Ana tinha uma estatura média, magra, cabelos loiros e olhos azuis, filha de Douglas Ribeiro, um dos sócios fundadores da Dimensão Turismo, por intermédio do qual viera à estação pela primeira vez. Seu amor pela natureza a levou a estudar biologia, a possibilidade de encontrar novos elos que expliquem os caminhos da evolução a levou a trabalhar com a Dimensão Turismo. Desenvolveu uma personalidade forte e teimosa, o que já a fez passar por grandes dificuldades.
Muito antes de Renato e seus companheiros se reunirem para investigar os caçadores, Ana já desconfiava que pudesse haver alguma atividade ilegal entre eles. Nunca tivera a confirmação de nenhuma dessas suspeitas, por isso, às vezes, pensava que estava sendo injusta ao pensar que seus caçadores estivessem traficando animais. Por outro lado, sentia algo estranho no ar.
Já aconteceu dela ouvir um nome desconhecido que parecia estar ligado a um grupo ou algum equipamento que não conhecia. O que aumentava suas suspeitas é que eles eram escorregadios. Sempre que tentava descobrir alguma coisa, mudavam de assunto. Ana sabia que tinha muito pouco para acusá-los de algo tão sério. Sabia também que alguma coisa eles escondiam, e não conseguia chegar a nenhuma outra conclusão.
Por alguma razão Jorge tornou-se seu principal suspeito. De uns tempos para cá, ele parecia tenso, cada vez que voltava das viagens e constrangido toda vez que era surpreendido em uma conversa. Durante semanas pensou numa forma de inserir um espião à sua equipe, mas para isso havia um obstáculo.
Jorge esteve entre os primeiros caçadores que chegaram à estação, o que fez dele um ótimo líder. Depois que Ana o pôs a liderar um grupo de caçadores, os acidentes foram raros e nenhuma morte ocorreu sob sua liderança. O fato de estar entre os mais antigos lhe dera muita experiência, e ele conhecia como poucos o mundo em que vivia e os animais com os quais trabalhava.
Por algum tempo este foi o maior problema de Ana, pois Jorge tinha sua equipe sempre completa, o que dificultava para ela justificar seu espião entre eles. Seria arriscado perguntar àqueles que já pertenciam ao grupo. Mesmo que soubessem o que estava acontecendo, não lhe diriam nada e provavelmente dificultariam suas investigações.
Precisou de alguns dias pensando no assunto para perceber que ser a reitora da universidade já era uma boa desculpa para adicionar mais um caçador ao grupo. Eles teriam que aceitar porque tratava-se da vontade dela. Faltava agora encontrar o espião, mesmo sabendo que era arriscado. Ana sabia que só havia um lugar onde poderia encontrar alguém capaz de lhe ajudar, embora também não fosse totalmente seguro. Entre os alunos ainda em treinamento.
Nos primeiros anos os caçadores foram poucos e inexperientes, além disso, estavam sempre acompanhados pelo exército. Mas o exército lidava com os animais como se fossem inimigos de guerra, o que, na opinião de Ana, apenas aumentava os índices de mortalidade.
Então, depois de alguns anos, todos os caçadores que ainda restavam reuniram-se com alguns soldados e, juntando suas experiências fruto desse começo de derrotas, desenvolveram um treinamento para preparar os candidatos a caçadores para o que iriam enfrentar lá fora. A capacitação diminuiu drasticamente os acidentes e, nos últimos anos, o número de candidatos estava aumentando. Para a sorte de Ana, uma daquelas turmas iria terminar o treinamento naquela semana, e foi nela que Ana buscou seu espião.
Logo que chegou ao prédio do curso, Ana foi falar com um dos professores e pediu que lhe trouxesse um dos alunos mais dedicados em formação naquele período. O professor pensou um pouco, pareceu curioso, mas logo saiu sem fazer perguntas. Algum tempo depois estava de volta e trazia consigo um rapaz magro, alto, com os cabelos curtos, loiros e cacheados e olhos castanhos.
– Este é Jeremias Azevedo, um dos alunos com as características mais próximas ao que você pediu – falou o professor.
Ana ordenou que o rapaz sentasse ao lado dela e depois disse ao professor:
– O senhor poderia nos deixar a sós por um momento? O que tenho a tratar com ele é confidencial.
O professor concordou com um aceno de cabeça e depois saiu da sala, perguntando-se o que a reitora da universidade teria a tratar de tão confidencial com um aluno escolhido por ele.
– E, por favor, não deixe ninguém entrar enquanto estivermos aqui – acrescentou Ana antes que ele saísse.
