06

MAYSUM

Ficamos nos encarando sem desviar o olhar um do outro, só se ouvindo o som das nossas próprias respirações, porém o silêncio é quebrado quando a porta atrás de mim é aberta e a senhora que encontrei minutos antes na recepção entrega o envelope que tinha em sua mão para ele e, em seguida, deixa o ambiente na mesma velocidade que adentrou.

— Sente-se. — Diz apontando para a cadeira em frente a sua mesa, assim que se acomoda em sua poltrona. Sem delongas resolvo me sentar, quero acabar logo com tudo isso e sair desse lugar que parece me sufocar igualmente ao elevador. Ele abre o envelope tirando um montante de papéis, logo estende na minha direção, falando:

— Nesse contrato então todas as cláusulas que você terá que seguir, assim como todos os benefícios que sua família irá receber assim que ele for assinado.

Olho perplexa hora para os papéis e hora para Kadar que tem um ar de satisfação visível na sua expressão. Percebendo minha reação, sua voz novamente se faz presente:

— Já que você mesma disse que nunca aceitaria a minha proposta, essa será a minha forma de fazê-la nunca cogitar em não cumprir com sua palavra. Caso isso aconteça não será só a vida do seu irmão que estará por um fio, e sim dos infelizes que você tem por pais.

Além do tom de voz que ele profere suas últimas palavras, o modo como se refere aos meus pais faz, não só um nó se formar na minha garganta, como a raiva incendiar as minhas veias. Lanço-lhe um olhar rápido, e antes dele fazer o que tinha em mente, minha voz ecooa pelo cômodo:

— O fato de você se achar o dono do mundo, de ter bens materiais e ser um homem influente perante a sociedade, não te faz melhor que ninguém. Tenho pena de você Kadar Maktoum, pois certamente nunca conheceu o amor e tão pouco foi amado, nem por aqueles que te deram a vida. Somente uma pessoa de coração sombrio como você, que se diz ser superior aos demais, poderia ter pensamentos e atitudes tão baixas e dignas do próprio demônio que habita em você. Eu e minha família podemos ser muito, mais muito inferiores em relação a posição social em que ocupa, mas uma coisa nós temos que nem todo seu dinheiro será capaz de comprar: amor. — Sem me importar com mais nada, me levanto e caminho na direção da porta. Depois de dar alguns passos e levar minha mão ao encontro da maçaneta, o homem atrás de mim volta a se pronunciar, fazendo com que todo meu corpo fique paralisado:

— Acredito que deveria ter-lhe informado que minutos antes de entrar em minha sala fui avisado que o estado do seu irmão se agravou, e pela notícia que os médicos deram aos seus queridos pais, a essa hora devem estar inconsoláveis. Enquanto você proferia suas palavras, era um segundo que estava perdendo para salvar a vida do pequeno Burak. — Sem que eu possa controlar as lágrimas descem pela minha face, as lembranças das palavras ditas pela minha mãe que não irá suportar perder o nosso menino começa ecoar pela minha cabeça. Reflito por um instante, não posso deixar que eles continuem sofrendo. Suspiro quase silenciosamente, levo uma das mãos até meu rosto e enxugo as lágrimas, engolindo minha raiva. Viro-me e volto para o lugar que estava antes.

Nos minutos seguintes, a cada frase que eu leio, sinto náuseas, um embrulho enorme se forma no meu estômago. Para Kadar sou uma moeda de troca, um objeto a qual ele será o dono e fará tudo que tiver vontade. Minha vontade é pegar o papel a minha frente e esfregar no rosto dele, mas eu estarei tirando a única chance que meu irmão tem para continuar vivendo. Mesmo perplexa e impactada com tudo que li, sem muitas delongas pego a caneta e assino o documento. Levanto o olhar e a visão a minha frente só alimenta ainda mais o sentimento que paira em relação a ele: ódio. O sorriso estampado em seu rosto indica o quanto ele se sente vitorioso, pois mesmo contra minha vontade, acabo de ter voltado atrás nas minhas palavras.

Com tudo já resolvido e tendo somente uma semana como prazo para me tornar mais uma das propriedades de Maktoum, me levanto e caminho na direção da porta. Kadar que antes estava sentado se levanta e caminha na minha direção, deixando-me atordoada com suas palavras:

— Vamos. Além de providenciar a transferência do seu irmão, temos que dar a notícia aos seus pais.

Desde o momento que entrei no carro, mal consigo respirar normalmente. Minhas mãos estão trêmulas devido ao medo e vergonha de contar aos meus pais que me tornarei um objeto de prazer de Kadar Maktoum. Com tudo que estão passando com a doença do Burak, sei que essa notícia trará um desgosto muito grande a eles. Meus pensamentos são interrompidos assim que o carro para em frente ao hospital, e em passos vacilantes, começo a caminhar na direção da entrada principal. Os olhares das pessoas a nossa volta só me deixa ainda mais envergonhada, certamente por saberem quem é o homem do meu lado e terem cogitado que não passo de mais uma perdida que caiu nas garras do príncipe do deserto. Paramos em frente à porta, respiro fundo e antes que eu tenha qualquer outra reação, ele a abre revelando dois pares de olhos fixos na nossa direção.

