O ônibus estacionou uns dois pontos antes da universidade, e eu precisava andar apenas alguns passos até lá. Meus olhos tentavam não se fechar pelo simples fato de ter que acordar antes de todos para fazer o café da manhã e os afazeres, mesmo após apanhar como uma mala velha.
Não era simples conviver com toda aquela situação. Eu sempre percebi ser diferente das outras pessoas; era tímida e reclusa. Talvez fosse normal, considerando o ambiente em que fui criada como uma escrava a vida toda, sem nenhum resquício de amor ou afeto. Não havia muitas convicções ou esperanças para mim; eu nunca conseguiria ser feliz estando naquela casa.
Muitas vezes, já me perguntei: se meus tios têm boas condições, por que não contrataram uma empregada?
Isso era simples de responder; por que raios eles iriam contratar mão de obra se tinham a minha gratuitamente?
Andei mais um pouco com dificuldade, pois meu corpo doía e latejava. Enfim, eu cheguei à universidade.
As garotas me olhavam com desprezo e superioridade. Eu não tinha roupas boas, usava normalmente os restos de minha prima, e eram os restos mesmo. Era um olhar de "coitada desta pobre órfã".
Eu me incomodava com isso, é claro, mas eu sabia que carregava comigo uma arma poderosa: a inteligência e a força de vontade para vencer.
Balancei a cabeça em negação aos olhares, e continuei seguindo em direção à entrada, quando David se aproximou do meu lado.
— Hoje as aulas irão ser mais rápidas — comentou ele.
— Espero que sim — sorri em resposta. Às aulas de anatomia são sempre complexas, mas eu gosto.
— Você é muito inteligente, senhorita Turner, faz algo com facilidade em todas as matérias — disse ele e imediatamente meu rosto corou.
— Eu não diria desta maneira, não ando com tempo para estudar.
David era praticamente um sonho de consumo, ele era lindo, inteligente e o melhor de tudo: me tratava bem. Coisa que eu não estava muito acostumada, muito menos com homens, eu não tinha tempo para isso.
Além de tudo, ele era sobrinho do homem mais poderoso da cidade, William Carter. Ele era misterioso e eu nunca o vi. Porém, as meninas não saíam do pé de David por conta do dinheiro e propriedades da família dele.
Ele despertava algo em mim, acredito que pelo fato dele me tratar tão bem, talvez ele até quisesse algo comigo. Não que já tenha dito algo, mas estava sendo gentil.
Ou eu que seria iludida?
Seguimos andando lado a lado, e um sorriso bobo surgiu em meus lábios, imaginando a possibilidade de sermos um casal, será que eu poderia me apaixonar por alguém?
Adentrei a sala de aula e a senhora Johnson já estava escrevendo na lousa, me sentei rapidamente na cadeira e tirei meus cadernos da bolsa, eu precisava prestar atenção se quisesse manter a minha bolsa. Bolsistas só tinham uma opção, que era estudar.
A aula prosseguiu, e eu me segurava para não cair na carteira, provavelmente pela falta de uma noite de sono de qualidade.
Meus pensamentos se voltavam para a m*****a cara e a dívida de trezentos mil dólares em meu nome, eu nunca ia reaver aquela casa. E meu nome estava perdido para sempre.
David estava sentado ao meu lado, soltando piadinhas e me fazendo sorrir, eu devia estar que nem uma completa idiota o observando. Todas as meninas da sala estavam obcecadas por ele, e era comigo que ele fazia piadinhas.
Eu sabia que não era das mais bonitas. Bom, eu podia até ter alguns atributos, os olhos esverdeados que haviam sido características herdadas da minha mãe, eu sabia disso, pois tinha uma foto dela em minha estante. Uma das únicas. Meus cabelos eram castanhos e longos, e tinha uma altura mediana, mais ou menos 1,65 de altura.
Eu tentei buscar mais informações sobre os meus pais, mas sem sucesso, meus tios não me permitiam e não me contavam, com a justificativa que era para evitar o meu sofrimento.
Anne, você fez a atividade de ontem?" ele perguntou se aproximando podia sentir seu hálito quente de tão próximo que ele estava.
