05

MAYSUM

Acordo atordoada com meu pai me chamando e dizendo que irá até o hospital para assim mamãe poder descansar um pouco em casa. Depois que ele sai, tomo um banho e trato de fazer um café bem reforçado para ela tomar assim que chegar, certamente estará com fome. Cerca de uma hora depois enfim minha rainha está em casa. Alguns minutos depois de sua chegada e enquanto conversavámos, ouço uma batida na porta, minha mãe logo adentra a sala saindo da cozinha, sabendo que só pode ser o senhor Ebraim que veio pegar o dinheiro do aluguel. Caminho na sua frente e abro a porta, olhando para o homem que está parado com uma expressão diferente no seu rosto, acho um tanto estranho pois sempre está de cara fechada, como se tivesse de mal com a vida, mas não com... pesar. Saio dos meus devaneios quando ouço a voz da minha mãe.

— Maysun, peça ao senhor Ebraim que entre, onde está sua educação?

— Me desculpe senhor Ebraim, pode entrar.

Enquanto o homem adentra o centro do cômodo, dona Fátima caminha até o pequeno móvel e pega o envelope que contém o dinheiro do aluguel, mas assim que ela estende o mesmo em direção ao homem a nossa frente, a voz dele se faz presente em tom de recusa e com pesar.

— Como o contrato anual que tínhamos vence hoje, darei a vocês o prazo de cinco dias para desocuparem o imóvel, pois o novo proprietário me pagou muito mais que esse casabre vale.

Minha mãe ao ouvir as palavras de Ebraim fica petrificada. Com a doença do Burak e com a notícia que Ebraim acaba de nos dar, o que será das nossas vidas? Mil pensamentos começam a ecoar na minha cabeça, mas suas últimas palavras fazem todo meu corpo estremecer.

— O senhor Kadar, o novo proprietário, deseja que a sua propriedade seja desocupada o quanto antes possivél.

*******!!!*****!

Depois que o senhor Ebraim profere suas palavras, as quais só trazem tristeza para minha família, ele pega o dinheiro do aluguel e caminha na direção da porta, e antes de deixar o ambiente, volta a mencionar sobre o tempo que temos para desocupar a residência, pois não dará nenhum dia após o prazo estipulado. Fecho a porta e a imagem que vejo a minha frente faz meu coração se apertar. Mamãe, com os olhos cheios de lágrimas, desolada e sem esperanças. Caminho na sua direção e me sento ao seu lado, segurando suas mãos e tentando acalmá-la.

— O que será da nossa vida, filha? Como faremos ficando sem casa e ainda tendo que pagar o tratamento do seu irmão? May, não irei suportar se algo acontecer ao Burak, seu irmão é apenas uma criança e não merece passar por tudo isso.

A cada palavra dita por ela, lágrimas descem pelo seu belo rosto, assim como as lembranças de tudo que vivemos neste lugar, as imagens do meu irmão dando seus primeiros passos onde estamos começam a passar em flashes na minha frente. Sinto uma pontada em minha cabeça enquanto vários pensamentos se fazem presentes, e uma dúvida paira sobre mim. Espero que Alláh me ajude a encontrar o caminho certo a ser seguido.

Mesmo com toda tristeza e sem saber o que faremos em relação ao nosso futuro, nos arrumamos e seguimos para o hospital, e durante todo o percurso, minha mãe se mantem calada. Ver todo sofrimento através dos seus olhos só alimenta ainda mais um pensamento que cresce a cada instante em minha mente, criando uma decisão perigosa. Chegamos no hospital e toda angústia que passamos com a notícia dada pelo seu Ebraim se torna pequena ao ver o meu pai totalmente desolado no corredor próximo ao quarto em que o Burak está, minha mãe ao ver seu estado começa a chorar descontroladamente, um medo agudo atravessa meu peito ao pensar que o pior tenha acontecido ao meu menino. Meu pai vendo o desespero de minha mãe nos conta que o estado de Burak piorou e que ele precisa ser operado imediatamente. Depois de alguns minutos em um completo silencio enquanto limpavamos as lágrimas, seguimos até o quarto onde ele está, e ao adentrar o ambiente, sinto meu coração bater mais forte, descompaçadamente. Me aproximo da cama com os olhos fixos no meu menino, tão pequeno e já tendo que passar por tamanha provação. Meus pais logo se aproximam do seu leito, seus rostos banhados em lágrimas, meu mundo desmorona a cada lágrima que cai. Me afasto um pouco e fico olhando para as três pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe que tem um olhar cansado, uma expressão que suplica descanso, meu pai que sempre foi um homem forte está tão frágil com tudo que anda acontecendo. Penso em como ele reagirá quando souber que dentro de alguns dias nem teremos um lugar para dormir.

Sinto algo dentro de mim explodir como uma granada, meus batimentos estão em um ritmo frenético, denunciando meu medo. O que era somente um pensamento martelando em minha cabeça, diante dos últimos acontecimentos, me dá a constatação que é o certo a ser feito.

