Novo Hamburgo, maio de 2017
Alex estava numa estação. Era diferente de tudo o que conhecia até então. No interior de um grande prédio, veículos do tamanho de um micro-ônibus sem rodas estavam acoplados a trilhos por quatro ganchos. Naquele momento, Alex acompanhava a partida de um deles.
A ignição aciona um dispositivo elétrico atrás do veículo, envolvendo-o pela eletricidade e empurrando-o sobre os trilhos. O ônibus tomou impulso aumentando a velocidade, até se chocar contra uma placa de metal na parede oposta. Um clarão surgiu ao redor do veículo devido ao atrito da eletricidade contra o metal. O ônibus começou a atravessar a parede até sumir completamente, deixando para trás a parede intacta.
Algum tempo depois, outro ônibus preparava-se para partir. Alex levantou-se, pegando seus pertences, e embarcou assim que fizeram a primeira chamada. Outros passageiros entraram depois dele e, por último, o motorista que, ocupando o seu lugar, fechou a porta e iniciou a viagem.
O choque contra a parede quase nem era sentido, tanto que este detalhe já passava despercebido por Alex. Durante o trajeto, o ônibus chacoalhava um pouco como um avião, mas as viagens costumavam ser tranquilas. Ao chegarem ao destino, o ônibus saiu da parede para os trilhos e moveu-se até parar na plataforma.
Alex já estava a caminho do elevador que o levaria ao andar de sua sala quando outro ônibus chegou. O rapaz logo percebeu que ele saiu da parede com uma velocidade acima do normal e estava tendo dificuldades em parar.
Quando chocou-se contra os alicerces que separavam a área dos ônibus da área dos passageiros, esta última de chão mais elevado, o impacto não causou nenhum dano, nem ao ônibus e tão pouco ao muro. No entanto, o choque sacudiu o prédio inteiro e a eletricidade do ônibus espalhou-se por todo prédio, atingindo as pessoas que passavam por ali naquele momento.
Alex sentiu a eletricidade subir por suas pernas. Afastou-se agitando os pés, na tentativa de fugir, mas a energia já se firmara nele e subia cada vez mais pelo seu corpo. Olhou ao redor e percebeu que os outros também tentavam livrar-se dela. Apesar de atingidos em diferentes áreas do corpo, todos enfrentavam a mesma dificuldade em defender-se da eletricidade.
Ao lado de Alex, alguém caiu ao chão e não conseguiu mais se levantar, depois dele outros caíram enquanto eram envolvidos pela eletricidade. Contudo, outros ainda de pé, como Alex, tentavam fugir, mas não conseguiam dar mais que alguns passos em tentativas desesperadas de afastar a eletricidade.
Depois de muito esforço Alex percebeu que não podia fazer mais nada, a eletricidade continuava seu percurso até envolver-lhe o corpo todo. Então, Alex sentiu ondulações a sua volta como se estivesse movendo-se dentro da água, e houve uma leve falta de gravidade.
Uma sombra começou a cair em volta deles como gotas de água. Ele ergueu a mão à sua frente e percebeu, entre os dedos, que ela era densa como uma pasta gelatinosa. A sombra Continuou caindo até encobrir tudo o que havia, restando apenas escuridão.
Nesse momento, Alex acordou com suavidade, não estava assustado, como seria de se esperar quando se acorda de um pesadelo. Já estava acostumado com este sonho. Tivera-o pela primeira vez quando ainda estava no ensino médio e só agora, no último ano da universidade, fora capaz de compreendê-lo. Tinha certeza de que seria capaz de encontrar o caminho para um buraco de minhoca.
No dia seguinte, nos momentos de folga, deu início ao trabalho. Soldou uma placa de cobre a duas barras também de cobre. E ainda desenvolveu um pequeno objeto de metal no formato de um carrinho, com quatro encaixes no lugar das rodas, de forma que pudesse encaixá-lo nas barras. Essas barras de cobre foram ligadas a uma corrente elétrica, sendo que um lado foi ligado ao polo positivo e o outro ao polo negativo. O procedimento era tão simples que o período entre adquirir os materiais e montar o objeto não durou uma semana.
