Foi um retorno tortuoso, angustiante, sufocante!
Queria correr, para sair dali o mais rápido possível. Sair antes que as garotas despertassem; sair antes que dessem pela falta do casal; sair antes que algum morador insone (que poderia ter ouvido os gritos) viesse verificar o que tinha acontecido. Mas não correu. Apenas andou, apressadamente, atento aos menores ruídos. Teria ouvido uma janela bater? Teria visto uma pessoa observando suas ações, de dentro de uma daquelas casas? Alguém teria visto tudo? Estaria sendo seguido? Olhou para trás, apavorado! Nada viu. Os jovens estavam distantes, nos bares. Um cachorro latiu, ao longe. Um carro buzinou. Alguém tossiu. E se aparecesse uma viatura policial, naquele instante?
— Acalme-se, seu babaca — murmurou, para voltar à calma. — Acalme-se, seu imbecil!
O bom é que verificou que a rua estava deserta (bendita solidão!), com a movimentação mantendo-se constante somente na frente do clube de forró. A música que ouvia só contribuía para aumentar sua raiva. Se pudesse tocar fogo nesse clube desgraçado…
Manteve as passadas rápidas. Minutos depois, virou à esquerda, entrando na rua Lino Moreira, onde estava seu Uno, seu maravilhoso Uno! Seu puro-sangue de duas portas!
Continuou a andar, dessa vez menos nervoso, rumo ao sul. Avistou seu carro, o que diminuiu um pouco sua ansiedade. Talvez conseguisse alcançá-lo sem enfrentar nenhum contratempo. Ledo engano. Subitamente, um carro se aproximou, às suas costas. Seria da polícia? Não teve coragem de verificar! Retesou os músculos (nervoso) e manteve a cadência dos passos. Suas mãos tremiam. Pretendia cobrir o rosto, assim que o carro passasse. Infelizmente, como que para azucrinar sua confusão mental, como que para aumentar seu azar, o motorista, um senhor de idade (não era da polícia, algo que lhe arrancou um breve suspiro de alívio), parou o carro (um Scort branco) perto dele, baixou o vidro e perguntou, com um tom de voz esquisito:
— Olá. Pode me dar uma informação, rapaz?
Viu-se obrigado a parar de andar. Aquele velho esquisito (meio que afeminado) lembraria dele, posteriormente? Esperava que não.
— Pois não? — indagou, baixinho, olhos fixos na porta do carro, procurando disfarçar a voz.
— Sabe onde fica a rua Gutemberg Alenco?
Rua? Ele disse rua? Fingiu coçar (com a mão direita) as sombrancelhas, para, salvo melhor juízo, dificultar um possível reconhecimento. Devia ter colocado o boné; devia ter colocado o bigode postiço. Devido ao inusitado da situação, acabou por esquecer esses detalhes. Merda! Teria o velho desconfiado de algo? Teria percebido o ligeiro tremor de sua mão direita? Teria percebido que alguma coisa não estava se encaixando, ali? E por que, diabos, aquele velho procurava uma rua, em plena madrugada? Não seria, na verdade, um gay, à procura de aventuras? Se fosse gay, com certeza o convidaria para entrar no carro.
— Desculpe, mas não conheço o bairro — respondeu, rusticamente, sem encarar o velho.
Ficou à espera do nojento convite. Se isso acontecesse, diria “não” e voltaria a caminhar. Transar com veados não era sua praia. Detestava-os, na verdade. Se pudesse dar um tiro naquele rosto imundo. Se pu…
— Obrigado, amigo — ouviu, para seu alívio, o velho murmurar, baixinho.
Teria o velho desistido de assediá-lo, talvez pelo modo grosseiro como respondera sua pergunta? Teria percebido o alto nível de ódio despontar em seu semblante? Ou teria captado a essência homofóbica de sua personalidade? Jamais iria saber, embora isso não tivesse a menor importância. Esperou o velho acelerar o Scort. Adeus, bicha velha!, pensou, irônico. Talvez fosse. Quem sabe? Provavelmente sim.
