CAPÍTULO 05

      Foi um retorno tortuoso, angustiante, sufocante!

      Queria correr, para sair dali o mais rápido possível. Sair antes que as garotas despertassem; sair antes que dessem pela falta do casal; sair antes que algum morador insone (que poderia ter ouvido os gritos) viesse verificar o que tinha acontecido. Mas não correu. Apenas andou, apressadamente, atento aos menores ruídos. Teria ouvido uma janela bater? Teria visto uma pessoa observando suas ações, de dentro de uma daquelas casas? Alguém teria visto tudo? Estaria sendo seguido? Olhou para trás, apavorado! Nada viu. Os jovens estavam distantes, nos bares. Um cachorro latiu, ao longe. Um carro buzinou. Alguém tossiu. E se aparecesse uma viatura policial, naquele instante?

      — Acalme-se, seu babaca — murmurou, para voltar à calma. — Acalme-se, seu imbecil!     

      O bom é que verificou que a rua estava deserta (bendita solidão!), com a movimentação mantendo-se constante somente na frente do clube de forró. A música que ouvia só contribuía para aumentar sua raiva. Se pudesse tocar fogo nesse clube desgraçado…

      Manteve as passadas rápidas. Minutos depois, virou à esquerda, entrando na rua Lino Moreira, onde estava seu Uno, seu maravilhoso Uno! Seu puro-sangue de duas portas!

      Continuou a andar, dessa vez menos nervoso, rumo ao sul. Avistou seu carro, o que diminuiu um pouco sua ansiedade. Talvez conseguisse alcançá-lo sem enfrentar nenhum contratempo. Ledo engano. Subitamente, um carro se aproximou, às suas costas. Seria da polícia? Não teve coragem de verificar! Retesou os músculos (nervoso) e manteve a cadência dos passos. Suas mãos tremiam. Pretendia cobrir o rosto, assim que o carro passasse. Infelizmente, como que para azucrinar sua confusão mental, como que para aumentar seu azar, o motorista, um senhor de idade (não era da polícia, algo que lhe arrancou um breve suspiro de alívio), parou o carro (um Scort branco) perto dele, baixou o vidro e perguntou, com um tom de voz esquisito:

      — Olá. Pode me dar uma informação, rapaz?

      Viu-se obrigado a parar de andar. Aquele velho esquisito (meio que afeminado) lembraria dele, posteriormente? Esperava que não.

      — Pois não? — indagou, baixinho, olhos fixos na porta do carro, procurando disfarçar a voz.

      — Sabe onde fica a rua Gutemberg Alenco?

      Rua? Ele disse rua? Fingiu coçar (com a mão direita) as sombrancelhas, para, salvo melhor juízo, dificultar um possível reconhecimento. Devia ter colocado o boné; devia ter colocado o bigode postiço. Devido ao inusitado da situação, acabou por esquecer esses detalhes. Merda! Teria o velho desconfiado de algo? Teria percebido o ligeiro tremor de sua mão direita? Teria percebido que alguma coisa não estava se encaixando, ali? E por que, diabos, aquele velho procurava uma rua, em plena madrugada? Não seria, na verdade, um gay, à procura de aventuras? Se fosse gay, com certeza o convidaria para entrar no carro.

      — Desculpe, mas não conheço o bairro — respondeu, rusticamente, sem encarar o velho.

      Ficou à espera do nojento convite. Se isso acontecesse, diria “não” e voltaria a caminhar. Transar com veados não era sua praia. Detestava-os, na verdade. Se pudesse dar um tiro naquele rosto imundo. Se pu…

      — Obrigado, amigo — ouviu, para seu alívio, o velho murmurar, baixinho.

      Teria o velho desistido de assediá-lo, talvez pelo modo grosseiro como respondera sua pergunta? Teria percebido o alto nível de ódio despontar em seu semblante? Ou teria captado a essência homofóbica de sua personalidade? Jamais iria saber, embora isso não tivesse a menor importância. Esperou o velho acelerar o Scort. Adeus, bicha velha!, pensou, irônico. Talvez fosse. Quem sabe? Provavelmente sim.

      Quando o Scort virou a esquina, parou de pensar no assunto e retomou sua caminhada. Sozinho, cansado e raivoso. Os gritos. Isso nunca tinha acontecido. Por que a maluca fez aquilo? Uma doida, claro. Doida e… gostosa. O corpo sedutor da branquinha rebelde lhe veio à mente. Ela tinha belos seios, sem dúvida, além de um convidativo par de coxas. Se pudesse…

      Assustou-se, quando dois cachorros latiram para ele. Chegou a dar dois passos para trás, sobressaltado! Só me faltava essa, refletiu, irado. Merda de cães! Controlou a vontade que sentiu de atirar naqueles malditos animais (um tiro nas patéticas fuças deles!), como fizera tantas vezes, no passado. Inspirou o ar da madrugada e a vontade passou. Não poderia perder tempo. Seguiu em frente, ignorando os cães. Minutos depois, os bichos pararam de latir.