O mais difícil foi conseguir o apoio da universidade para testar o equipamento. Pois quando Alex explicou ao reitor que o objeto metálico impulsionado pela eletricidade deveria se chocar contra a placa de cobre e este impacto causaria um atrito entre os átomos, abrindo um portal que faria com que o carrinho atravessasse a placa de cobre; o reitor hesitou em ajudá-lo.
– Você acha mesmo que algo assim pode dar certo? – perguntou o reitor, olhando para Alex com curiosidade.
O moço não achava nada, não tinha certeza de que seu projeto viria a funcionar e sabia que se dissesse ao reitor o que o levou a criá-lo, certamente ele não permitiria que o testasse. Estava contrariando tudo aquilo que ele mesmo acreditava ao criar algo motivado por um sonho, e às vezes não tinha certeza de que queria levar aquilo adiante, mas agora que estava ali não iria desistir. Aquele sonho já havia se repetido tantas vezes e, por continuar importunando-o, alguma coisa o fazia acreditar que poderia dar certo.
– Sei que o que estou pedindo é complicado, eu mesmo, às vezes, não acredito que possa funcionar, mas tenho um palpite que pode dar certo e preciso tirar esta dúvida – retrucou Alex com tranquilidade, tentando conquistar a confiança do reitor. – Bem, eu pensei que deveria testá-lo aqui, com a supervisão de um professor mais experiente, para evitar acidentes, mas já que o senhor se recusa a me ajudar, sou obrigado a me virar sozinho. Só espero estar fazendo a coisa certa e não machucar ninguém.
Houve um momento de silêncio, durante o qual o reitor permaneceu pensativo, olhando para Alex, que se preparava para sair da sala, mostrando-se muito desanimado.
– Espere – disse o reitor, antes que Alex chegasse à porta – Se o motivo por você querer fazer isso aqui é segurança, terá a minha autorização. Mas faça apenas aquilo que os professores autorizarem.
Na semana seguinte, numa noite em que o ginásio da universidade não estava sendo utilizado, Alex levou suas coisas para lá e o teste foi realizado. Além de Alex, o reitor e alguns professores, também estavam presentes alguns colegas de Alex e alunos da universidade. O pai de Alex, Rodrigo Oliveira, e Valdir, um médico amigo da família, chegaram um pouco antes de o teste ser iniciado.
Alex estava entrando no ginásio com a namorada Cíntia quando um de seus colegas perguntou:
– O que pretende com aqueles gravetos Alex? Colocar fogo no ginásio?
– Se está com medo porque veio Dimas Deveria ter ficado na segurança da sua casa – retrucou Alex.
– E perder o espetáculo? Tenho a impressão de que este vai ser o evento mais divertido do ano – disse Dimas.
– Você não acredita ou não quer que meu projeto funcione? – perguntou Alex.
– O que você espera do “seu Projeto” não pretende transformá-lo em um veículo no futuro pretende – Dimas deu uma risada. – Não tem medo de fritar lá dentro como uma torrada?
Alex ia começar a brigar com o garoto quando Cíntia puxando-o para longe disse:
– Pare com isso e vamos sair daqui anda.
Eles se afastaram do garoto e mais para frente Cíntia perguntou:
– Você não pretende mesmo entrar naquela coisa um dia pretende?
Ela pretendia continuar andando, mas Alex parou pensativo:
– Bem, se queremos que um veículo nos leve de um lugar a outro precisamos estar dentro dele você não acha?
– Alex está tudo pronto podemos começar – disse o reitor que vinha se aproximando.
Eles acompanharam o reitor até o centro do ginásio onde estava a estrutura de Alex sobre dois cavaletes. Alex falou antes de iniciar explicando a teoria por trás de seu projeto e o que esperava que acontecesse.