O rapaz olhou para Ana com curiosidade, mas não perguntou nada. Parecia tão surpreso quanto o professor, por isso Ana resolveu ser direta, porém discreta.
– Tenho motivos – começou ela, falando devagar – para pensar que alguns de meus caçadores estejam envolvidos em certas... Irregularidades. Sei que seu curso ainda não acabou e é por isso que estou aqui, quero que vá com eles na próxima viagem. Quanto ao que quero que faça, eu lhe informarei mais tarde, se você aceitar o serviço é claro.
– E quanto ao pagamento? – perguntou Jeremias.
– Terá o pagamento normal de um caçador, o que, levando em conta que ainda não terminou o curso, já é uma grande coisa – respondeu Ana.
– Nem um adicional pelo serviço extra, nem mesmo um certificado de curso concluído? – perguntou Jeremias.
– Quanto ao curso, você será avaliado se já está apto a encerrá-lo depois que voltar da viagem – garantiu Ana. – É claro que se for reprovado terá que ingressar em outra turma e recomeçar o curso, porque esta da qual saiu já estará concluída quando você voltar.
No dia seguinte, Ana foi procurar Jorge e lhe disse que de agora em diante Jeremias faria parte de sua equipe. É claro que Jorge estranhou a atitude de Ana, mas mesmo assim, aceitou sem fazer perguntas. Ana já tinha contado suas suspeitas a Jeremias e explicou tudo que queria que ele investigasse.
Quando Jorge partiu no dia seguinte, levava o espião de Ana em sua bagagem. Durante a viagem, Jeremias descobriu que a verdade era bem diferente daquilo que Ana imaginava. Estavam mesmo acontecendo algumas coisas, das quais Ana não tinha conhecimento, no entanto, não era nada que fosse ilegal, não do ponto de vista dos caçadores e não da gravidade de tráfico de animais.
A equipe liderada por Jorge, um homem alto e loiro, era formada por um biólogo, alto e magro, chamado Joaquim; uma botânica morena, magra, de estatura mediana e cabelos escuros, cacheados e compridos, chamada Isadora; um mecânico baixo e encorpado, chamado Cleber; sete caçadores, Régis, Maicon, Adilson, Clóvis, Joel, Everton e Hélio, sendo Jeremias o candidato a oitavo, todos em boa condição física para serem capazes de competir com os dinossauros. Havia também o motorista do caminhão, que se chamava Mateus, o piloto Alberto e o copiloto Pedro.
O veículo de viagem dos caçadores era o mesmo que levava os turistas de uma estação à outra: o metrô. É claro que o metrô usado pelos caçadores teve que passar por algumas modificações; não era tão grande quanto o que levava os turistas e em seu interior havia uma pequena quantidade de bancos, apenas o necessário para a equipe.
O resto do espaço era ocupado por veículos e equipamentos usados tanto pelos caçadores quanto pelos biólogos e botânicos. Tanto esses quanto os metrôs dos turistas viajavam de uma forma semelhante à dos ônibus, a diferença é que não eram tão rápidos e as viagens temporais não se estendiam até a época atual.
O principal objetivo dessas viagens não era caçar os animais, mas sim colher dados sobre animais e plantas existentes, o que significa que os caçadores passavam mais tempo ajudando biólogos e botânicos do que propriamente caçando.
Assim como no caso dos ônibus, a maior diferença desses metrôs para os metrôs comuns estava na forma de locomoção; eles não seguiam por trilhos e tampouco tinham rodas. Esses metrôs respondem a um impulso magnético que os mantém a cerca de um metro acima do chão, o que lhes permite flutuar.
Foi no dia seguinte, quando o metrô parou pela primeira vez, que Jeremias fez sua primeira descoberta. Ana tinha passado para ele um cronograma da viagem, igual ao que dera a Jorge e, no instante em que viu o pequeno grupo que os aguardava na planície à frente, teve a certeza de que aquele não estava entre os lugares programados e, tão pouco, aquele grupo deveria estar na lista dos caçadores.
Quando eles desceram do metrô, cinco homens os aguardavam e ao lado deles havia duas aeronaves que carregavam o equipamento. Uma das aeronaves não era maior que um caça, tinha as asas e o bico arredondados, cada asa terminava em dois cilindros sobre os quais o avião pousava na vertical. A outra aeronave era um avião de carga do exército. Quando a viu, Jeremias lembrou-se de que as estações já tiveram o auxílio do exército no passado, mas até onde sabia esta parceria já havia acabado há algum tempo.
