O som das buzinas fazia a minha cabeça doer enquanto a minha mãe soltava palavrões baixinhos, o que fez com que eu abrisse os olhos do meu estimado cochilo – que parecia realmente um universo muito distante.
Havia uma fila de carros parados na frente da Universidade de Oryon. Passei os meus olhos pelo reboliço no estacionamento e nas calçadas e suspirei desanimada. Eu queria mesmo voltar para casa e para os meus lençóis.
O primeiro dia de aula nunca pode ser realmente fascinante. E eu não acho que seja apenas meu costumeiro mau humor matutino reclamando. Minha mãe conseguiu encostar e eu saltei, tendo que desviar do garoto que vinha desgovernado com a sua bicicleta em cima da calçada.
Eu respirei fundo, observando o grande complexo de prédios. Marchei até o prédio principal – por onde entrávamos –, desviando das pessoas que embaçavam em meu caminho. Lá dentro não era muito melhor, o congestionamento nos corredores não me deixava respirar – parecia que estavam distribuindo dinheiro em algum lugar.
Os corredores cheios de gente me deixavam ligeiramente tonta, meio enjoada para falar a verdade. As pessoas corriam de lado para o outro, gritavam e faziam do ambiente o melhor estilo de uma feira livre – não era interessante. A minha vontade era de dar meia volta e realmente desistir. Afinal, eu nem precisava ir para a faculdade mesmo e...
Certo, era preciso, mas nunca era tarde para pensar positivo.
Não tive muito mais tempo de pensar em fugir – mesmo que as rotas de fuga tenham se tornado assuntos interessantes em minha cabeça –, já que senti um par de braços envolvendo a minha cintura com dificuldade. Eu sorri reconhecendo os braços finos que tanto a irritavam. Era a única pessoa que me faria sorrir naquele momento.
Olhei para Gaya Flynn, a minha melhor amiga e cheguei a concordar que seria bem pior sem ela. A menina baixinha – que por incrível que parecesse era ainda menor do que eu – parecia radiante naquela manhã. Certo, ela estava sempre radiante, então como explicar para ela que o primeiro dia em um lugar totalmente novo não era o que se podia chamar – ou ainda esperar – de divertido?
Eu a conhecia desde a minha infância e era bom a ter por perto ali também. Sim, era difícil me lembrar de um tempo em que tivéssemos estado separadas, o que era realmente adorável. E minha maior alegria foi que tivéssemos escolhido também o mesmo curso na faculdade – o quis me lembrava de agradecer a nossa professora de Química que nos tinha feito apaixonar.
O corpo mirradinho, baixinho e magrelo – magreza que odiava profundamente – era de um bonito e suave amorenado que fazia a minha palidez invejar um tanto. Ela tinha longos e volumosos cabelos cacheados que pairavam um pouco acima de seu quadril ossudo em um mar comportado e bonito de castanho. Os seus olhos verdes como a oliva sempre sorriam, assim como no rosto de traços bonitos sempre surgia um sorriso de dentes brancos e prefeitos. A menina tinha uma lista de fãs e não só por sua notável beleza, também por sua simpatia – e por acreditar que todo dia seria bom.
- Animada, Mads? – serpenteava ao meu lado enquanto íamos até a secretaria buscar nossos horários e outros documentos importantes, mesmo que me parecesse uma missão impossível já que muitos corpos ocupavam nosso caminho. E realmente não duvidava de Newton.
Eu não respondi, afinal, não queria jogar um balde de água fria na animação.
- Esse ano vai ser incrível. – ela passou os olhos por um grupo de garotos que ela julgava interessantes. – Demais, Maddie. – riu animada e eu não pude não sorrir com a animação, mesmo que meu estômago doesse de nervoso. Ok, talvez fosse de fome, afinal eu costumava comer mais do que uma maçã de manhã.
- Claro Gy... – eu não posso dizer que estava muito animada.
A essa altura tínhamos, a duras penas, conseguido chegar à secretária. E, certamente, tínhamos achado o lugar de distribuição de dinheiro. Olhei para a fila enorme para pegar os papéis e me senti suspirar pesadamente. Tinha que ser o humor matutino – ou a falta dele.
Ótimo.
O que eu podia dizer até o momento? Que já estava sendo tão demais que era impossível me expressar...
- Você é tão ranzinza às vezes, Mads. – ela acusou e eu dei de ombros. Não era a primeira vez que me falavam aquilo. – Quem tomou o seu mingau amiga?
- Não me culpe por achar o primeiro dia de aula em um lugar completamente novo algo completamente contrário à maravilha que você pinta, Flynn. – ela rolou os seus olhos enormes. Oh certo, para ela que era tão extrovertida como eu nunca vira, era mesmo uma coisa bem fácil.