No momento em que a eletricidade foi ligada, atingiu as barras e espalhou-se pelo carrinho, empurrando-o contra a placa de cobre. Ao bater contra ela, o carrinho parou e, por um momento, todos pensaram que nada aconteceria.
Mas logo quem estava presente ouviu um barulho que dava a impressão de que uma coisa estivesse sendo soldada a outra, seguido pelo clarão característico, porém, sem que houvesse fragmentos. Em seguida, a placa pareceu derreter em sentido circular do centro para as laterais e então, como se tivesse entrando numa porta para outra dimensão, o carrinho desapareceu ao atravessar a placa de cobre, que se tornou sólida outra vez. Todos esperavam que algo mais acontecesse, mas depois de alguns minutos o professor de Alex perguntou:
– Para onde foi o carrinho?
Engraçado, esta era uma questão que Alex não se preocupara em responder. Desde o início, sua única preocupação fora fazer com que o carrinho atravessasse a placa. Em nenhum momento parou para se perguntar se alguma outra coisa poderia acontecer. Se tivesse se dado conta disso antes, poderia ter criado uma forma de monitorar o carrinho e saber para onde ele estava indo.
No fundo, nunca levou aquilo a sério. No entanto, isso não atrapalhava em nada os planos de Alex: seu principal objetivo era ter acesso a um buraco de minhoca, e isso ele havia conseguido. Acabara de ter a prova de que o sonho havia lhe orientado mais do que ele fora capaz de acreditar.
– Bem, este objeto não vai ficar perdido no vazio para sempre. Vamos começar a procurar, em algum lugar ele deve estar – disse o reitor. – Ou então irá aparecer a qualquer momento.
A maior expectativa de Alex quanto a esse projeto estava na possibilidade de criar uma máquina do tempo, mas já percebera que alcançar seus sonhos não seria tão fácil quanto esperava. Sabia que se tivesse mesmo encontrado um buraco de minhoca, o carrinho poderia estar em qualquer lugar, tanto no espaço quanto no tempo, e seria impossível encontrá-lo.
Mesmo assim começaram a procurar. Alguns deixaram o ginásio e foram procurar em outros lugares do campus, mas à medida que o tempo ia passando, apenas os mais otimistas continuaram procurando, até que, tarde da noite, restavam apenas Alex e o reitor.
– Admita, Alex, ele não será encontrado – disse o reitor. – Vá para casa, amanhã vou pedir a alguns alunos que nos ajudem a procurar outra vez, mas você sabe que dificilmente o encontraremos.
Depois disso, o reitor também foi embora e Alex ficou sozinho no ginásio. Pouco depois, sentindo-se derrotado, Alex apagou todas as luzes do pavilhão, aceitando que jamais veria o carrinho novamente. Mas não desistiria de seu sonho. Apesar do erro que cometeu, tinha provado que estava certo. Ainda não sabia direito o que iria fazer, mas já havia decidido que não iria desistir. Foi com esta esperança que apagou as luzes e já estava encostando a porta quando um curto circuito chamou-lhe a atenção.
Olhando em direção ao equipamento, percebeu que um forte brilho envolvia as barras sobre os cavaletes. Não era possível, acabara de desligar todas as luzes no pavilhão e, no entanto, as barras de cobre estavam brilhando como no momento em que havia ligado o equipamento horas antes. E o mais surpreendente foi quando viu seu carrinho, o mesmo que havia sumido, surgir através da placa, da mesma forma como desaparecera. Aos poucos foi diminuindo a velocidade e parou pouco antes de acabarem os trilhos.
Alex largou a porta aberta e acendeu as luzes. A primeira coisa que fez foi conferir se o equipamento estava mesmo desligado. Sim, o plugue fora da tomada continuava largado no chão como se lembrava. O objeto terminou o percurso com a eletricidade inicial, por isso consumira tanta energia. Não queria tocar no carrinho, pois ainda devia estar quente.