No mundo em que estavam Jeremias sabia que, fora das estações, os únicos habitantes não passavam de animais primitivos, por isso só havia uma explicação para aquelas pessoas estarem ali: estavam esperando por eles. Jorge e sua equipe os cumprimentaram assim que se aproximaram. Por fim, Jorge apresentou a Jeremias, apontando com o indicador, cada um deles.
– Este é Elias, o piloto do avião menor, o biólogo José, o caçador Samuel, Antônio, o outro piloto e o copiloto Rafael. Eles trabalharão conosco nos próximos dias – em seguida continuou explicando a eles – e este é Jeremias, o novo integrante da equipe.
Apenas o biólogo e o caçador seguiriam viagem com eles os outros logo partiriam nos aviões e enquanto Jeremias tentava entender a presença daqueles estranhos entre eles, Jorge lhes explicava onde deveriam encontrá-los.
No dia seguinte, o grupo desembarcou no lugar de destino, onde a equipe permaneceria acampada pelas próximas semanas. Era na América do Sul, região onde hoje é a Patagônia. Eles continuavam no período cretáceo, haviam ido para noventa e cinco milhões de anos antes da época atual. Alguns minutos depois que o metrô parou, os dois aviões pousaram perto dele; primeiro o avião de carga e depois chegou o menor.
O resto do dia serviu para montar o acampamento, retirando os equipamentos do metrô e montando as barracas. Eram três grandes barracas, duas de um lado e uma do outro, montadas ao lado do metrô, junto a três grandes portas que se abriam ao lado dos vagões, de forma que tudo permanecia oculto a qualquer animal que passasse por ali. Tanto os metrôs dos turistas quanto dos caçadores traziam a camuflagem do manto elétrico.
No dia seguinte, Elias entrou no avião menor e partiu; era a única aeronave que se afastava durante o acampamento. Essa aeronave era usada para capturar dinossauros, muitas vezes doentes que precisavam de tratamento e eram levados ao viveiro de uma das empresas a Dimensão Turismo ou a outra para a qual o grupo que se reunira a eles trabalha. Apenas as gaiolas com os animais que seriam levados para a universidade voltavam ao acampamento. Os animais que levavam para a outra empresa não passavam por ali e não eram vistos pelo pessoal de Ana, sendo que nem mesmo Jorge sabia para onde eram levados.
Esses animais não eram levados para o avião, permaneciam dentro das gaiolas que os capturavam e seguiam automaticamente seu caminho até chegarem ao destino. O tamanho das gaiolas variava de acordo com o tamanho do animal, sendo que eles capturavam apenas os filhotes das espécies maiores.
Além do metrô, os caçadores que trabalhavam para Ana também tinham um caminhão, que era usado com a finalidade de ampliar o ambiente pesquisado, capaz até mesmo de abrir caminho em densas florestas. O caminhão tinha uma lataria parecida com a de um tanque de guerra, os vidros das janelas eram blindados e tinha uma única porta, que se abria para o lado ao apertar um botão do lado de dentro. Com ele recolhiam amostras de plantas e até mesmo insetos ou dinossauros pequenos.
Havia mais de um mês que estavam naquela região. Jorge, Joaquim, Cleber, Mateus, Jeremias, Maicon, Régis e Clóvis tinham deixado o acampamento há vários dias afastando-se muitos quilômetros. Certa tarde decidiram que era hora de voltar ao acampamento. Começaram a recolher os equipamentos, armas, objetos de pesquisa, dois pequenos dinossauros e alguns insetos que haviam recolhido naquele dia e levaram tudo de volta ao caminhão.
Eles tinham também duas sondas, que usavam para recolher dados digitais. Elas haviam sido soltas no dia em que partiram e estavam programadas para não se afastarem mais de alguns quilômetros do caminhão, a não ser que encontrassem algo que oferecesse risco ao grupo.
A sonda era redonda como uma bola de futebol, porém um pouco maior, com uma antena na parte superior, próxima de uma pequena área retangular, que também era capaz de se elevar. Elas eram em cores variadas. Esta, em particular, era azul. Quando a parte retangular estava elevada, fazia algum tipo de leitura, como era o caso no momento.
Com um laser vermelho percorria a vegetação escaneando tudo à sua volta e colhendo dados que seriam usados pelos biólogos em outro momento. Vagava sem pressa, a uns dois metros de altura e, quando virou-se, seus sensores se depararam com uma grande massa de chifres e dentes bem definida vindo em sua direção. A sonda virou, tomou velocidade, começando a elevar-se e tentou se afastar de seu agressor. Mas era tarde, pois este ainda conseguiu atingi-la e, apesar de não causar nenhum dano grave, o impacto destruiu seu GPS.