Quando o Scort virou a esquina, parou de pensar no assunto e retomou sua caminhada. Sozinho, cansado e raivoso. Os gritos. Isso nunca tinha acontecido. Por que a maluca fez aquilo? Uma doida, claro. Doida e… gostosa. O corpo sedutor da branquinha rebelde lhe veio à mente. Ela tinha belos seios, sem dúvida, além de um convidativo par de coxas. Se pudesse…
Assustou-se, quando dois cachorros latiram para ele. Chegou a dar dois passos para trás, sobressaltado! Só me faltava essa, refletiu, irado. Merda de cães! Controlou a vontade que sentiu de atirar naqueles malditos animais (um tiro nas patéticas fuças deles!), como fizera tantas vezes, no passado. Inspirou o ar da madrugada e a vontade passou. Não poderia perder tempo. Seguiu em frente, ignorando os cães. Minutos depois, os bichos pararam de latir.
Alcançou, enfim, o Uno, parado na frente do armazém. Seu amigo Uno, de longas jornadas!
Sentou-se ao volante e procurou não pensar em mais nada. Estava mais calmo, se isso fosse possível. Novamente respirou fundo. A rua continuava deserta, exceto pelos cães. Sabia que, daqui a algumas horas, aquela região iria se transformar num cruel pandemônio. O caos iria se instalar. Dane-se! Com a mochila no banco do lado, ligou a ignição e arrancou, abandonando a área.
Entrou na garagem da casa de madeira às 4h20min.
Apesar do cansaço, realizou uma pequena, mas primordial operação. Saiu do Uno, ligou a luz, pegou uma chave de fenda e trocou as placas do carro. Guardou as placas frias nos fundos de um baú de madeira, repleto de ferramentas. Uma vez na casa, tirou (da mochila) a garrafa térmica e as barras de chocolate, deixando-as em cima da mesa da cozinha. Escondeu, em seguida, a mochila preta debaixo da cama de casal, no quarto. Colocou a carteira porta-cédulas e o relógio de pulso ao lado do celular, sobre o tampo do criado-mudo. Tirou os sapatos pretos, de couro, os colocou dentro de um saco e os guardou debaixo da cama. Passou as mãos nos cabelos.
Depois, seguiu para o banheiro, onde urinou e tomou um banho. Com a água caindo, pensou nos cadáveres que deixara para trás. Era um assassino. O ato de tirar uma vida nada representava para ele. Que se dane! Aquele casal intrometido mereceu seu destino. O que o deixava deprimido e irado era o fato de não ter transado com a branquinha rebelde ou com outra gata solitária qualquer. Perdera um corpo e isso, sim, o incomodava. Com relação aos crimes, não deixara pistas (exceto o velho do Scort) e acreditava que poderia se safar dessa. O problema é que tudo aquilo se tornaria um escândalo de proporções colossais, na cidade. Todos comentariam o acontecido. O choque seria geral. Como consequência, as operações da polícia se intensificariam. As garotas ficariam em alerta total. As armadilhas seriam montadas. Os donos dos clubes estariam de sobreaviso. Devido a esses fatores, chegou à conclusão de que teria que dar um tempo. Era uma decisão cruel, porém necessária. Pelo menos por uns três meses, até as coisas esfriarem. Só não sabia se poderia aguentar tanto tempo. Afinal, o desejo que sentia era muito forte. Por anos conseguiu controlá-lo. Atualmente, não estava obtendo sucesso em refrear essa mania diabólica. Mas tinha que se controlar! Caso contrário, seria preso, além de correr o risco de ser submetido às monstruosas taras dos vagabundos que infestavam as penitenciárias do país. Precisava, portanto, ser bem cauteloso.