Precisava falar com alguém. O reitor ainda teria que fechar a sua sala antes de sair e ainda deveria estar na escola, correu para o estacionamento e o alcançou já entrando no carro.
– Ele voltou – gritou Alex ofegante.
– Ele quem? – perguntou o reitor confuso.
– O carrinho o que mais estávamos procurando a noite toda ora.
O reitor olhou para Alex pensativo, imaginando que o jovem poderia estar lhe pregando uma peça. Haviam procurado o objeto a noite toda e agora ele se materializara a sua frente.
– Deixe-me ver isso – disse o reitor concordando em voltar com ele.
Eles voltaram ao ginásio, o carrinho continuava lá.
– O que você fez? – perguntou o reitor sem acreditar.
– Não fiz nada – respondeu Alex empolgando. – Eu estava fechando a porta, já tinha desligado as luzes quando o ginásio se iluminou, e vi o carrinho saindo da placa deslizando sobre as barras até parar pouco antes de cair.
– Sim? E de onde veio a energia se o equipamento estava desligado? – perguntou o reitor, estava achando aquela história muito estranha.
– Chegou com a energia que recebeu no momento da partida – explicou Alex. – O carrinho foi enviado algumas horas à frente.
– Hum, isso significa que o tempo do objeto passou de forma diferente do que para nós – murmurou o reitor. – O que você pretende fazer agora?
– Seguir para a faze dói do projeto – respondeu Alex.
Alex era magro, de estatura mediana, olhos castanhos e cabelos curtos e escuros. Sua admiração pela ciência levou-o a faculdade de Física, da qual acreditava que aprenderia a entender as forças da natureza. O acesso ao buraco de minhoca era apenas o começo de um sonho bem maior: viajar no tempo para acompanhar a evolução humana e descobrir seus segredos mais bem guardados.
Sabia que se pudesse explorar o acesso a um buraco de minhoca as possibilidades iam além da máquina do tempo, na verdade, a mais desejada era chagar mais distante no universo. Não tinha vontade de sair da Terra ele queria era voltar no tempo conhecer o mundo em outras épocas, mesmo que a teoria mais aceita era que através de um buraco de minhoca só poderia acelerar o tempo para frente.
Alex acreditava que se era possível acelerar o tempo para frente seria possível recuar também, no entanto para isso, teria que construir um veículo capaz de fazer o inverso. Ele acreditava que conseguiria construir um. Embora nem tudo tenha saído como ele planejara Alex estava contente e confiante, tinha funcionado.
Na tarde do dia seguinte, estava sentado no sofá da sala aguardando a chegada do pai. Agora que o teste dera os resultados esperados, precisava construir um veículo que pudesse ser tripulado. Para isso, necessitaria da ajuda dele.
– Pai... – começou Alex, assim que ele entrou. – Eu preciso de um veículo maior para novos testes. Da próxima vez, quero fazer a viagem e para isso preciso que o senhor me patrocinasse.
Rodrigo tinha a mesma altura de Alex, um pouco gordo, de olhos castanhos, cabelos curtos e grisalhos e um bigode. Em seus cinquenta anos de vida, jamais pensara que iria passar por uma situação como aquela. O pai de Alex tinha uma construtora, que ele havia fundado há mais de vinte anos com seu sócio, o engenheiro Luís Pereira. Sua empresa era muito bem-sucedida, com filiais até mesmo em outros estados. O que trouxera uma ótima condição econômica para ele e seu sócio.
Entretanto, Rodrigo não via utilidade alguma na máquina do tempo que o filho queria criar e, por isso, não tinha a menor intenção de investir em algo que só lhe daria despesas. Além disso, preocupava-se com a segurança do filho, pois acreditava que um veículo em tais condições não seria seguro.
– Mas você ainda nem sabe direito para onde foi aquele objeto e já quer se arriscar numa viagem. Não seria melhor fazer outros testes primeiro? – Perguntou Rodrigo, indo sentar ao lado do filho.