Jorge começava a ficar impaciente. Ele havia programado as sondas para voltarem naquela manhã, mas uma delas ainda não havia voltado. E agora Jorge estava nervoso, andando de um lado para o outro, sempre consultando o relógio.
– Por que uma das sondas ainda não voltou? – perguntou, aproximando-se do caminhão.
Essa era uma pergunta que ninguém sabia responder, o que deixava Jorge ainda mais impaciente. Lembrava-se de outras cinco vezes em que algo semelhante havia acontecido. Em três delas as sondas haviam sido destruídas e, nas outras duas, elas voltaram acompanhadas. Nenhuma das duas opções lhe agradava.
Como pretendia partir a qualquer momento, a vigilância havia diminuído. Maicon e Régis eram os únicos que ainda carregavam armas. O primeiro tinha uma lança e o segundo carregava um rifle elétrico. Eles estavam parados a alguns metros do caminhão e observavam tudo o que acontecia em volta. Em certo momento começaram a sentir alguns tremores, tão leves a princípio que nem deram atenção, mas esses tremores foram aumentando gradativamente.
– Ouviu isso? – perguntou Maicon.
– Sim, e não me agrada nem um pouco – respondeu Régis.
Olharam entre as árvores algumas vezes, mas não viram nada através da densa vegetação. De repente, a sonda passou por cima deles, saindo dos arbustos mais próximos, e em seguida algo grande se moveu entre eles, fazendo com que se jogassem ao chão antes mesmo de conseguirem ver o que era.
A criatura seguia a sonda, projetando a cabeça para frente e abrindo a boca tentando alcançá-la, talvez pensando que fosse algum tipo de pterossauro, espécie da qual se alimentava. Mas quando mordeu a sonda, ela se partiu em vários pedaços entre seus grandes dentes, que foram caindo ao chão por cima do caminhão em meio aos curtos elétricos que atingiram sua boca e língua. O dinossauro parou por um momento balançando a grande cabeça, talvez esperando que com isso pudesse jogar para longe a dor que a eletricidade lhe causava.
Além dos dois caçadores, apenas Jorge e Jeremias ainda estavam fora do caminhão. Jeremias, depois de olhar apavorado para a criatura que passou perto dele, correu para dentro do caminhão e bateu com tanta força no botão que fechava a porta que o quebrou, enquanto a porta se fechava trancando-o lá dentro, junto com Mateus, Cleber, Joaquim e Clóvis.
Era um dinossauro com mais de sete metros de comprimento. Tinha dois pequenos chifres, projetando-se lateralmente para cima, acima dos olhos. Os dentes eram grandes, pontudos, serrilhados e voltados para trás, os dois braços eram pequenos. Corria usando duas longas e musculosas pernas e a longa cauda, que lhe dava equilíbrio. Era um carnotaurus.
Naquele momento Jorge estava conversando com Elias, o único integrante do outro grupo que ainda não havia partido. Eles estavam próximos ao pequeno avião para onde Elias logo correu ao avistar o animal. Entrou numa espécie de elevador que o levou até a cabine, instantes depois decolou e se afastou. Inicialmente seguiram em um sentido e depois voltou, passando sobre eles com um ruído ensurdecedor, até desaparecer deixando um rastro de fogo.
Quando os dois caçadores conseguiram se levantar, o carnotaurus já havia destruído a sonda e estava se virando em direção a eles. Começou a andar e os caçadores, que havia derrubado, foram os primeiros que avistou. Maicon carregava apenas uma lança elétrica de três metros de comprimento, cuja extremidade se abria em duas pontas eletrificadas de um metro, e Régis dispunha de um rifle elétrico com a bateria quase gasta, que não teria força para abater um animal daquele tamanho.
O carnotaurus correu na direção deles. Era mais rápido que outros animais de seu grupo, porém não tão alto quanto o tyrannosaurus, o que o deixava mais ágil. Os dois caçadores também correram, cada um para um lado diferente. Maicon pensou que não chegaria a tempo e se afastou do caminhão, enquanto Régis resolveu arriscar e correu para perto dele.
Como Maicon correu no mesmo sentido que o carnotaurus, o animal preferiu ir atrás dele. Régis teve a impressão de que o dinossauro nem mesmo o viu. Jorge, neste momento, também se aproximava do caminhão. Quando percebeu que o carnotaurus estava quase alcançando Maicon, Régis adiantou-se alguns passos e atirou, mas o animal corria muito rápido e ele não conseguiu acertá-lo.
