Notícias publicadas no jornal “Verdade Suprema”, o maior da cidade praiana chamada de “FT”:
Dia três de agosto — ESTUPRO E ASSASSINATO: foi encontrado, na tarde de ontem, num terreno baldio do bairro “FT-7.1”, zona noroeste, o corpo da estudante Adriana Perude Hausth, de 16 anos. O cadáver estava nu e evidenciava sinais de ter sido estuprado. Segundo o investigador Rodrigo, responsável pelo caso, o agressor, de modo cruel, primeiro dopou a garota com clorofórmio; depois, a arrastou para o terreno; em seguida, a estuprou; por fim, a matou com um tiro de pistola na nuca. Nada foi roubado, da vítima. Ninguém foi preso, até a presente data. A polícia prometeu intensificar as investigações.
Dia cinco de setembro — GAROTA ENCONTRADA MORTA: o corpo da garota Ciane Ária Lester, de 17 anos, foi achado, na manhã de ontem, num terreno abandonado, numa das ruas do bairro “FT-7.13”, zona noroeste. Segundo a polícia, a garota, depois de ser dopada com clorofórmio, foi estuprada e, logo em seguida, assassinada com um tiro na nuca. A carteira de identidade sumiu, talvez levada por seu assassino. A mãe da vítima teve que ser internada, pois sofreu um inesperado enfarto do miocárdio, ao tomar conhecimento da terrível notícia.
Dia quatro de outubro — MAIS UM CASO DE ESTUPRO E MORTE: mais um terrível crime chocou a cidade. A garota Zormânia Perla Husmann, de 16 anos, foi assassinada com um tiro de pistola na nuca, após ter sido dopada com clorofórmio e estuprada. O corpo foi encontrado, nu, num terreno baldio, no bairro “FT-8.6”, zona oeste. A carteira de identidade da vítima desapareceu. Acredita-se que o assassino seja destro, uma vez que o tiro atingiu o lado direito da caixa craniana da vítima. Nenhum suspeito foi preso, até a presente data.
Dia seis de novembro — GAROTA ACHADA MORTA, APÓS TER SIDO ESTUPRADA: mais um corpo foi encontrado, nu, num terreno baldio, dessa vez no bairro “FT-8.22”, zona oeste. A garota se chamava Fabiana Kunt Maltan, de 19 anos. Sua carteira de identidade não foi achada. O modo como a garota foi morta, com um tiro de pistola na nuca, após ter sido dopada e estuprada, é o mesmo de três casos anteriores. Era o mesmo modus operandi, afirmaram os policiais. Em decorrência disso, a polícia não tem dúvida (apesar da carteira de identidade da garota Adriana ter sido encontrada no bolso de sua bermuda, o único ponto discordante dos quatro crimes) de que um louco serial killer estuprador esteja atuando na região pobre da cidade, principalmente nas zonas noroeste e oeste. O alerta foi dado. Para acalmar a população, uma força-tarefa foi organizada. Iniciou-se uma caçada de grandes proporções, sob a liderança do inspetor Alfredo, ao monstro que foi alcunhado como o “maníaco do terreno”. Iremos pegá-lo, ele declarou.
PRIMEIRA PARTE
HOMEM SORTUDO
Naquela noite (dia dois de dezembro, sexta-feira calorenta), sentado no seu confortável sofá marrom, de três lugares (com o ventilador de pé, devidamente ligado), tomando goles de cerveja relativamente gelada e vendo um filme na televisão de 42 polegadas, sorria, embebido pelo doce licor da felicidade.
Seu corpo meio que se encontrava em ebulição, o sangue agitado nas veias, as pupilas ignescentes emulando pura sinergia volátil. Seus pensamentos se encontravam subjugados pela dimensão da excelência, a mente concentrada no que acreditava ser, segundo sua insana filosofia de vida, um brilhante futuro.
Parou de sorrir, depositou a lata de cerveja sobre o tampo da mesinha-de-centro e pegou (pela nona ou décima vez, não soube precisar) o molho de chaves, que lá se encontrava. Balançou as chaves nas mãos, os olhos fixos naqueles objetos preciosos. Olhos que emitiam o brilho da mais pura satisfação. Estava feliz, sim. Na verdade, há anos que não se sentia tão feliz, nessa sua solitária e tumultuada existência. Na mesinha, avistou também a pasta verde (com elástico), com o calhamaço de papéis dentro. Papéis estes que representavam a concretização de sua maior vitória. E que vitória seria essa? Simples.
Chamava-se casa própria. Isso mesmo. Após anos de intensas economias, de profundos sacrifícios, conseguira, enfim, realizar seu maior sonho. Isso significava dizer que, dentro de algumas horas, estaria dando adeus ao famigerado aluguel. Sua casinha de dois quartos, com quintal e varanda, novinha e aconchegante, estava esperando por ele, no conjunto residencial “Violeta Master”. Para ser mais preciso, iria sair, neste sábado, da zona sudoeste, uma área sofrível da cidade de “FT”, para ir morar na pacata zona norte, mais estruturada e amigável, digamos assim, além de mais próxima do centro, onde trabalhava como caixa de banco. Iria sair desta pequena casa de madeira, que agora ocupava, para uma residência de alvenaria, aprazível e acolhedora. Não tinha, portanto, como não estar profundamente feliz e satisfeito.
