do balcão.— No próximo baile do morro você terá a sua oportunidade, espero que escolha uma boa pessoa, não é porque você faz o que faz que deve casar ruim — Minha mãe avisa.— Faço o que preci
Lívia Narrando Se eu dissesse que aquele clima estava fácil, com certeza eu estaria mentindo. Ficar frente a frente a um dos piores bandidos do estado foi uma coisa que nunca imaginei, porém parte de me já suspeitava depois de aceitar esse emprego.— Bom, queria saber por onde o senhor deseja começar — Falei pegando a pilha de papéis que a Ana deixou separado.— Primeiramente pode me chamar de Rd tá ligada, e eu quero ver o que foi comprado pro lanche dos cria. — Disse sério e imediatamente lhe dei o relatório, ele parecia realmente interessado naquilo.— Algo mais? — Perguntei.— Quero que tu saiba que não quero ninguém com fome aqui beleza? nenhuma cria vai sair dessa escola com fome no final da aula — Avisou.— Não se preocupe — Falei recolhendo os papéis e só então percebi que ele me olhava. — Alguma dúvida?— Porque tá aqui? — Rd perguntou — Pra dar aulas, não é óbvio — Ele riu.— Tu brinca demais pô, mas se olha no espelho, tanto lugar pra tu dar aula e veio logo pro morro? —
Lívia Narrando A semana passou como um flash, mas confesso que gostei muito de passar esses dias sendo a diretora no lugar da Ana. Com certeza essa experiência vai me moldar para um futuro próximo. Ela havia me ligado hoje bem cedo para dizer que vai se ausentar mais duas semanas mas que estava tudo indo muito bem, disse que estava orgulhosa de mim mas não estava surpresa pois já sabia da minha capacidade.Como hoje é sábado não precisei ir para o morro, mas acordei cedo mesmo assim, quero passar um tempo com dona Cláudia, a semana toda correndo de um canto pro outro sem tempo de ficar com ela.Levantei logo da cama e fui pra cozinha preparar nosso café da manhã enquanto elas dormiam. Antigamente eu não me dava muito bem na cozinha, mas depois dos quinze finalmente aprendi, a minha irmã até hoje não faz conta de encostar no fogão, sempre digo a ela que nossa mãe não é eterna.Já estava terminado de colocar as xícaras quando dona Cláudia veio calambiando de sono ainda pela casa. — Qu
— Você só pode estar louca Lívia, desde que seu pai morreu você não ouve mais ninguém. — A minha mãe Cláudia grita enquanto eu estou no banheiro do meu quarto me arrumando para o meu emprego novo, aliás no meu primeiro emprego na minha área que é a pedagogia.— Mãe a senhora precisa relaxar, eles são só pessoas como nós — Confessei pegando a mochila em cima da cama vendo a mesma me olhar.— Claro! São pessoas, não desmereci ninguém, mas são pessoas que moram numa favela, cheio de bandidos armados, prostitutas, tiroteio — Ela dizia sem parar.— Mãe, entendo a sua preocupação mas devia diminuir o uso da televisão aqui em casa.— Vai me dizer que não existe nada disso lá? — Ela me fita de cima a baixo.— Todo tipo de mal existe não é? Mas onde eu vou não, é só uma escola cheio de pequeninos que precisam de educação — Ela finalmente olha-me como se confiasse em mim.— Você não está pensando de ir com aquela moto não é? — Perguntou arqueando uma de suas sobrancelhas.— Acha que a Amanda va
Lívia Narrando Bom, é claro que na TV mostra como são as casas aqui, mas eu não imaginava que algumas eram literalmente em cima de pedras, alguns becos são minúsculos mas por sorte a escola ficava numa rua razoavelmente grande, onde o portão da Escola se encontrava ao centro, as paredes dos muros eram pixadas com um grande desenho de gramas e crianças brincando, e talvez a parte mais linda desse morro seja esse mundo imaginário.E como ainda estava cedo, os alunos não haviam chegado. Mas aproveitei para ir conhecendo o lugar. Quando pisei o pé dentro daquele ambiente fiquei muito encantada com todo aquele capricho, não estava diferente de uma escola num bairro bom do RJ, o dono daqui deve realmente amar educação.— Você deve ser a professora nova não é? — Uma mulher de aparentemente cinquenta anos disse com um sorriso sincero.— Bom dia, tudo bem? Sou! Meu nome é Lívia Azevedo — Estendo minha mão satisfeita.— Seja bem vinda Lívia, espero que sua passagem aqui seja duradoura, meu nom