- Pensa, poderia ser pior. Você poderia não me ter aqui com você. – ela falou, supervalorizando-se. Ela se amava, aquilo era mais do que certo.
Foi então que eu o vi. Ele saia da pequena salinha com um avental azul escrito “Guia” em branco e bem grande.
Eu não sei bem como ele percebeu que o encarava com um nível de patetice impressionante. Realmente me sentia violando o seu espaço naquele momento.
Claro, eu tinha motivos para isso. Liam Harrison, o melhor amigo de meu irmão desde sempre, andava como um rei entre os calouros perdidos entre a emoção de um primeiro dia. Desculpem-me, mas eu não me interessava pelos hormônios ambulantes, mas o veterano da Física me parecia incrivelmente ideal.
Em outra época, onde Liam ainda era um menino mirradinho ele já havia me conquistado com o seu sorriso.
Agora, o garoto alto e ligeiramente corpulento – eu não sabia o motivo, mas o excesso de músculos não me chamava tanta atenção como fazia com Gaya –, abriu um sorriso tão enorme quanto perfeito. Lembrava-me daquele sorriso e ainda via como impressionante a reação que me causava. Seus olhos límpidos de um azul tão escuro quanto a água de um mar revolto eram extremamente charmosos e agora pareciam bem focados em mim – ou em Gaya, já que chamar a atenção normalmente era coisa dela –, o que me deixou um tanto nervosa e me perguntando se ele se lembrava de mim. Os cabelos escuros que tinham aquele ar de desarrumado proposital sobre a sua cabeça contrastavam com a sua pele ligeiramente pálida e fazia do conjunto adorável. Sim, essa era a palavra. Ele parecia... Adorável, por mais que muitas outras palavras viessem na minha mente para descrevê-lo.
O que eu podia fazer? Eu não era muito adepta a mudanças.
- Mads, você está babando. – Gy cutucou a minha costela, fazendo-me fechar os olhos com força pelo incômodo.
– E a fila andou. – olhei para frente, forçando-me a romper a estúpida conexão visual. Ele jamais se lembraria da irmã pirralha do amigo dele que viva babando por ele. – Não disse? Aparentemente, o ano já começou bem... – ela falou rindo enquanto dávamos alguns passos para frente e ela sorria bobamente. Ainda mataria Gaya se ela continuasse a fazer aquele tipo de barbaridades enquanto eu flertava. Tá, não era um flerte, era mais eu sendo estúpida.
Quando olhei para o lado, percebi o motivo dela sorrir assim tão alegremente. Ele se esgueirava entre um bando de alunos e se aproximava de nós. Senti um sorriso nervoso se prostrar em meus lábios. Só não podia falar algo estúpido – o que acontecia na maioria das vezes em que ele estava perto.- Pequena Marcela! – sorriu quando chegou perto, abrindo os braços para me receber em um abraço. Aquilo era sério? Belisquem-me! Eu juro que me arriscaria a caber entre aqueles braços saudosos sem o empurrão de Gaya.Era, sem dúvida, o melhor abraço de todos. O seu perfume entrava em meu sistema, abalando os meus pensamentos e o meu coração que começava a seguir um caminho de arritmia que eu não sabia se teria volta – ou se queria voltar para qualquer lugar que não fosse ali.