Saiu do banho, colocou as roupas sujas no cesto a ela destinadas, foi ao quarto, enxugou-se e vestiu sua bermuda azul. Nu da cintura para cima, foi até a cozinha e ingeriu um copo d’água na temperatura ambiente, haja vista a geladeira estar desligada. Aproveitou para retirar o excesso de água do congelador. Limpou o interior da geladeira com um pedaço de pano. Satisfeito, retornou ao quarto. Ligou a luz e o ventilador de pé, que resgatara da sala. Precisava comprar outro. Ligou a televisão de 42 polegadas e o aparelho DVD. De sua coleção de filmes pornográficos (tinha 35 discos), escolheu um, intitulado “revoltas anais”. Inseriu o disco no aparelho. Só recorria aos filmes quando se sentia carente, quando o desejo que sentia, por sexo, se tornava insuportável.
Como agora.
Deitado na cama, desligou a luz.
Tirou a bermuda e, enquanto assistia as cenas eróticas, com mulheres brasileiras (sexo anal sem camisinha), pensou nos seios da branquinha rebelde, no seu corpo roliço e não resistiu. Masturbou-se na cama, entre gemidos pornográficos. Teve um orgasmo estranho, fruto de sua insatisfação. Não era a mesma coisa. Transar com uma garota desacordada era muito mais prazeroso. Mas um dia voltaria à carga. Só tinha que suportar a pressão, nos próximos três meses.
Haja saco!
Sonolento, limpou a barriga com uma toalha de rosto, que retirara da gaveta do guarda-roupa.
Retirou o disco, do aparelho DVD, colocou-o na capa e o guardou no pequeno baú de plástico, juntando aos demais 34 discos. Desligou a TV e o aparelho. Bocejou.
Relaxou o corpo e cobriu-se com o lençol. Fatigado, mal fechou os olhos e dormiu, um sono profundo, sem sonhos ou pesadelos.
Blém, blém! Acordou assustado, os olhos arregalados, sem saber onde se encontrava. Estaria num buraco, repleto de sombras sinistras por todos os lados? Preso por correntes? Que barulho era aquele? Seria o chamado do demônio? Ou o som da perdição? Sua desorientação durou alguns segundos. Depois, reconheceu os contornos do quarto (seu aconchegante quarto!) e se acalmou. Não havia buraco nem sombras sinistras. Não havia demônios! Sentou-se na cama de casal e esticou os braços, espreguiçando-se. Bocejou. Olhou o visor do relógio: 7h55min. Blém, blém! Novamente a campainha. Seria a polícia? Estariam os malditos policiais ali, prontos para levá-lo? Impossível,
O trânsito estava tranquilo, naquela manhã de sol. Era um sábado realmente agradável. Mesmo assim, levou quase uma hora para chegar a seu destino. Manteve velocidade moderada, de modo a facilitar as coisas para o sujeito de bigode, que o seguia, lá atrás, no comando do caminhão-baú. Percorreu várias ruas, rotatórias e avenidas, até alcançar a ponte Tex Wint, de 120 metros de extensão, sobre o rio Buril. Deixou a ponte para trás, percorreu 200 metros da larga avenida Dézio Khisp e virou à direita, entrando na rua Alípio Tunner. Rua esta que possuía um aclive inicial de 20 metros, para depois ficar plana. Seguiu em frente e virou à direita, entrando na segunda rua, a rua Péricles Avron. A sua rua! Seu novo e maravilhoso lar! Era uma rua alta, estreita e sem saída,
Atônito, não soube o que dizer. Pegou o papel e olhou para o setor que o garçom apontava. Alimentou o sonho e a esperança de ser a loira, a autora da ousadia. A loira, a deusa do amor eterno, havia entrado em contato? Tomara a iniciativa, oferecendo sua paixão incontida? Será? Infelizmente não era a loira e, sim, uma morena, que estava sentada do outro lado do restaurante, também a 20 metros dele. Empolgado com a loira, só tinha olhado uma vez, naquela direção, quando de seu reconhecimento visual e superficial do ambiente. A morena, que se encontrava sentada de frente para ele, estava acompanhada de uma mulata baixinha. Quando fixou os olhos nela, percebeu que ela sorriu, confiante, além de erguer seu copo de cerveja, como se fosse um convite. Incrível! Teve que sorrir, ante o inu