Os arranjos para sua mudança já foram concretizados. Primeiro, conversara (na quinta-feira) com “seo” Macário, o dono da casa que alugava, explicando-lhe tudo a respeito de sua nova aquisição. “Seo” Macário, um aposentado de 60 anos, dono desta e de mais cinco casas de madeira (alugava todas), sujeito bem-educado e tranquilo, que não tinha a ganância como defeito, compreendeu de imediato seus argumentos. Não só compreendeu como lhe parabenizou por sua grande conquista. Finalizou dizendo que iria perder um precioso inquilino. Agradeceu ao velho e prometeu entregar-lhe as chaves assim que efetivasse a mudança. Também entregaria a ele certa importância em dinheiro, para as reformas que se fizerem necessárias, além da pintura das paredes da casa.
Tendo dado ciência ao velho Macário, havia ligado para cinco transportadoras, interessando-se pela “Parkers”, por ter um preço acessível, além de uma eficiente estrutura. Acertara com eles o preço e marcaram o horário do início da mudança para o sábado, a partir das oito horas. Eles pediram que deixasse, se possível, a geladeira desligada. Tudo bem. Por que não?
E agora estava ali, feliz, em sua sala (com a geladeira desligada, refletiu, com bom-humor), preparando-se para comemorar esse dia especial. E sua comemoração não poderia ser diferente: iria por em prática aquilo que chamou de “17ª empreitada”. Na verdade, estava louco para realizá-la. Aquilo era como um vício em droga! Aquilo lhe consumia por dentro! Apesar de não acreditar nessas bobagens, um psiquiatra religioso (tipo de profissional babaca que jamais consultaria, diga-se de passagem) com certeza teria a ousadia de informá-lo que uma espécie de demônio surreal e maquiavélico dominava sua mente, nos últimos anos, induzindo-o à grande propagação do mal. Terrível, terrível. Prazeroso também, algo que se tornava um maquiavélico paradoxo…
Decidido, ansioso e afoito, largou o molho de chaves e deu mais uma olhada no interior da mochila preta, que se encontrava em cima do sofá, do seu lado esquerdo.
Dentro, devidamente arrumado, havia depositado o material que considerou necessário para a empreitada, ou seja: uma pistola TAURUS (preta, oxidada, calibre .38, lubrificada, municiada e com capacidade para 20 tiros), o letífero silenciador da pistola, uma faca de cabo preto (lâmina de 15 centímetros), dois vidros de clorofórmio, dois lenços brancos, uma máscara preta (de camurça, do tipo que cobre toda a cabeça, mas com os buracos para os olhos e nariz), dois rolos de cordas de nylon (cada um com três metros de comprimento), um canivete, um rolo de fita durex (largo), uma camisa vermelha (de algodão e mangas compridas), um boné azul, um par de óculos escuros (armação na cor preta), um bigode postiço, uma lanterna (com dez centímetros de comprimento), uma garrafa térmica (com suco de uva dentro), duas barras de chocolate e dois pares de luvas de látex, cor da pele.
Tudo perfeito! Nada foi esquecido. Suas roupas pretas, obviamente, se encontravam em cima da cama, à sua espera. E o que mais? Ah, sim! As placas do carro já foram trocadas por placas frias. Muito bom, Macto, pensou, bem-humorado. Animado, pegou a lata de cerveja. Como já havia bebido o conteúdo de três latas, naquela noite, decidiu que aquela seria a última. Não poderia se embriagar, pois o excesso de álcool no cérebro poderia induzi-lo ao erro, como já acontecera no passado não tão distante. E errar, nesse tipo de missão, poderia lhe custar a liberdade ou até mesmo a vida. Nada de vacilos. Bebeu a cerveja, amassou a lata e a deixou em cima da mesinha, ao lado do molho de chaves e da pasta preta. Esticou as pernas, relaxou o corpo, no sofá, e ficou de olho no filme.
No filme e no relógio.