E então tomo minha decisão, por mais dificil e humilhante.

Acordo atordoada no momento em que o sol ilumina o quarto, ainda sonolenta tento me acostumar com a forte claridade do ambiente. Lembranças recentes invadem minha cabeça, sinto um calafrio por todo o meu corpo ao lembrar do que tenho que fazer dentro de algumas horas. Estou muito nervosa mesmo, durante a noite acordei umas quatro vezes tendo uma crise de ansiedade e medo que não conseguia controlar. Aproveitando que meu pai saiu cedo para pegar algumas roupas e passar no hospital para ver como minha mãe e Burak estão, me levanto e sigo para o banheiro, tomando rapidamente meu banho e me vestindo. Saio de casa ao encontro do meu pior pesadelo, mesmo indo contra tudo que sempre acreditei, não posso voltar na minha decisão, pela felicidade e bem estar da minha família, não temerei a nenhum obstáculo que tenha que enfrentar.

Durante todo o percurso penso em tudo que sempre cogitei para minha vida, dos sonhos que nunca serão realizados, do meu desejo em não ser apenas uma mulher entre as milhares que vivem nesse lugar, de mostrar que não importa o sexo ou a classe social, todos devemos ter direitos iguais perante a sociedade, mas no momento em que dizer para aquele demônio que aceito as suas condições, sei que minha vida jamais será a mesma e terei que aguentar as consequências da minha escolha.

Depois de quase uma hora chego em frente a empresa Maktoum. Ainda lembro-me do passeio que fui quando ainda estudava, acabamos passando em frente a este lugar, que parecia enorme e ainda continua. Respiro fundo e adentro o ambiente, tudo a minha volta é incrivelmente luxuoso, ostentando muito dinheiro e poder. Me aproximo da recepção e digo meu nome sentindo um nó se formar na minha garganta, meus batimentos aumentam quando o recepcionista diz que o seu chefe já está me aguardando. Ele me fala em qual andar fica a sala da presidência, e mesmo sob alguns olhares masculinos curiosos na minha direção, sigo até o elevador e aperto no botão correto. Olho para minhas mãos assim que as portas se fecham e elas já estão tremendo e suando frio, meus dentes b**em um nos outros, tamanho é o meu nervosismo. Sinto meu coração quase parando dentro do meu peito. O elevador para depois de alguns minutos angustiantes. Saio do cômodo que parecia me sufocar a cada instante e caminho em passos lentos até encontrar outra recepção, falo com uma mulher que tem por volta de uns cinquentas anos, e sigo até a bendita porta. Meu coração b**e ainda mais forte do que antes, respiro fundo tentando acalmá-lo. Não deixarei que o homem dentro desta sala perceba o quanto a decisão que estou tomando me afeta, mostrarei a esse arrogante que por mais que tenha conseguido o que tanto deseja, podendo possuir meu corpo, jamais terá minha alma e meu coração, e sim meu desprezo.

Dou mais alguns passos e fico paralisada olhando para a porta grande de madeira escura, que atrás dela se encontra o homem que mudará a minha vida. Com as mãos ainda trêmulas bato na porta esperando uma resposta que não vem. Resolvo abri-la, entrando na sala. O encontro sentado olhando fixamente para a porta, e agora para mim. Viro-me para fechá-la e em seguida solto um pequeno suspiro girando sobre os calcanhares, olho para ele antes de começar a caminhar até a poltrona. Me aproximo de sua mesa quieta e evitando olhá-lo, e antes que eu tenha qualquer reação, meu coração dispara, sinto todo o meu corpo estremecer quando sua voz potente ecooa pelo cômodo.

— Maysum Wehbe, sabia que viria, só não cogitei que seria tão rápido.

Um sorriso cínico se faz presente em sua face.

Ouço as palavras proferidas pelo homem a minha frente, parando no mesmo lugar, intacta. Vejo-o se levantar, percebendo que me olha, desvio o olhar por um instante, procurando organizar os pensamentos. Tamanha proximidade com esse homem me impede de pensar com clareza, a energia poderosa e sombria que vem dele faz todo meu corpo estremecer e vários pensamentos se fazem presentes na minha mente.

Como um homem com uma aparência tão bonita pode ter um coração empedrado? Como alguém que poderia estar ajudando o próximo se aproveita do sofrimento dos outros para conseguir seus objetivos? Movo a cabeça de modo que nossos olhares se encontram novamente, notando os diversos detalhes do seu rosto. Kadar tem cílios longos e espessos em torno dos olhos amendoados, lindos, porém há uma sombra negra também em torno deles. Engolindo em seco, assustada com o rumo dos meus próprios pensamentos, não entendo o porquê ainda dou atenção ao olhar do demônio a minha frente. Talvez pelo fato de nunca ter cogitado estar prestes a ir contra tudo aquilo que sempre acreditei e mais ainda por saber que o bem estar daqueles que são tudo na minha vida dependem das minhas ações.

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