— Fiz, sim—o encarei" Essa atividade vale nota David, como não faria?" arqueei as sobrancelhas.
— Eu não fiz, estava ocupado. Você poderia me emprestar depois?
— Claro —sorri e senti minhas bochechas corarem.
— Você é linda, Anne —cochichou em meu ouvido —Obrigado.
Eu sentia como se fosse um pimentão de tão vermelha, ele me causava sentimentos que eu não sabia expressar direito, que merda.
A aula acabou, e David se despediu de mim com um beijo no rosto.
As pessoas foram saindo gradualmente, e eu iria ficar um pouco mais para tirar algumas dúvidas sobre a matéria com a professora. A medicina era a única parte boa da minha vida, e as aulas teóricas eram as melhores. Mal podia esperar por mais.
Me despedi da professora Johnson e saí da sala feliz. Quando saísse dali, iria para a festa escondida.
Eu teria que me esconder para que meus tios não me vissem de forma alguma.
Eu era uma típica Cinderela, porém sem os sapatinhos de cristal, e muito menos o príncipe, é claro.
Fui até o banheiro me trocar; eu havia trazido comigo um vestido na bolsa. Era lindo, todo preto, com alguns detalhes em prata.
Lembro-me de ter juntado tudo que pude para comprá-lo e só usá-lo em uma ocasião especial, já que eu não saía mesmo.
Entrei no vestido, me observei no espelho meio sujo do banheiro da universidade e pela primeira vez em muito tempo eu me achei bonita, passei um batom vermelho nos lábios e por fim soltei os cabelos.
Eu senti como se hoje eu não fosse Anne Turner, mas sim uma jovem que só queria ver uma festa de verdade.
Saí de lá esperançosa; meus cabelos que batiam na cintura estavam esvoaçando por aí.
Quando andei mais um pouco, chegando quase à saída principal da faculdade, o meu sorriso broxou imediatamente quando me deparei com David aos amassos com Amber, uma das garotas medíocres da sala.
Não consegui conter as minhas lágrimas; eu sabia que não tínhamos nada sério e que nunca tivemos nada, na verdade. Mas estávamos flertando há meses, e ele parecia querer algo.
Me afastei rapidamente dali, ao correr acabei dando de cara com Sarah, a faxineira de lá.
Conversávamos sempre que podíamos e ela era uma pessoa maravilhosa. Ela era uma das poucas que sabiam realmente o que eu passava.
Minha menina, você está linda, mas que lágrimas são essas?—Ela ergueu meu queixo.— Por que está chorando, Anne?
— O cara que eu gosto— Falei entre soluços —Ou melhor, que eu pensava gostar, estava se agarrando com outra na saída. Agora não quero sair e encará-lo.
— Querida— ela se sentou no banco ali perto me pedindo para se sentar ao seu lado — Homens são assim, só pensam com a cabeça de baixo. Escute o que eu lhe direi. Não se diminua por eles, pois no fim, a maioria deles só sabem fazer merda e se deitar com qualquer uma que eles veem pela frente. Você acha que vale a pena essas lágrimas?
Fiz que não com a cabeça.
— Então, Anne, vá com esse vestido seja lá para onde você estiver indo. Passe por ele, e ele irá ver o que perdeu. — ela deu um sorriso contagiante.
— Você tem razão, Sarah —dei um sorriso amarelo. — Não vou deixar isso me abalar.
— Se a bruxa da sua tia não te abala, quem é esse garoto? — Ela disse, e rimos.
Sarah tinha razão. Iria para essa festa. Um pouco de liberdade não iria matar ninguém.
Eu estava decidida a estar livre das correntes invisíveis daquela casa, então coloquei a minha máscara, e segui.
O que de pior poderia acontecer afinal?