Saiu de casa às duas horas da madrugada do sábado, dia três. Vestia uma camisa de algodão, de mangas curtas, calça de brim, meias e um par de sapatos de couro. Todos pretos! Quem o visse, naquele instante, poderia pensar tratar-se de um emo ou gótico, aqueles sujeitos malucos e afeminados que costumavam sair na noite, à procura de prazeres bizarros e proibidos. Que assim pensassem! Não se importava com isso. Despertaria os olhares curiosos, obviamente, porém não olhares desconfiados, o que era essencial para o êxito de sua missão. Decidido, abriu a porta da garagem e depositou a mochila preta no banco do lado do Uno vermelho-sangue, de duas portas, seu “amigo” de longas datas. Era um carro usado, velho até, sem som e ar-condicionado, mas que possuía um ótimo motor e a potência suficiente para n&a
— Tô estourando, compadre. Rá, rá, rá! — Tu é foda, meu! Eh, eh, eh! Avistou dois garotos, ambos na faixa dos 17 aos 20 anos. Um era alto, loiro e magro; o outro, moreno, baixo e também magro. O mais alto segurava uma lata de cerveja. Os dois se posicionaram, cambaleantes, de frente para a parede da loja, a dois metros da calçada, e começaram a mexer nos zíperes de suas calças. Ao mesmo tempo, conversavam, soltando piadas sem graça e dando risadas esganiçadas, enquanto passavam a lata de um para o outro. De repente, o mais alto, sem deixar de urinar, parou de falar e olhou para os fundos do terreno. Teria ouvido algum ruído? Naquele instante, seu pescoço fino girava a cabeça cabeluda e seus olhos asquerosos v
Escondeu-se atrás da árvore mais ao fundo e esperou, tenso, refletindo que não estava tendo sorte, naquela noite. Aquilo não estava previsto nos seus planos minuciosos. Fazer o quê? Suspirou e ficou alerta, de olho nelas. A guria mais alta, entre risos, entrou no mato. Postou-se de costas para ele (a míseros três metros! — não o viu, claro) e baixou a bermuda e a calcinha. Agachou-se, então, para urinar. Uma cena erótica, que alimentou sua imaginação libidinosa. A branquinha ficou a um metro da mais alta, postando-se de pé, na entrada do matagal, de braços cruzados. A pele alva se destacava, na semi-escuridão. Vendo-as, não demorou a sentir o doce (e forte) aroma de seus perfumes. Perfumes baratos, com certeza, mas que provocaram, em sua libido, um efeito devastador! Vendo aquele par de seios enormes,
Foi um retorno tortuoso, angustiante, sufocante! Queria correr, para sair dali o mais rápido possível. Sair antes que as garotas despertassem; sair antes que dessem pela falta do casal; sair antes que algum morador insone (que poderia ter ouvido os gritos) viesse verificar o que tinha acontecido. Mas não correu. Apenas andou, apressadamente, atento aos menores ruídos. Teria ouvido uma janela bater? Teria visto uma pessoa observando suas ações, de dentro de uma daquelas casas? Alguém teria visto tudo? Estaria sendo seguido? Olhou para trás, apavorado! Nada viu. Os jovens estavam distantes, nos bares. Um cachorro latiu, ao longe. Um carro buzinou. Alguém tossiu. E se aparecesse uma viatura policial, naquele instante? — Acalme-se, seu babaca — murmurou, para voltar à calma. — Acalme-se, seu imb
Blém, blém! Acordou assustado, os olhos arregalados, sem saber onde se encontrava. Estaria num buraco, repleto de sombras sinistras por todos os lados? Preso por correntes? Que barulho era aquele? Seria o chamado do demônio? Ou o som da perdição? Sua desorientação durou alguns segundos. Depois, reconheceu os contornos do quarto (seu aconchegante quarto!) e se acalmou. Não havia buraco nem sombras sinistras. Não havia demônios! Sentou-se na cama de casal e esticou os braços, espreguiçando-se. Bocejou. Olhou o visor do relógio: 7h55min. Blém, blém! Novamente a campainha. Seria a polícia? Estariam os malditos policiais ali, prontos para levá-lo? Impossível,
O trânsito estava tranquilo, naquela manhã de sol. Era um sábado realmente agradável. Mesmo assim, levou quase uma hora para chegar a seu destino. Manteve velocidade moderada, de modo a facilitar as coisas para o sujeito de bigode, que o seguia, lá atrás, no comando do caminhão-baú. Percorreu várias ruas, rotatórias e avenidas, até alcançar a ponte Tex Wint, de 120 metros de extensão, sobre o rio Buril. Deixou a ponte para trás, percorreu 200 metros da larga avenida Dézio Khisp e virou à direita, entrando na rua Alípio Tunner. Rua esta que possuía um aclive inicial de 20 metros, para depois ficar plana. Seguiu em frente e virou à direita, entrando na segunda rua, a rua Péricles Avron. A sua rua! Seu novo e maravilhoso lar! Era uma rua alta, estreita e sem saída,
Atônito, não soube o que dizer. Pegou o papel e olhou para o setor que o garçom apontava. Alimentou o sonho e a esperança de ser a loira, a autora da ousadia. A loira, a deusa do amor eterno, havia entrado em contato? Tomara a iniciativa, oferecendo sua paixão incontida? Será? Infelizmente não era a loira e, sim, uma morena, que estava sentada do outro lado do restaurante, também a 20 metros dele. Empolgado com a loira, só tinha olhado uma vez, naquela direção, quando de seu reconhecimento visual e superficial do ambiente. A morena, que se encontrava sentada de frente para ele, estava acompanhada de uma mulata baixinha. Quando fixou os olhos nela, percebeu que ela sorriu, confiante, além de erguer seu copo de cerveja, como se fosse um convite. Incrível! Teve que sorrir, ante o inu
Dizia o texto: RELATÓRIO “A LOIRA DA FAÍSCA” O QUE É A FAÍSCA?De modo resumido, para não me alongar no assunto, “faísca” é a palavra que encontrei para denominar “paixão”. Sentir a “faísca” é estar apaixonado, é desejar inte