O carnotaurus alcançou Maicon e já abaixava a cabeça com a boca aberta, mostrando os grandes dentes, quando, num movimento rápido, o caçador o atingiu no focinho com a parte eletrificada da lança. O impacto com a eletricidade grudou a lança na cabeça do animal como se fosse um ímã, fazendo com que ele se assustasse, lançando sua grande cabeça contra Maicon. Como a lança funcionava com descargas rápidas de eletricidade, ela desgrudou neste momento, enquanto o caçador era jogado ao chão e o dinossauro passava por cima dele, por sorte, sem pisá-lo.
Maicon ergueu-se e correu para outro lado. O carnotaurus logo percebeu, virou-se e voltou a segui-lo, sem precisar fazer muito esforço para alcançá-lo. Desta vez foi Régis que o retardou, acertando-o com o rifle elétrico, o que, apesar de não ser suficiente para prendê-lo, fez com que parasse e olhasse para trás. Havia uma grande mancha prateada em seu dorso esquerdo e parte do ombro.
Aquilo não foi criado para doer, mas devia ser muito desconfortável, pois o animal rugiu furioso para Régis antes de continuar seguindo Maicon. O carnotaurus logo se aproximou novamente de Maicon e Régis agora estava longe demais para fazer alguma coisa. Quando o animal chegou perto, Maicon jogou-se ao chão sentindo as mandíbulas se fecharem logo acima dele. Desta forma o animal passou por ele sem conseguir atingi-lo, indo parar alguns metros à frente de Maicon.
Enquanto o carnotaurus procurava sua presa, Maicon arrastava-se para trás de uma pedra, esperando que o animal, por não vê-lo mais, fosse embora. Mas logo percebeu o quanto esteve enganado, pois instantes depois ele pôs uma de suas grandes pernas sobre a pedra, emitindo um rugido assustador e abaixando a cabeça de maneira que seus dentes chegaram bem perto dele.
Maicon ergueu-se de um único salto e correu o quanto pôde de volta ao caminhão. O dinossauro passou sobre a grande pedra, como se esta não passasse de um simples degrau em seu caminho, fazendo com que o chão tremesse assim que sua perna voltou a tocá-lo e, em poucos instantes, já estava alcançando Maicon outra vez.
Ao ver que a porta estava fechada, Jorge foi até a janela, a única daquele caminhão que era possível abrir.
– O que houve com a porta? – perguntou. – Por que está trancada?
– Foi aquele idiota do Jeremias que entrou aqui e bateu com tanta força no botão que o quebrou. O Cléber está tentando consertar, mas vai levar algum tempo – respondeu Joaquim aos gritos.
– Tudo bem! – disse Jorge. – Resolveremos isso depois, agora temos algo mais urgente a tratar, me passe um rifle. Depois diga a Alberto que venha nos buscar.
Antes que Jorge tivesse tempo de pegar o rifle, Maicon passou por ele jogando-se para baixo do caminhão, com o carnotaurus vindo logo atrás. Régis chegou do outro lado num segundo. Jorge teve tempo apenas para pegar o rifle por entre as grades e se jogar para baixo do caminhão, antes de o animal os alcançar. O dinossauro diminuiu a velocidade ao aproximar-se do caminhão, contornando-o com passos lentos que faziam o chão tremer.
– O que está esperando? – perguntou Jeremias, naquele momento aproximando-se de Mateus. – Bota esse caminhão pra andar e tire-nos daqui.
– Você está louco? E os outros lá fora? – gritou Cleber lá da porta, fazendo um gesto com a chave de fenda em direção à parede blindada.
– Eles que se virem, – resmungou Jeremias. – Por causa deles devemos morrer todos nós?
– E você quer que eles morram por sua causa? – perguntou Joaquim, indignado. – É culpa sua este botão ter quebrado com a porta trancada.
– Se tivesse quebrado com a porta aberta, aquela coisa já estaria aqui dentro – disse Jeremias, enquanto os outros o olhavam com um olhar repreensivo.
Num instante, Jorge passou por baixo do caminhão e, logo que se ergueu do outro lado, engatilhou o rifle, enquanto ele e os outros se afastavam do caminhão. O carnotaurus contornou o veículo sem muito esforço e, nesse momento, Régis tentou atirar nele mais uma vez, mas como a bateria já estava gasta, a arma não funcionou. O dinossauro continuou avançando até que Jorge atirou, atingindo-o na barriga e a eletricidade de seu disparo juntou-se ao pouco que já havia em seu corpo, envolvendo o animal por completo.
