Porto Alegre, julho de 2035
Heitor era delegado em um distrito de Porto Alegre. Numa terça-feira à tarde ele estava na delegacia quando um policial entrou em seu gabinete e entregou-lhe um envelope. Esse envelope estava fechado, mas não trazia nenhuma informação sobre o remetente. Um logotipo da Dimensão Turismo à frente do envelope era a única informação disponível, e também não tinha selo dos Correios.
Ao ser perguntado sobre quem lhe entregara a carta, o policial respondeu que um rapaz o chamou quando estava entrando na delegacia e pediu que o envelope fosse entregue ao delegado. Quando o policial perguntou do que se tratava, o rapaz também não soube dizer; disse apenas que fora incumbido de fazer a entrega, encomendada por um desconhecido, e assim o fez. O policial saiu em seguida, deixando Heitor sozinho em seu gabinete. Ao abrir a carta, ele surpreendeu-se com o que encontrou.
Dentro do envelope havia uma passagem com destino à estação da América do Sul para o delegado Heitor e uma pequena carta.
Carta ao delegado Heitor,
Se o senhor se preocupa com seu futuro e da sua família não recusará meu presente. Bastarão alguns dias na estação da América do sul e verá que o “paraíso” não é tão perfeito quanto nos é mostrado. A Dimensão Turismo carrega segredos que provam que a empresa não deveria estar onde está. Além disso, já tivemos acidentes que comprovam que iniciamos uma catástrofe de proporções paradoxais.
Dizia o bilhete, e a empresa continuava sendo a única pista que havia. Apesar dos fundadores da empresa também serem gaúchos, só o que Heitor sabia sobre eles era o que lia nos jornais. Não imaginava sequer que eles pudessem conhecê-lo.
Mas alguém havia lhe enviado uma passagem e uma pequena carta que não explicava nada. E não custava barato uma passagem da Dimensão Turismo. Heitor sabia disso porque suas filhas insistiam tanto em visitar a terra dos dinossauros, que ele foi obrigado a se informar. Eram tantas viagens para lugares e épocas diferentes e a vendedora falava tão rápido, que Heitor mal conseguia acompanhar o que ela dizia, de forma que se esforçou para entender apenas o mais importante.
Quase caiu de costas ao ouvir os preços, mas ainda assim desejava levar as filhas, só que agora elas teriam que ter um pouco mais de paciência. Pensando bem não era a passagem que era cara o problema é que não se faria uma viagem dessas comprando apenas a passagem. O problema é que junto da passagem vinham os hotéis a alimentação, sem contar no tempo das viagens que Heitor achava um exagero.
A Dimensão Turismo conseguiu algo que em princípio parecia impossível. Construíram três estações no final do período Cretáceo e conseguiram torná-las um lugar seguro, longe das criaturas que lá viveram. Ônibus especiais tinham a capacidade de entrar em um buraco de minhoca e recuar no tempo levando seus passageiros a uma das estações construídas na Ásia, América do Sul e América do Norte. Das estações, as viagens prosseguiam em metrôs, que visitavam diversos lugares e épocas diferentes, em roteiros que ainda eram ampliados com frequência.
Como ele poderia ir sozinho nessa viagem? Essa era a pergunta que mais o atormentava, como iria explicar às filhas que iria para onde elas tanto queriam ir e não podia levá-las. Sim, porque o presente, a cortesia, ou seja lá que diabo significava aquilo, era apenas para ele, se quisesse levar a família teria que pagar o restante das passagens e, mesmo assim, seria uma quantia da qual não podia arcar no momento. Por outro lado, considerando sua profissão e autoridade, esta cortesia inofensiva de agora poderia estar visando a benefícios futuros.
A princípio pensou em não ir, mas parecia que quem lhe enviara o presente sabia que Heitor hesitaria em aceitar, por isso, enviou a carta com uma semana de antecedência. O que inicialmente era fato decidido, dois dias depois voltou a ser duvidoso e, na noite de quinta-feira, Heitor contou tudo à esposa. Esperava que Luísa o apoiasse, concordando que estava fazendo a coisa certa. Como esteve enganado. Ao contrário do que esperava, a esposa quis que ele ficasse.
– Estamos há meses planejando fazer esta viagem juntos e de uma hora para outra você decide ir sozinho – disse Luíza determinada.
– Mas querida eu fui chamado a trabalho, pelo menos foi isso que pareceu embora esteja fora de minha jurisdição – Heitor tentou-se explicar.