      Alcançou, enfim, o Uno, parado na frente do armazém. Seu amigo Uno, de longas jornadas!

    Sentou-se ao volante e procurou não pensar em mais nada. Estava mais calmo, se isso fosse possível. Novamente respirou fundo. A rua continuava deserta, exceto pelos cães. Sabia que, daqui a algumas horas, aquela região iria se transformar num cruel pandemônio. O caos iria se instalar. Dane-se! Com a mochila no banco do lado, ligou a ignição e arrancou, abandonando a área.

      Entrou na garagem da casa de madeira às 4h20min.

      Apesar do cansaço, realizou uma pequena, mas primordial operação. Saiu do Uno, ligou a luz, pegou uma chave de fenda e trocou as placas do carro. Guardou as placas frias nos fundos de um baú de madeira, repleto de ferramentas. Uma vez na casa, tirou (da mochila) a garrafa térmica e as barras de chocolate, deixando-as em cima da mesa da cozinha. Escondeu, em seguida, a mochila preta debaixo da cama de casal, no quarto. Colocou a carteira porta-cédulas e o relógio de pulso ao lado do celular, sobre o tampo do criado-mudo. Tirou os sapatos pretos, de couro, os colocou dentro de um saco e os guardou debaixo da cama. Passou as mãos nos cabelos.

      Depois, seguiu para o banheiro, onde urinou e tomou um banho. Com a água caindo, pensou nos cadáveres que deixara para trás. Era um assassino. O ato de tirar uma vida nada representava para ele. Que se dane! Aquele casal intrometido mereceu seu destino. O que o deixava deprimido e irado era o fato de não ter transado com a branquinha rebelde ou com outra gata solitária qualquer. Perdera um corpo e isso, sim, o incomodava. Com relação aos crimes, não deixara pistas (exceto o velho do Scort) e acreditava que poderia se safar dessa. O problema é que tudo aquilo se tornaria um escândalo de proporções colossais, na cidade. Todos comentariam o acontecido. O choque seria geral. Como consequência, as operações da polícia se intensificariam. As garotas ficariam em alerta total. As armadilhas seriam montadas. Os donos dos clubes estariam de sobreaviso. Devido a esses fatores, chegou à conclusão de que teria que dar um tempo. Era uma decisão cruel, porém necessária. Pelo menos por uns três meses, até as coisas esfriarem. Só não sabia se poderia aguentar tanto tempo. Afinal, o desejo que sentia era muito forte. Por anos conseguiu controlá-lo. Atualmente, não estava obtendo sucesso em refrear essa mania diabólica. Mas tinha que se controlar! Caso contrário, seria preso, além de correr o risco de ser submetido às monstruosas taras dos vagabundos que infestavam as penitenciárias do país. Precisava, portanto, ser bem cauteloso.

      Saiu do banho, colocou as roupas sujas no cesto a ela destinadas, foi ao quarto, enxugou-se e vestiu sua bermuda azul. Nu da cintura para cima, foi até a cozinha e ingeriu um copo d’água na temperatura ambiente, haja vista a geladeira estar desligada. Aproveitou para retirar o excesso de água do congelador. Limpou o interior da geladeira com um pedaço de pano. Satisfeito, retornou ao quarto. Ligou a luz e o ventilador de pé, que resgatara da sala. Precisava comprar outro. Ligou a televisão de 42 polegadas e o aparelho DVD. De sua coleção de filmes pornográficos (tinha 35 discos), escolheu um, intitulado “revoltas anais”. Inseriu o disco no aparelho. Só recorria aos filmes quando se sentia carente, quando o desejo que sentia, por sexo, se tornava insuportável.

      Como agora.

      Deitado na cama, desligou a luz.

      Tirou a bermuda e, enquanto assistia as cenas eróticas, com mulheres brasileiras (sexo anal sem camisinha), pensou nos seios da branquinha rebelde, no seu corpo roliço e não resistiu. Masturbou-se na cama, entre gemidos pornográficos. Teve um orgasmo estranho, fruto de sua insatisfação. Não era a mesma coisa. Transar com uma garota desacordada era muito mais prazeroso. Mas um dia voltaria à carga. Só tinha que suportar a pressão, nos próximos três meses.

      Haja saco!

      Sonolento, limpou a barriga com uma toalha de rosto, que retirara da gaveta do guarda-roupa.

      Retirou o disco, do aparelho DVD, colocou-o na capa e o guardou no pequeno baú de plástico, juntando aos demais 34 discos. Desligou a TV e o aparelho. Bocejou.

      Relaxou o corpo e cobriu-se com o lençol. Fatigado, mal fechou os olhos e dormiu, um sono profundo, sem sonhos ou pesadelos.

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