Paralisado e indefeso, o carnotaurus desapareceu no mesmo instante, mas mesmo sem poder vê-lo, Jorge e os outros ouviram o barulho e sentiram o chão tremer após sua queda. A voltagem contida nos rifles não era tão alta que pudesse ferir o carnotaurus, apenas o suficiente para paralisar seus músculos e imobilizá-lo, algo que para um animal de seu tamanho não duraria mais de uma hora e meia.
– Eu já não avisei para não brincar com animais tão grandes? – gritou Jorge voltando se para Maicon. – Isso é estressante tanto para o animal quanto para nós.
– Mas o que é que eu poderia fazer com isso? – perguntou Maicon, mostrando a lança. Jorge, no entanto, afastou-se preferindo não dizer mais nada.
Depois disso, ainda tiveram que esperar algum tempo até que a porta do caminhão fosse aberta e, quando isso finalmente aconteceu, Cleber saltou do caminhão dizendo:
– Como se não bastasse quebrar o botão, Jeremias ainda quis que Mateus desse a partida no caminhão e nos tirasse daqui, abandonando vocês à própria sorte.
Jeremias saiu logo em seguida e nem escutou o que Cleber acabara de dizer. Pelo menos não demonstrou ter escutado, andando de um lado a outro em volta do caminhão, procurando pelo carnotaurus. Como não o encontrou, deduziu que já o haviam prendido. Não conseguia acreditar que apenas três homens o prendessem tão rápido.
Jorge, no entanto, seguiu com passos decididos em direção a Jeremias e, sem dizer nada, deu um soco em seu rosto. Jorge acreditava que naquele lugar muitos caçadores já haviam morrido por causa de pessoas que pensavam como ele. Então, antes que Jeremias reagisse, Jorge gritou:
– Não sei onde foi que Ana o encontrou, mas um caçador você não é.
Jeremias levou a mão ao rosto, indignado. Naquele momento sentiu ódio, ficou com raiva e pensou em revidar. Mas logo percebeu que seria melhor não fazer isso. Ana o tirara do treinamento para investigar uma equipe suspeita e tinha certeza de que havia cumprido sua missão. Pensou que ao revelar o que sabia, Jorge seria acusado, no mínimo, de traição, sendo demitido em seguida ou rebaixado de cargo. Já ele, como fizera um ótimo trabalho, descobrindo o que os caçadores estavam escondendo, provavelmente estava formado e, com sorte, em breve seria promovido. Então pôs um sorriso sarcástico no rosto e optou por não reagir nem dizer mais nada.
Jorge continuou olhando para ele com uma expressão séria e, como não houve nenhuma reação de seu oponente nem mesmo para discutir, entrou no caminhão. Depois que Jorge se afastou, Jeremias voltou-se para Maicon, que estava ao seu lado, e perguntou:
– Havia razão para ele reagir dessa maneira?
– Se havia razão ou não, eu não sei – respondeu Maicon –, mas quando ele ainda era caçador o obrigaram a deixar alguns companheiros para trás, e até hoje ele acredita que poderiam ter sobrevivido se alguém os tivesse ajudado. Por isso, depois que se tornou líder, ele nunca abandonou ninguém e se isso influenciou de alguma forma a reação que ele teve, eu não sei, mas até hoje é o único líder que pode-se dizer que nunca teve uma morte sob sua liderança. Por isso vou te dar um conselho: se você pretende continuar conosco é bom entender isso, pois a menos que um dia a vida lhe prove que está agindo errado, ele continuará sendo assim.
Momentos depois um forte barulho foi ouvido por todos, era semelhante aos trovões de uma forte tempestade, sendo que fazia uma bela manhã de sol. No entanto, aquilo não era novidade para ninguém entre eles, significava apenas a chegada de algo que já aguardavam há algum tempo.
Uma longa onda de curtos elétricos surgiu não muito distante do caminhão e o som dos freios do metrô parando logo se fez ouvir. A princípio era visível apenas por um brilho prateado que ia escorrendo em volta do metrô, como a água em volta de um submarino que acabara de emergir das profundezas do oceano.
O metrô passou por eles sempre com o sistema de freios acionado, como se o piloto quisesse reduzir a alta velocidade de um momento para o outro, mas só conseguiu parar quando o último vagão já estava a vários metros de distância do caminhão. O brilho prateado logo se esvaiu, revelando as cores do metrô que acabava de chegar.