Ele era alto e corpulento, com músculos que faziam certo relevo em sua camisa social preta que contrastava com sua pele clara – era uma visão e tanto. Os seus olhos eram de um azul piscina incrivelmente bonito, mesmo que parecessem um pouco distantes, meio frios para ser mais exata. Não sabia o que estava passando por minha mente, mas havia alguma força invisível que me impedia de afastar os meus olhos dos seus, como se considerasse tal feito uma falha ou um dos maiores pecados.Seus cabelos compridos eram de um desalinhado delicioso de castanho claro e pareciam propositadamente bagunçados. Eu me perguntava o motivo de minha mão desejar tocá-los, sentir a textura entre meus dedos ávidos que se embolariam em seu pescoço durante um beijo voraz. A sua expressão em meio aos seus traços finos e desenhados com a perfeição de um mestre das artes, parecia tão gelada como um
Aquilo era pior que tortura. Eu acabaria contando o que fosse que ele quisesse se ele continuasse a me olhar daquele jeito.- Hm. – ele pareceu pensar. – Saiba que eu não admito conversas paralelas em minha aula, White. – ele falou seco.Ele parecia ter mudado da água para o vinho e não imaginava o que tinha perdido no meio do caminho. Ele parecia bruto agora, como se tivesse mudado de opinião sobre ser como era. Outras perguntas foram feitas e ele as respondeu da mesma forma desenvolta. Ele era bipolar, tinha um sério distúrbio de personalidade dupla ou ainda o som de outra voz senão a dele o irritava? De qualquer forma, achei melhor não me expressar mais sobre a “biscatisse” – sim, elas tinham uma nova palavra – das meninas daquela sala. Um menu e tanto para ele, claro.Quando as perguntas enfim cessaram,
O sinal do final da aula soou, tirando-me de meus devaneios enquanto eu o via estudar os vários papéis que espalhara sobre a mesa. Aparentemente, Liam já queria começar com todo o ânimo, afinal, o ano letivo nem tinha começado para ele e eu já o via debruçado em vários e vários relatórios.- O seu tormento acabou, Mads. – ele falou enquanto recolhia os papéis. Tinha ficado ali por todo o resto da aula da qual fui tirada sem motivo algum, tendo ainda que esperar a minha mãe para me buscar, o que me lembrava que ir de carro era uma opção viável e agradável.Ele se levantou junto comigo e me acompanhou até a saída do refeitório. Olhei para o corredor cheio de gente, com pessoas indo de lá para cá, rindo de coisas bobas e ainda conversando com alguém a dez metros de
- Bem, não espero muitos problemas com relação a isso. Elas costumam tirar boas notas. – claro, todas dormiam com ele mesmo. Sim, eu estava atônita ainda. – É, tudo muda. – fitava as minhas mãos como se elas estivessem diferentes. Não estavam. De fato, se ousasse fita-lo, acho que encararia a marca bem definida que logo ficaria púrpura com uma expressão total de repreensão e nojo. Para alguém que não parecia ser muito meu fã, não era um bom movimento. – Nunca imaginei que passaria tanto tempo em um laboratório de Química.- Seria interessante ver essa mudança. – minha mãe riu, animadamente. O que tinham colocado em seu café?Drogas? – Tenho certeza que você é ótimo no que faz, querido. Você era muito dedicado ao que gostava. – como um estalo ela pareceu se tocar da palavra
Três dias depoisOs outros dias tinham se passado tranquilamente. Os meus outros professores eram tranquilos e bons no que faziam. Já tinha uma tonelada de trabalhos para fazer, o que ditava que o ritmo ali seria alucinante e bem diferente da época do colégio – eu já sentia falta dos trabalhos em grupos de dez, sério.Liam não tinha mais ido naquela semana e eu acreditei que só o tinha feito no primeiro dia para ajudar os novatos. Era péssimo. Como se já tivesse se acostumado a tê-lo por perto mais uma vez, eu parecia frustrada toda vez que eu entrava naquele refeitório e não o via na mesa mais ao canto. Bem, eu estava sendo grudenta, eu sei.Mas deixando Liam de lado, agora eu estava frente ao laboratório de Química sem saber o que fazer a seguir.Para piorar tudo, à
- Bem, não vou estragar meu dia por causa de alguém como ele. – falei quase determinada, enquanto observava a minha casa a menos de uma quadra.- Se eu fosse você, não estragaria mesmo. – ela falou em meio a devaneios.Eu só entendi o que queria dizer quando a vi acenando para alguém que estava encostado junto a um carro parado em frente a minha casa. Eu senti o meu corpo se aquecer em uma animação muda quando percebi que era Liam. Sim, era tudo que eu precisava para deixar meu dia alegre.As passadas foram se tornando compridas – porque não seria legal correr até ele – até chegar a minha casa e, consequentemente a ele. Ele me abraçou apertado como se fizesse tempos que não nos víamos e eu me perguntei desde quando éramos tão próximos, mesmo que eu não esti
Uma semana depoisE aqui estava eu, à sombra de uma das árvores mais longes no estacionamento, enroscada em seu abraço gostoso. Era impressionante como eu podia sentir falta dos momentos que nunca antes tinha tido, como se passar mais algum segundo de minha vida sem aquele pedacinho de paraíso fosse o maior sacrilégio de todos.- Não é um lugar muito inteligente para nos agarrarmos, sabe Maddie? – ele riu enquanto colocava o meu cabelo para trás de minha orelha. – Se o que dizem sobre o melhor esconderijo ser à vista de todos, então estamos mesmo fazendo isso certo.- Está com medo de Rick, Li? – eu pirracei e recebei um rolar de olhos de volta.- Bem, meu olho roxo ainda dói, sabe? – ele deu de ombros e eu ri, passando os meus dedos pelo local ainda meio arroxeado. Os &oacut