– Você não quer que eu continue perdendo meu tempo com aquilo? – retrucou Alex. – Já provei que funciona. Agora preciso de um veículo tripulado. Tenho que saber para onde vou ou minha descoberta não terá utilidade alguma. Chego à conclusão de que o carrinho se perdeu por não ter recebido destino algum, por isso ficou perdido em algum lugar do espaço-tempo até encontrar o caminho de volta. Não houve qualquer locomoção no tempo além da normal, mas para que o veículo funcione como eu quero, precisa ter um motor e equipamentos que permitam isso, o que não é possível colocar num brinquedo.
– Desculpe, mas você me pegou de surpresa, nem sei o que dizer. Preciso de um tempo para pensar no assunto. Darei uma resposta quando chegar a uma conclusão. – É claro que Rodrigo só disse isso, porque sabia que se lhe dissesse não, ele arrumaria outra maneira de continuar com aquela estupidez, e não permitiria que Alex se arriscasse tanto.
Na verdade, a única decisão que Rodrigo precisava tomar já estava tomada. Só precisava encontrar uma maneira de fazer o filho esquecer esta história de máquina do tempo. Não que duvidasse de sua capacidade, mas queria que Alex buscasse uma profissão decente, que lhe desse um futuro.
Seguiram-se dias difíceis para Rodrigo, durante os quais ele vinha buscando uma desculpa, não apenas para recusar o patrocínio ao projeto do filho, como também para fazê-lo desistir dessa loucura. Uma semana mais tarde resolveu ligar para Valdir, queria falar com ele, explicar a situação e perguntar o que ele faria num caso desses.
A esposa dele foi quem atendeu a ligação e logo disse que seu marido não se encontrava no Brasil. Tinha ido viajar e não sabia quando retornaria. Rodrigo agradeceu pela informação e desligou o telefone, surpreso. Que novidade era essa agora? Valdir não costumava viajar e agora partira sem dizer para onde, nem mesmo para a família.
A princípio, o fato passou batido, Rodrigo estivera bastante atarefado nas semanas seguintes, tendo inclusive que fazer algumas viagens também, a ponto de ter esquecido completamente o assunto. Havia passado mais de um mês quando Alex cobrou-lhe uma resposta, e só então o problema voltou a perturbá-lo. Chegou a pensar em recusar naquele momento mesmo e dizer tudo o que queria dizer, mas, ao perceber que não conseguiria a desistência de Alex desse jeito, gaguejou, inventou nova desculpa e continuou adiando o assunto.
Ao anoitecer do dia seguinte bateu à porta de Valdir. Outra vez a esposa o atendeu.
– Eu poderia falar com Valdir, por favor? – perguntou Rodrigo.
– Desculpe, mas ele está viajando – disse Ivete, a esposa de Valdir, convidando-o para entrar.
– De novo? – perguntou Rodrigo, agradecendo, mas recusando-se a entrar. Se Valdir não estava, não iria demorar.
– Ele ainda não voltou, continua na mesma viagem!
– Onde ele foi por tanto tempo? – Rodrigo não conseguia acreditar.
– Não sei dizer, ele não me deu os detalhes da viagem. Ele me liga regularmente, quase sempre falando dos lugares por onde já passou. Só posso dizer que foi para a Europa, a última vez que ele me ligou estava na Itália.
– Sabe me dizer quando ele volta?
– Ainda não, mas ligarei quando souber ou mandarei ele mesmo ligar quando voltar – explicou a mulher, e assim eles se despediram.
Por sorte, Alex não o perturbou mais com o patrocínio dali para frente e na tarde de sexta-feira Rodrigo ainda estava no escritório quando o próprio Valdir lhe ligou.
– Soube que você já me procurou duas vezes em minha ausência.
– Sim, eu preciso falar contigo, mas não por telefone, eu passo aí amanhã e conversaremos com mais calma.