Mateus logo ligou o caminhão e deu a partida. Num instante estava ao lado de um dos vagões. Momentos depois a porta deste se abriu e a rampa para içar o caminhão começou a descer. Quando Mateus deixou o caminhão sobre a rampa, Jorge se aproximou e subiu nela olhando de cara amarrada para Alberto, que estava próximo à parede abaixando a rampa com um sorriso no rosto.
– Por que demorou tanto? – perguntou Jorge fazendo Alberto assumir uma expressão mais séria.
– Vim o mais rápido que pude, o combinado foi que esperássemos por vocês. Quando nos chamaram tivemos de recolher tudo antes de partir. Sei que o fato de vivermos neste mundo onde podemos topar com animais perigosos a qualquer momento sempre nos deixa nervosos, mas, mesmo assim, nenhum de nós ainda é capaz de fazer milagres.
Em seguida subiram o caminhão para o metrô e depois todos embarcaram. Jorge estava sério e pouco falou depois que se juntaram aos outros na longa viagem de volta. Ele não queria demonstrar, mas estava preocupado, não gostou nada da atitude de Jeremias.
Ana desconfiou deles e mandou alguém para espioná-los antes que a verdade fosse revelada. Não desejava nada daquilo, as coisas foram acontecendo, uma atrás da outra, e agora se encontrava preso naquela situação. Por diversas vezes quis lhe contar a verdade, mas eles sempre o impediram, dizendo que muito em breve eles mesmos a procurariam e explicariam tudo. Mas este muito em breve não chegava nunca.
Jorge mal falou com Ana depois que chegaram. Logo deixou que os outros terminassem o que ainda havia por fazer e se afastou, dizendo a Ana que iria tomar banho e descansar um pouco. Como estava com pressa de falar com Jeremias, Ana concordou e, quinze minutos depois, autorizou o resto da equipe a deixar o que estavam fazendo para mais tarde. Depois que todos se retiraram apenas Jeremias ficou para trás e Ana ordenou que a aguardasse em sua sala. Quando Jorge chegou ao alojamento, foi logo tomar banho. Ao voltar para o quarto, em que dormia com outros três caçadores, percebeu que não havia mais ninguém além dele e trancou a porta. Sentou-se sobre a outra cama e, exausto, logo se deitou. Alguns minutos depois, quando Jorge já estava cochilando, alguém bateu à porta. Ele despertou de repente e levantou num pulo. Sobressaltado, olhou em direção à porta, só então lembrou que a havia trancado. Como Jorge demorou a responder, o assistente de Ana bateu mais uma vez e então disse:
Novas propriedades foram construídas ao redor da estação, mesmo depois de sua inauguração. Na ocasião eram apenas quatro hotéis: o prédio da Dimensão Turismo, o hospital, duas pousadas e a universidade. Hoje estava cercada de prédios e casas, havia mercados, padarias, restaurantes e lojas, além de muito mais, ainda em construção. É claro que este rápido crescimento vinha do turismo que aumentava ano após ano, incentivando os empresários a investirem no local. O esforço da Dimensão Turismo em manter ampla publicidade em todos os meios de comunicação, de diversos países ao redor do mundo, colaborava um bocado para esse crescimento. Como Valdir previra, a oportunidade de ver animais extintos há tanto tempo despertava o interesse das pessoas, que lotavam os hotéis todos os anos e, o melhor de tudo, é que o manto elétrico tornava o lugar inteiramente seguro. Um desses interessados era a estudante Berenice, filha de um empresário bem sucedido e que por vários meses pediu e
Quando Ana encontrou Alex novamente, ele estava parado na calçada olhando para a montanha de entulho, única coisa que restava do prédio da Dimensão Turismo, e Valdir se aproximava do outro lado em meio às pessoas que se aglomeravam em volta dos escombros, apesar do pouco espaço disponível entre a calçada e as casas. Não havia mais qualquer vestígio da barreira que pouco antes bloqueara a passagem de Alex. Aquele prédio era o coração da estação, tudo o que existia ali só funcionava por causa dele e sem ele restavam poucos recursos à estação.– Percebi que algo muito grave deveria estar acontecendo – disse Valdir quando parou ao lado deles –, mas nunca imaginei que iria ver o prédio mais importante da estação desabar.Alex não disse nada por um momento e Valdir chegou a pensar que ele nem sequer