– E quem acha que quer seus serviços se nem mesmo se apresentou ou pediu para encontrá-lo? – perguntou Luiza ainda mais chateada.
– Eles apenas chamaram a minha atenção para o que está acontecendo, parece ser grave e pela carta passa a impressão de que seja mais grave do que possamos imaginar porque da a impressão de que possa nos atingir de alguma forma – respondeu Heitor.
– Vindo de alguém que nem mesmo foi capaz de se apresentou e talvez nem saiba o que esta dizendo e você vai acreditar como se fosse um velho conhecido pode ser apenas alguém que quer lhe prejudicar – disse Luíza.
– Sei disso e também me preocupo, mas acho que se quisessem me prejudicar seria mais fácil me atacar aqui, dera a impressão de estarem se referindo a catástrofes de níveis paradoxais, se for verdade não estaremos seguros em lugar nenhum – disse Heitor.
– Bem a decisão é sua, mas a Dimensão Turismo sempre divulgou amplamente que as possibilidades de um paradoxo são nulas, por que acha que isso poderia mudar? – perguntou Luísa, dando fim à discussão naquela noite.
Sexta-feira, quando Heitor voltou para casa, estava abatido coisa que Luísa logo percebeu, mas levou algum tempo para que tivessem um momento longe das filhas para falar com a certeza que de que elas não os ouviam.
– Estive conversando com o prefeito hoje, ele também acha que a situação precisa ser investigada, se não for verdade o que a carta diz pode vir de alguém querendo prejudicar a empresa, e essa pessoa precisa ser encontrada – disse Heitor.
– E por que você deveria ir? – perguntou Luíza.
– Por que fui eu quem recebeu a carta, não posso m****r outro resolver os meus problemas – respondeu Heitor – quero saber o que está acontecendo, saber se existe mesmo a possibilidade de estarmos correndo um grande risco.
– Então você já decidiu? – perguntou Luíza.
– Sim, eu vou ir – respondeu Heitor – já está decidido.
O casal voltou ao assunto diversas vezes naquele fim de semana, é claro que sempre longe das filhas, pois Heitor não queria que soubessem que fora chamado para uma viagem com a Dimensão Turismo e não poderia levá-las. Luísa estava chateada eles planejaram a viagem por tanto tempo e agora o marido ia sozinho, mas Heitor se mantinha irredutível e ela acabou aceitando.
Alem disso também tinha suas preocupações, temia que algo mais grave estivesse acontecendo e o marido ficasse sozinho para proteger um grupo de pessoas, cercadas por criminosos de um lado e dinossauros perigosos do outro.
Na noite de segunda-feira, faltando um pouco mais de um dia para a viagem de Heitor, Sofia, a filha mais velha, levantou da cama algum tempo depois de ter ido dormir e foi para a cozinha. Estava com muita sede e queria beber um copo de água. Ao sair do quarto, percebeu que ainda havia luzes acesas, logo depois percebeu que os pais ainda estavam na cozinha e resolveu ouvir o que estavam dizendo, antes que a vissem.
– Mas eu nem sei quanto tempo ficarei fora... – dizia Heitor e calou se por um momento, parecendo confuso. – E se eu demorar, como irá explicar a minha ausência a elas.
– Depois que você partir, eu conto toda a verdade e elas terão que aceitar... – retrucou Luísa.
Sofia não entrou na cozinha para pegar a água, nem deixou que seus pais percebessem que ela estava por perto. Apenas parou para escutar junto à porta e, ao descobrir sobre o que estavam falando, teve um sobressalto e voltou para o quarto. Toda a sua sede naquele momento foi esquecida com o que acabara de descobrir. Deitou e fez um esforço para adormecer. Queria contar o que descobrira à irmã, mas ela já estava dormindo e não quis acordá-la. Por isso esperou até o dia seguinte para pedir reforço.
Durante o dia seguinte, as duas irmãs conversaram, chegando à conclusão de que o pai lhes devia uma explicação. O momento mais delicado para Heitor foi naquela noite ao voltar para casa. As duas meninas já o aguardavam, ansiosas por sua chegada e, na primeira oportunidade, o cercaram, dizendo que já sabiam de tudo. Heitor a princípio se fez de desentendido, mas quando Sofia disse que descera para tomar água na noite anterior e ouvira parte da conversa dos pais na cozinha, ele acabou confessando.