Dizia o texto: RELATÓRIO “A LOIRA DA FAÍSCA” O QUE É A FAÍSCA?De modo resumido, para não me alongar no assunto, “faísca” é a palavra que encontrei para denominar “paixão”. Sentir a “faísca” é estar apaixonado, é desejar inte
Continuação do relatório. Macto estava concentrado, apesar de já ter lido tudo aquilo mil vezes.5.4. OBSERVAÇÃO:Caso um dia alguém leia o conteúdo desse relatório, após a minha morte, poderá achar o perfil acima descrito como esdrúxulo e profundamente incoerente. Tudo bem. Talvez seja. No entanto, tenho esperanças de encontrar uma garota que se encaixe em pelo menos 80% dos itens por mim idealizados. De resto, é apenas uma questão de diálogo e adequação. Além do mais, na medida em que vou envelhecendo, vou ficando mais maleável, mais tolerante. Sei que o mundo também está mudando, principalmente nas ideologias e no comportamento social dos seres humanos. Por isso, não
Fez o caminho de volta, levando o saco com as coisas que acabara de comprar. Ao passar pelas garotas, nada disse. Manteve-se no meio da rua, um pouco mais longe do trio. Mas encarou a garota. Fixamente! Notou que ela também o encarou, sorrindo. Num impulso, balançou a cabeça, afirmativamente. Sheila percebeu e soltou uma risada alta, olhando para o céu. Parecia estar se divertindo. Sorriu também e passou por elas. Ao abrir o portão pequeno, da casa 14, notou que as três garotas olhavam na sua direção. Levantou a mão direita e acenou, dando um “tchau!”. Para sua alegria, Sheila (somente ela) também levantou sua mão direita e retribuiu o aceno, sorrindo. Incrível! Sensacional! Não tinha mais dúvida. Era ela! Era ela! Ou tinha? Ao entrar na casa, sentiu seu coração pulsar, em ritmo acelerado. Pulsava forte, co
Continuou seu discurso, descrevendo tudo o que leu, a respeito do assunto. Fingiu prestar atenção à lenga-lenga do colega, enquanto murmurava palavras como “horrível”, “lamentável” e “horripilante”. No fundo, estava enfastiado com o assunto, não querendo mais saber de um troço do qual fora o protagonista. Havia sofrido na pele a angústia de quase ter sido preso! Tudo por causa do maldito casal. Pare de falar, Fábio, seu ridículo, pensou. Mal via a hora de concluir a refeição, o que ocorreu, minutos depois. Despediu-se de Fábio (um alívio!) e foi até uma das agências da VIVO, onde atualizou o endereço, fins recebimento do boleto da internet sem fio. Depois, saiu e entrou na praça “Lírio Doce”. Sentou-se num dos bancos de
Começaram a conversar. Evitando olhar para o decote libidinoso (para não ter uma ereção), conduziu o diálogo para a vida pessoal dela. Patrícia não hesitou em se abrir. Disse que tinha 32 anos, casara aos 16, tivera uma filha aos 17, e, após 15 anos de um casamento tumultuado, havia, enfim, se separado. Estava separada a um ano e meio e sua filha, que se chamava Bárbara, acabara de completar 15. Morava com ela num confortável apartamento, no oitavo andar de um prédio de 12, no centro da cidade. Era dona de uma loja de confecções, católica não praticante, gostava de dançar, praia, shopping, tomar vinho e namorar bastante. Não pensava em casar de novo, fins não sofrer outra desilusão, outro sofrimento. Estava no restaurante com sua melhor amiga, de nome Gabriela (ou Gabi, como costumava chamá-la; a mulata ri