Em Porto Alegre, o primeiro ônibus daquele dia com destino à estação da América do Sul iria partir às oito horas. No momento em que o motorista deu a partida, uma forte descarga elétrica atingiu o veículo empurrando-o em direção à parede. Mas como não havia mais para onde ir, o veículo foi perdendo velocidade até que todos os seus painéis e luzes se apagaram de vez, parando-o no meio do caminho. O motorista não soube o que dizer aos passageiros, tentou tudo o que foi possível para religá-lo e nada aconteceu, o veículo estava morto. Restava apenas uma coisa a fazer e, depois de pedir desculpas aos passageiros outra vez, foi procurar o diretor. – Temos um problema grave – disse ele alguns minutos depois, invadindo a sala de Eliseu. – Meu ônibus com destino à América do Sul parou de repente. Já fiz tudo o que foi possível e a passagem continua bloqueada. Já havia outro rapaz na sala de Eliseu quando o motorista entrou. – Nós já sabemos! – disse Eliseu mu
Quando Ana voltou à universidade, mandou chamar as duas equipes de caçadores disponíveis, a de Jorge e a de Everton. Trinta minutos mais tarde as duas equipes aguardavam por Ana no pavilhão, onde havia vários corredores rodeados por gaiolas de diversos tamanhos. Eles estavam próximos a filhotes de pachycephalosaurus, um dinossauro herbívoro que viveu na América do Norte no final do cretáceo e tinha um calombo que se ergue acima e detrás das órbitas oculares, com várias projeções ósseas redondas atrás do calombo e saliências ósseas pelo focinho. Um pachycephalosaurus adulto chegava a medir oito metros de comprimento e, por isso, Ana nunca os trazia para a universidade. As maiores gaiolas usadas pela universidade tinham seis metros de comprimento por quatro de largura e dois de altura. Em contrapartida, animais como o protoceratops, um dinossauro herbívoro que viveu no final do período cretáceo na Ásia, mesmo os adultos cabiam em gaiolas com
Já passava das nove horas da manhã quando Luís percebeu que não daria tempo para tirar todo aquele entulho ao redor da plataforma do metrô. Então ordenou que abaixassem o local por onde ele passaria, limpando apenas uma parte das beiradas para que pudessem passar e subir nele. Quando o metrô chegou era pontualmente nove e meia. A tempestade já havia passado, mas continuava chovendo. Ele surgiu de repente, materializando-se ao longe como se estivesse vindo de outro mundo. O brilho azulado em volta dele, refletido pela eletricidade atingida pela água da chuva, reforçava essa ilusão. Era como se o metrô atravessasse uma barreira de plástico, que ia se espichando e moldando-se a ele, até arrebentar no momento em que parava na estação, como se tivesse saído de um túnel invisível. Uma escavadeira teve que se afastar o mais rápido que lhe era possível, chacoalhando por cima do entulho até deixar a plataforma e desviar para um lado, evitando a colisão. Já o metrô quando parou estava
Como previram no dia anterior, os ecologistas sabiam que se quisessem alcançar seus objetivos, a permanência deles ali seria longa e difícil, mas nunca esses objetivos estiveram tão distantes quanto naquela manhã. Para começar, caía uma terrível tempestade como há muito tempo não viam e, para seu pesar depois daquele espetáculo elétrico que se espalhou por toda estação, souberam que o prédio pelo qual chegaram havia desabado. Quando tudo começou, alguns hóspedes saíram em busca de uma explicação para o que estava acontecendo e mesmo depois, quando começou a chover, ainda havia hóspedes saindo atrás da origem dos terríveis estrondos que ouviram. Já os ecologistas, que pareciam ter nervos de aço, preferiram manter a calma e continuar na pousada. Sabiam que logo todos estariam comentando e ainda tinham certo receio de se expor. Agora que a tempestade era forte, todos estavam voltando e a queda do prédio em frente tornou-se o assunto principal. Naquele momento, os ecolog
Fazia mais de cinco anos que Greice trabalhava na estação de Porto Alegre. Depois que as linhas com a estação na América do Sul ficaram mudas, ela e seus colegas fizeram de tudo para descobrir o que havia acontecido. Ligaram diversas vezes para a estação na América do Norte, na Ásia e para diversas estações ao redor do mundo na época atual, sendo que de todas elas recebia a mesma resposta. “Também tentamos comunicação com eles desde cedo e ainda não tivemos nenhuma resposta para o que está acontecendo.” Eles também recebiam muitas ligações, cujas perguntas não sabiam responder. E assim, a manhã daquela sexta-feira passou sem que ninguém soubesse de nada. Greice não sabia mais o que fazer, Eliseu já aparecera duas vezes cobrando uma resposta: “Preciso saber o que está acontecendo e o que devo fazer, antes que o próximo ônibus saia”, berrava Eliseu da porta. E então chegava o horário de outro ônibus partir, e mais outro, e mais outro, e nada de respostas. Eliseu então