O silêncio se faz presente no ambiente, meus pais tem uma expressão totalmente desconhecida por mim, é como se já soubessem o que aconteceu, porém seus olhos que até o momento estavam fixos em nós, foram direcionados para a equipe médica que adentra o cômodo indo em direção ao leito do meu irmão. Em meio a mudança que terá a minha vida, fico feliz ao ver o brilho da felicidade nos olhos dos meus pais quando o médico informa que estão transferido Burak e hoje mesmo farão a cirurgia.

Depois que os enfermeiros saem com meu irmão, os meus pais voltam com as mesmas expressões de antes. Respiro fundo me preparando para dar a triste notícia, e no momento em que meus lábios se mexem, as palavras ditas por Kadar não só faz os meus pais ficarem atordoados, como deixa-me sem qualquer reação.

— Dentro de uma semana acontecerá o meu casamento com a sua filha, Maysun Wehbe.

******!!!!!

Casamento. Essa palavra está martelando na minha cabeça desde o momento em que Maktoum surpreendeu não só os meus pais como a mim com a notícia. Minha intenção era contar toda a verdade para meus pais, explicar que tudo que fiz e irei fazer será para o bem da nossa família, mas Kadar se antecipou comunicando a existencia de um casamento que a própria noiva desconhecia. Não sei qual a verdadeira intenção dele em querer a nossa união, pois as cláusulas do contrato deixaram bem claras do que eu serei para ele, onde minha única utilidade será dar-lhe prazer, além de me humilhar com tudo que está escrito naquele documento, o valor estipulado se caso eu mude de ideia após ele ajudar meu irmão é exorbitante, nem lavando todas as roupas da população de Dubai conseguirei quitar a dívida. O que me conforma é que Kadar passará a casa para o nome da minha mãe, dando a eles todo mês uma boa quantia para se manterem, e meu pai terá um emprego em uma das suas fábricas.

Eles demoram um pouco para saírem do estado catatônico em que se encontravam, questionando sem delongas sobre a notícia repentina do meu casamento, mas como já percebi, Kadar está um passo a frente e deu uma explicação convincente. Não sei como ele consegue, mas se eu não soubesse os meios que está utilizando para me ter ao seu lado, teria a mesma atitude dos meus pais após ouvir a história que ele contou, que acabaram acreditando em cada palavra dita por ele. Desde o momento que nos conhecemos na praça até aqui, porém mudando o rumo dos acontecimentos, dando a entender que tanto eu como ele almejamos essa união. Quis gritar e dizer na frente dos meus pais tudo o que realmente está acontecendo, mas ao ouvir as palavras de minha mãe, que mesmo com tudo que está acontecendo jamais aceitaria qualquer ajuda dele em relação ao Burak, e muito menos esse casamento se soubesse que sua filha está — de alguma forma — sendo coagida a aceitar a união, trato logo de deixar claro que quero me unir em matrimônio com Kadar, que acabei me apaixonando e estou muito feliz com essa decisão.

O medo em pensar que eles possam rejeitar a ajuda em relação ao meu irmão, abrindo mão da última esperança que temos para a sobrevivência do meu pequeno, me faz ter a confirmação de que devo guardar para mim mesma os últimos acontecimentos que dará uma nova chance de vida ao Burak. Essa será a minha gaiola, uma prisão que só a morte poderá me libertar. Depois de tudo esclarecido, Kadar nos dá licença, sumindo do nosso campo de visão até deixar o ambiente completamente, o que agradeço mentalmente. Não sei como terei forças para suportar esse homem pelo resto dos dias que ainda tenho de vida. Que Allah me ajude. Os minutos seguintes são de pura agonia por não saber como está indo a cirurgia do meu menino.

Depois de horas que se pareceram mais uma eternidade, o cirurgião responsável surge na nossa frente, e as palavras ditas por ele faz meu coração transbordar de alegria. Como a cirurgia foi um sucesso, ele nos dá permissão para olharmos Burak, caminhamos ao lado da enfermeira que nos guia até o quarto em que ele está para se recuperar. Ao adentrar o ambiente e ver todo luxo e conforto do cômodo, levanto o olhar na direção dos meus pais que estam com os olhos brilhando de felicidade ao lado do meu irmão. A única certeza que tenho é que, por mais que minha vida seja um inferno ao lado daquele homem, a cena que vejo a minha frente vale qualquer sofrimento que terei que passar. Minha família é o meu bem mais precioso e por eles eu terei forças para não sucumbir diante do demônio que será o meu marido.

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