O ambiente era totalmente diferente do que imaginei, eu criei tantos cenários em minha cabeça de como seria o baile de máscaras. É, eu não ia a festas. Meus tios me proibiam, sempre. Eu não os denunciava, pois eles eram influentes na cidade por conta de seus comércios. Então eu, uma órfã, que não tinha onde cair morta, iria desafiá-los. Quem eu pensava ser? Eles podiam fazer o que quisessem comigo que jamais iria haver alguém para me defender, e me deixavam ciente disso. Eles eram regados de segredos. Segredos que eu não fazia a mínima ideia de quais eram. Afinal, meu quarto era fora da casa, isso mesmo, eu vivia num quarto fora da casa. Quão legal minha vida era?A festa estava muito bonita, tudo bem-arrumado e todas as pessoas aqui parecem ser tão importantes, eu me sentia deslocada naquele lugar, mas ok. Era somente não deixar meus tios me verem aqui. Mas se tem uma coisa que viver naquelas condições subalternas me ensinaram, era a me esconder.Todos estavam me observando, talvez
Engoli o seco, encarando a figura brava de Amélia, ela estava furiosa, como se eu tivesse cometido um crime contra ela, ou eu nem sei o quê.Dei três passos para trás, tentando me afastar, eu não tinha para onde correr, e sabia o quão perversa ela podia ser.Eu tentava argumentar alguma palavra que pudesse me defender dos abusos sofridos, mas parecia impossível formular uma frase naquele momento.Minha respiração estava ofegante, minhas mãos tremem enquanto continuo a dar passos para trás quando percebo que já estou encostada na parede ao lado da cama, pois o porão era tão pequeno que eu mal cabia nele. Merda— Eu sempre soube que você era um lixo e devíamos ter deixado você ir para um orfanato. — Ela cuspiu as palavras em mim. — Eu só fiquei pouco tempo na festa, não quis…— Cala a boca, Anne! — me interrompeu. Uma mistura de choque e medo invadiu meus olhos, eu não sabia se ela estava brava pela festa, ou por mais o quê.— Por acaso, a diretora da faculdade onde você estuda, por
William Carter. Deslizo meu uísque favorito sob a bancada enquanto observo a mulher se vestir após uma longa noite. Eu já estava satisfeito, então queria que ela sumisse da minha vista o mais rápido possível.A maioria dos lobos gostava de fazer sexo em sua forma humana. E eu compartilho do mesmo pensamento, apesar de me sentir superior a essa raça. — Se o senhor desejar, posso ficar mais, meu alfa. — ela toca em meu ombro. Olho para a loba com desprezo. Em meus trinta e quatro anos de vida, não encontrei a minha companheira, e nem faço a mínima questão de encontrar. Elas são como um brinquedo para mim, as uso e quando já fizeram o que eu queria, mando embora.— Não. Você não quer que eu repita, eu odeio repetir as frases. — falei e ela saiu do quarto rapidamente com o resto de suas roupas na mão.Dei o último gole no meu uísque e segui para o escritório, quando Lucca, meu Beta, entrou no mesmo.— Senhor, há um problema na sede principal da construtora — ele disse. — Que problema
Anne TurnerEu odiava o escuro, não me remetia a coisas boas. Sentada neste porão, sem claridade externa alguma, havia me cansado de chorar e decidi. Se em todos esses dias e anos em que chorei nada mudou, de que adiantaria desperdiçar lágrimas?Fui até a porta do porão e como imaginei, trancada.“Merda!”, murmurei passando a mão entre os cabelos”. Não, não, não! Tenho que encontrar um jeito de sair desse lugar, minha tia irá me deixar aqui e só me tirar para fazer o que ela desejar".Suspirei, meu coração ainda batia fortemente. Procurei possíveis formas de sair, e bufei com a frustração. Era inútil.Eles haviam me deixado com fome. Mas tudo bem, hoje foi um novo dia. Me sentia como uma mercadoria danificada.De repente ouvi batidas na porta, e meu nome ser pronunciado em um pequeno sussurro. “Anne”, a pessoa do outro lado da porta falou”.Em seguida, o silêncio se instalou, e vi um prato de comida sendo passado debaixo da porta.Era Valerie.“Olha Anne, não sou muito sua fã, mas n