No dia seguinte, como prometera, Rodrigo chegou cedo à casa de Valdir, e ele mesmo o recebeu, convidando-o para entrar. Rodrigo reparou que Valdir estava com um olho inchado, arranhões no rosto e um corte no lábio inferior. Estava para perguntar o que houve quando Valdir se adiantou.
– Parece abatido – disse assim que se acomodaram.
– Você nem imagina a última de Alex: ele quer que eu financie sua máquina do tempo, era só o que me faltava – resmungou Rodrigo.
Valdir esboçou um sorriso e disse:
– Mas isso é ótimo!
Rodrigo sentiu-se nocauteado.
– Não vai me dizer que você apoia essa loucura?
– Eu diria que a possibilidade de estarmos a um passo da máquina do tempo é algo que me faz sonhar. E farei o que for possível para ajudar a tornar este sonho realidade.
– Mas eu quero que me ponham numa camisa de força no dia em que aceitar a patrocinar essa estupidez – bufou Rodrigo, decidido. – A propósito o que foi que aconteceu com você, parece até que se meteu numa briga. Onde esteve este tempo todo?
Valdir respirou fundo, não tinha a menor intenção de dizer por onde esteve andando, mas infelizmente trouxera um troféu estampado do rosto que denunciava que alguma coisa havia acontecido.
– Negócios – respondeu ele depois de um momento de silêncio.
– E onde você arrumou estes hematomas?
Ah, e o pior era a mulher e os filhos a todo o momento querendo saber em que tipo de negócios ele havia se envolvido.
– Olha, digamos que algumas coisas não saíram conforme o planejado; tomei um porre e acabei me envolvendo numa briga. Mas voltemos ao presente, você já expôs este seu descontentamento a Alex? – perguntou Valdir.
– Já tive vontade – respondeu Rodrigo –, mas se eu simplesmente disser que não, ele pode querer continuar com isso pedindo ajuda a outro, é por isso que preciso da sua ajuda. Precisamos fazer isso de uma maneira que ele entenda que a máquina do tempo não tem utilidade alguma e desista deste projeto inútil.
– Eu não penso dessa maneira – interveio Valdir. Ele sabia que um buraco de minhoca traria possibilidades que iam muito além da máquina do tempo. – Em vez de olhar apenas para os problemas, tente ver o valor daquilo que seu filho está prestes a criar, a máquina do tempo pode vir a ser muito útil no futuro, sem falar nas inúmeras possibilidades que o acesso a um buraco de minhoca pode nos trazer.
– Chega, Valdir! – gritou Rodrigo, levantando-se no mesmo instante. – Vejo que você já está contagiado pela doença de Alex, mas eu não vou permitir que este projeto seja realizado. Já que você se recusa a cooperar, vou procurar alguém que seja capaz de me ajudar a curar essa loucura de vocês – e saiu andando em direção à porta.
– Se você continuar com essa teimosia em sabotar o projeto de seu filho – gritou Valdir, antes que ele saísse, esperando ser duro o suficiente para amolecê-lo – eu não só o patrocinarei sozinho, como ainda o advertirei contra a ameaça que você representa.
Rodrigo parou ao levar a mão à maçaneta da porta. Se deixasse Valdir ou quem quer que fosse investir nesse projeto, continuaria se sentindo responsável. Não podia permitir isso. Além do mais, a palavra sabotagem era dura demais para justificar o que estava fazendo.
– Se é assim, então Alex venceu uma briga que nem soube que existiu – disse Rodrigo, voltando. – Se eu não posso impedi-lo, também não vou permitir que você ajude-o sozinho. Mas vejo que me enganei ao procurá-lo, esperava que me ajudasse a resolver o problema, mas apenas arrumei um problema maior.
– Rodrigo... Tente entender o passo importante que estamos para dar – começou Valdir tentando se justificar. – É natural que um projeto tão significativo encontre obstáculos pelo caminho e este está apenas no início. Deveria confiar mais em seu filho, ele saberá resolvê-los.