Queriam saber por que o pai faria a viagem sem levá-las e a única desculpa que Heitor conseguiu encontrar foi que iria viajar a trabalho. Mas elas não conseguiam ou não queriam acreditar que pudesse haver trabalho em um lugar como aquele.
– Vocês lembram que a Dimensão Turismo tem várias rotas diferente, nos dando a oportunidade de conhecer os dinossauros que quisermos e vocês ainda não decidiram quais espécies querem conhecer? – perguntou Heitor.
As meninas apenas balançaram a cabeça concordando ainda emburradas.
– Decidam enquanto eu estiver fora e faremos a viagem assim que eu voltar – prometeu Heitor.
Apesar de ainda estarem um tanto contrariadas as meninas acabaram aceitando. Mais tarde Luíza questionou Heitor quanto a sua promessa.
– Você sabe que ainda não poderá cumprir sua promessa quando voltar?
– Sei... muita coisa ainda vai acontecer até lá, pensarei em algo.
No dia seguinte, por volta do meio dia, entrou num restaurante próximo à estação de Porto Alegre. Logo chamou um garçom e lhe disse que havia reservado uma mesa. – Estou aguardando mais duas pessoas, por isso, no momento, quero apenas uma garrafa de vinho – respondeu Renato ao chegar à mesa. – E traga também três copos, por favor. Passados alguns instantes, o garçom estava de volta com a garrafa de vinho e os copos, que largou sobre a mesa, e encheu um deles. O homem bebeu um gole de vinho e pegou um jornal para ler enquanto aguardava. Alguns minutos depois uma mulher entrou no restaurante como se procurasse por alguém. Renato levantou-se e fez um sinal para ela. – Já pediu alguma coisa? – perguntou Débora, ao chegar à mesa. – Apenas uma garrafa de vinho – respondeu Renato, enchendo outro copo para ela. Renato largou o jornal e os dois continuaram conversando por alguns minutos, enquanto aguardavam pela chegada do terceiro indivíduo. Q
Ana tinha uma estatura média, magra, cabelos loiros e olhos azuis, filha de Douglas Ribeiro, um dos sócios fundadores da Dimensão Turismo, por intermédio do qual viera à estação pela primeira vez. Seu amor pela natureza a levou a estudar biologia, a possibilidade de encontrar novos elos que expliquem os caminhos da evolução a levou a trabalhar com a Dimensão Turismo. Desenvolveu uma personalidade forte e teimosa, o que já a fez passar por grandes dificuldades.Muito antes de Renato e seus companheiros se reunirem para investigar os caçadores, Ana já desconfiava que pudesse haver alguma atividade ilegal entre eles. Nunca tivera a confirmação de nenhuma dessas suspeitas, por isso, às vezes, pensava que estava sendo injusta ao pensar que seus caçadores estivessem traficando animais. Por outro lado, sentia algo estranho no ar.Já aconteceu dela ouvir um nome desconhecido que parecia estar ligado a um grupo ou algum equipamento que não conhecia. O que aumentava suas suspeitas é que eles era
Jorge mal falou com Ana depois que chegaram. Logo deixou que os outros terminassem o que ainda havia por fazer e se afastou, dizendo a Ana que iria tomar banho e descansar um pouco. Como estava com pressa de falar com Jeremias, Ana concordou e, quinze minutos depois, autorizou o resto da equipe a deixar o que estavam fazendo para mais tarde. Depois que todos se retiraram apenas Jeremias ficou para trás e Ana ordenou que a aguardasse em sua sala. Quando Jorge chegou ao alojamento, foi logo tomar banho. Ao voltar para o quarto, em que dormia com outros três caçadores, percebeu que não havia mais ninguém além dele e trancou a porta. Sentou-se sobre a outra cama e, exausto, logo se deitou. Alguns minutos depois, quando Jorge já estava cochilando, alguém bateu à porta. Ele despertou de repente e levantou num pulo. Sobressaltado, olhou em direção à porta, só então lembrou que a havia trancado. Como Jorge demorou a responder, o assistente de Ana bateu mais uma vez e então disse:
Novas propriedades foram construídas ao redor da estação, mesmo depois de sua inauguração. Na ocasião eram apenas quatro hotéis: o prédio da Dimensão Turismo, o hospital, duas pousadas e a universidade. Hoje estava cercada de prédios e casas, havia mercados, padarias, restaurantes e lojas, além de muito mais, ainda em construção. É claro que este rápido crescimento vinha do turismo que aumentava ano após ano, incentivando os empresários a investirem no local. O esforço da Dimensão Turismo em manter ampla publicidade em todos os meios de comunicação, de diversos países ao redor do mundo, colaborava um bocado para esse crescimento. Como Valdir previra, a oportunidade de ver animais extintos há tanto tempo despertava o interesse das pessoas, que lotavam os hotéis todos os anos e, o melhor de tudo, é que o manto elétrico tornava o lugar inteiramente seguro. Um desses interessados era a estudante Berenice, filha de um empresário bem sucedido e que por vários meses pediu e
Quando Ana encontrou Alex novamente, ele estava parado na calçada olhando para a montanha de entulho, única coisa que restava do prédio da Dimensão Turismo, e Valdir se aproximava do outro lado em meio às pessoas que se aglomeravam em volta dos escombros, apesar do pouco espaço disponível entre a calçada e as casas. Não havia mais qualquer vestígio da barreira que pouco antes bloqueara a passagem de Alex. Aquele prédio era o coração da estação, tudo o que existia ali só funcionava por causa dele e sem ele restavam poucos recursos à estação.– Percebi que algo muito grave deveria estar acontecendo – disse Valdir quando parou ao lado deles –, mas nunca imaginei que iria ver o prédio mais importante da estação desabar.Alex não disse nada por um momento e Valdir chegou a pensar que ele nem sequer
Em Porto Alegre, o primeiro ônibus daquele dia com destino à estação da América do Sul iria partir às oito horas. No momento em que o motorista deu a partida, uma forte descarga elétrica atingiu o veículo empurrando-o em direção à parede. Mas como não havia mais para onde ir, o veículo foi perdendo velocidade até que todos os seus painéis e luzes se apagaram de vez, parando-o no meio do caminho. O motorista não soube o que dizer aos passageiros, tentou tudo o que foi possível para religá-lo e nada aconteceu, o veículo estava morto. Restava apenas uma coisa a fazer e, depois de pedir desculpas aos passageiros outra vez, foi procurar o diretor. – Temos um problema grave – disse ele alguns minutos depois, invadindo a sala de Eliseu. – Meu ônibus com destino à América do Sul parou de repente. Já fiz tudo o que foi possível e a passagem continua bloqueada. Já havia outro rapaz na sala de Eliseu quando o motorista entrou. – Nós já sabemos! – disse Eliseu mu
Quando Ana voltou à universidade, mandou chamar as duas equipes de caçadores disponíveis, a de Jorge e a de Everton. Trinta minutos mais tarde as duas equipes aguardavam por Ana no pavilhão, onde havia vários corredores rodeados por gaiolas de diversos tamanhos. Eles estavam próximos a filhotes de pachycephalosaurus, um dinossauro herbívoro que viveu na América do Norte no final do cretáceo e tinha um calombo que se ergue acima e detrás das órbitas oculares, com várias projeções ósseas redondas atrás do calombo e saliências ósseas pelo focinho. Um pachycephalosaurus adulto chegava a medir oito metros de comprimento e, por isso, Ana nunca os trazia para a universidade. As maiores gaiolas usadas pela universidade tinham seis metros de comprimento por quatro de largura e dois de altura. Em contrapartida, animais como o protoceratops, um dinossauro herbívoro que viveu no final do período cretáceo na Ásia, mesmo os adultos cabiam em gaiolas com
Já passava das nove horas da manhã quando Luís percebeu que não daria tempo para tirar todo aquele entulho ao redor da plataforma do metrô. Então ordenou que abaixassem o local por onde ele passaria, limpando apenas uma parte das beiradas para que pudessem passar e subir nele. Quando o metrô chegou era pontualmente nove e meia. A tempestade já havia passado, mas continuava chovendo. Ele surgiu de repente, materializando-se ao longe como se estivesse vindo de outro mundo. O brilho azulado em volta dele, refletido pela eletricidade atingida pela água da chuva, reforçava essa ilusão. Era como se o metrô atravessasse uma barreira de plástico, que ia se espichando e moldando-se a ele, até arrebentar no momento em que parava na estação, como se tivesse saído de um túnel invisível. Uma escavadeira teve que se afastar o mais rápido que lhe era possível, chacoalhando por cima do entulho até deixar a plataforma e desviar para um lado, evitando a colisão. Já o metrô quando parou estava