O carro estacionou em frente a uma mansão. Engoli as lágrimas durante toda a viagem. Ele abriu a porta do carro e ordenou que eu saísse. Uma voz em minha mente dizia que eu não era culpada por nada disso, mas todos os acontecimentos em minha vida pareciam fadados à desgraça. Havia apenas um buraco em meu peito, que me fazia gritar de tanta impotência.Eu estava possessa de ódio, ele me consumia, o meu interior gritava, eu parecia uivar em desespero, estava confusa.A fachada da casa era estonteante, com carvalhos-brancos muito comuns aqui em Portland. Eu observava tudo atentamente, tentando entender o que este homem queria comigo. Se eu tivesse escolhido, estaria bem longe dessa cidade e de tudo que a rodeia.Ele era tio de David, e se eu pedisse ajuda a ele? Provavelmente isso não daria certo. David jamais ficaria contra o tio. "Entre", William diz sem me olhar."Fiz como o mesmo pediu, não iria provocar a sua ira novamente, o tapa desferido em meu rosto já fora o suficiente. E
WilliamHoras atrás, a garota esperneou para não ir comigo. Quando decidi levá-la, nem sei ao certo o que se passou pela minha cabeça; eu só sabia que ela seria minha propriedade. E quando eu queria algo, ninguém seria capaz de negar.Ao chegar na casa dos Turner naquela noite, observei tudo ao meu redor. Seria ela a empregada deles? Eu podia sentir o cheiro da garota e me perguntava se ela era humana. Mas por que diabos eu estou me sentindo assim por uma mera mortal?Nunca fui do tipo de cara que se interessa por uma mulher por mais de uma noite, mas nunca tinha sentido essa sensação desde o primeiro dia em que meus olhos cruzaram os dela na festa. Enquanto a maioria dos lobos naquela sala tentava me bajular, minha mente só voltava para ela.A observei de longe, sua roupa de empregada, seu olhar cansado. Ela carrega algo em si, uma tristeza profunda. O bando conversava baixinho entre si, discutindo sobre assuntos estúpidos que nada tinham a ver com essa reunião.Foi então que decidi
AnneFaço uma lista mental de toda a casa para que eu possa não me perder. Me levantei da cama bem cedo, às seis da manhã já estava de pé. Meus cabelos, penteados, roupa vestida, não sabia o que me esperaria hoje. Mas tentaria fazer tudo perfeitamente para que ele não me fizesse mal. "Aqui Anne", a governanta Agnes me mostra a cozinha". Observo Agnes pacientemente enquanto ela me mostra o que deve ser feito. Estava com medo, não sabia como funcionava aqui e o que aquele homem queria comigo. Então, seja o que for, eu irei fazer."Pode colocar a louça na mesa querida Anne, o senhor Carter costuma descer daqui a pouco para seu desjejum. Em seguida, venha tomar o seu café na cozinha" ela aponta para o armário onde estão as louças"."Tomar café da manhã? " Falei nervosa com as mãos apoiadas no balcão. ""Sim, Anne. Você nunca tomou café da manhã por acaso?" a governanta arqueou a sobrancelha e me olhou intrigada"."Não é que… "fiz um gesto de balançar a cabeça" Deixa para lá, farei o que
William Carter Minhas patas traseiras tocam a terra úmida, eu explodia em êxtase pela floresta escura enquanto corria cegamente. No céu a lua iluminava todo o caminho e as folhas caídas das grandes árvores.A brisa noturna acaricia minha pelagem cinza, fazendo com que cada pelo se eriçasse em resposta, e inalações profundas preenchem meus pulmões com o aroma fresco da floresta.O som dos galhos secos se quebrando sob minhas patas se une à minha própria batida cardíaca. Enfim, livre.Esses eram um dos momentos em que eu raramente me sentia vivo.Meu lobo, Storm, me domina e corre por toda a floresta uivando. Todo lobisomem nascia com dois corpos. O humano, e o lobo, exceto alguns que nasciam sem lobo, O que era raro. E às vezes, ou quase sempre a minha parte lobo me dominava. Procuro minhas roupas rapidamente, preciso voltar para minha forma humana.Me recordo que eu deveria me lembrar de deixar minhas roupas mais próximas de mim toda vez.Eu corro pela reserva, na qual, fechei tod