Porto Alegre, julho de 2035Heitor era delegado em um distrito de Porto Alegre. Numa terça-feira à tarde ele estava na delegacia quando um policial entrou em seu gabinete e entregou-lhe um envelope. Esse envelope estava fechado, mas não trazia nenhuma informação sobre o remetente. Um logotipo da Dimensão Turismo à frente do envelope era a única informação disponível, e também não tinha selo dos Correios.Ao ser perguntado sobre quem lhe entregara a carta, o policial respondeu que um rapaz o chamou quando estava entrando na delegacia e pediu que o envelope fosse entregue ao delegado. Quando o policial perguntou do que se tratava, o rapaz também não soube dizer; disse apenas que fora incumbido de fazer a entrega, encomendada por um desconhecido, e assim o fez. O policial saiu em seguida, deixando Heitor sozinho em seu gabinete. Ao abrir a car
No dia seguinte, por volta do meio dia, entrou num restaurante próximo à estação de Porto Alegre. Logo chamou um garçom e lhe disse que havia reservado uma mesa. – Estou aguardando mais duas pessoas, por isso, no momento, quero apenas uma garrafa de vinho – respondeu Renato ao chegar à mesa. – E traga também três copos, por favor. Passados alguns instantes, o garçom estava de volta com a garrafa de vinho e os copos, que largou sobre a mesa, e encheu um deles. O homem bebeu um gole de vinho e pegou um jornal para ler enquanto aguardava. Alguns minutos depois uma mulher entrou no restaurante como se procurasse por alguém. Renato levantou-se e fez um sinal para ela. – Já pediu alguma coisa? – perguntou Débora, ao chegar à mesa. – Apenas uma garrafa de vinho – respondeu Renato, enchendo outro copo para ela. Renato largou o jornal e os dois continuaram conversando por alguns minutos, enquanto aguardavam pela chegada do terceiro indivíduo. Q
Ana tinha uma estatura média, magra, cabelos loiros e olhos azuis, filha de Douglas Ribeiro, um dos sócios fundadores da Dimensão Turismo, por intermédio do qual viera à estação pela primeira vez. Seu amor pela natureza a levou a estudar biologia, a possibilidade de encontrar novos elos que expliquem os caminhos da evolução a levou a trabalhar com a Dimensão Turismo. Desenvolveu uma personalidade forte e teimosa, o que já a fez passar por grandes dificuldades.Muito antes de Renato e seus companheiros se reunirem para investigar os caçadores, Ana já desconfiava que pudesse haver alguma atividade ilegal entre eles. Nunca tivera a confirmação de nenhuma dessas suspeitas, por isso, às vezes, pensava que estava sendo injusta ao pensar que seus caçadores estivessem traficando animais. Por outro lado, sentia algo estranho no ar.Já aconteceu dela ouvir um nome desconhecido que parecia estar ligado a um grupo ou algum equipamento que não conhecia. O que aumentava suas suspeitas é que eles era
Jorge mal falou com Ana depois que chegaram. Logo deixou que os outros terminassem o que ainda havia por fazer e se afastou, dizendo a Ana que iria tomar banho e descansar um pouco. Como estava com pressa de falar com Jeremias, Ana concordou e, quinze minutos depois, autorizou o resto da equipe a deixar o que estavam fazendo para mais tarde. Depois que todos se retiraram apenas Jeremias ficou para trás e Ana ordenou que a aguardasse em sua sala. Quando Jorge chegou ao alojamento, foi logo tomar banho. Ao voltar para o quarto, em que dormia com outros três caçadores, percebeu que não havia mais ninguém além dele e trancou a porta. Sentou-se sobre a outra cama e, exausto, logo se deitou. Alguns minutos depois, quando Jorge já estava cochilando, alguém bateu à porta. Ele despertou de repente e levantou num pulo. Sobressaltado, olhou em direção à porta, só então lembrou que a havia trancado. Como Jorge demorou a responder, o assistente de Ana bateu mais uma vez e então disse:
Novas propriedades foram construídas ao redor da estação, mesmo depois de sua inauguração. Na ocasião eram apenas quatro hotéis: o prédio da Dimensão Turismo, o hospital, duas pousadas e a universidade. Hoje estava cercada de prédios e casas, havia mercados, padarias, restaurantes e lojas, além de muito mais, ainda em construção. É claro que este rápido crescimento vinha do turismo que aumentava ano após ano, incentivando os empresários a investirem no local. O esforço da Dimensão Turismo em manter ampla publicidade em todos os meios de comunicação, de diversos países ao redor do mundo, colaborava um bocado para esse crescimento. Como Valdir previra, a oportunidade de ver animais extintos há tanto tempo despertava o interesse das pessoas, que lotavam os hotéis todos os anos e, o melhor de tudo, é que o manto elétrico tornava o lugar inteiramente seguro. Um desses interessados era a estudante Berenice, filha de um empresário bem sucedido e que por vários meses pediu e
Quando Ana encontrou Alex novamente, ele estava parado na calçada olhando para a montanha de entulho, única coisa que restava do prédio da Dimensão Turismo, e Valdir se aproximava do outro lado em meio às pessoas que se aglomeravam em volta dos escombros, apesar do pouco espaço disponível entre a calçada e as casas. Não havia mais qualquer vestígio da barreira que pouco antes bloqueara a passagem de Alex. Aquele prédio era o coração da estação, tudo o que existia ali só funcionava por causa dele e sem ele restavam poucos recursos à estação.– Percebi que algo muito grave deveria estar acontecendo – disse Valdir quando parou ao lado deles –, mas nunca imaginei que iria ver o prédio mais importante da estação desabar.Alex não disse nada por um momento e Valdir chegou a pensar que ele nem sequer
Em Porto Alegre, o primeiro ônibus daquele dia com destino à estação da América do Sul iria partir às oito horas. No momento em que o motorista deu a partida, uma forte descarga elétrica atingiu o veículo empurrando-o em direção à parede. Mas como não havia mais para onde ir, o veículo foi perdendo velocidade até que todos os seus painéis e luzes se apagaram de vez, parando-o no meio do caminho. O motorista não soube o que dizer aos passageiros, tentou tudo o que foi possível para religá-lo e nada aconteceu, o veículo estava morto. Restava apenas uma coisa a fazer e, depois de pedir desculpas aos passageiros outra vez, foi procurar o diretor. – Temos um problema grave – disse ele alguns minutos depois, invadindo a sala de Eliseu. – Meu ônibus com destino à América do Sul parou de repente. Já fiz tudo o que foi possível e a passagem continua bloqueada. Já havia outro rapaz na sala de Eliseu quando o motorista entrou. – Nós já sabemos! – disse Eliseu mu
Quando Ana voltou à universidade, mandou chamar as duas equipes de caçadores disponíveis, a de Jorge e a de Everton. Trinta minutos mais tarde as duas equipes aguardavam por Ana no pavilhão, onde havia vários corredores rodeados por gaiolas de diversos tamanhos. Eles estavam próximos a filhotes de pachycephalosaurus, um dinossauro herbívoro que viveu na América do Norte no final do cretáceo e tinha um calombo que se ergue acima e detrás das órbitas oculares, com várias projeções ósseas redondas atrás do calombo e saliências ósseas pelo focinho. Um pachycephalosaurus adulto chegava a medir oito metros de comprimento e, por isso, Ana nunca os trazia para a universidade. As maiores gaiolas usadas pela universidade tinham seis metros de comprimento por quatro de largura e dois de altura. Em contrapartida, animais como o protoceratops, um dinossauro herbívoro que viveu no final do período cretáceo na Ásia, mesmo os adultos cabiam em gaiolas com