A manhã do casamento nasceu caótica e carregada de tensão. O céu estava limpo, e o ar trazia a brisa fresca das montanhas, mas dentro do aposento reservado para Selene e as madrinhas, o clima era outro. Quando as mulheres se depararam com a noiva, o choque e o desespero tomaram conta.O cabelo de Selene, que deveria estar perfeitamente modelado em ondas suaves, estava um desastre. O cloro da piscina havia feito seu trabalho cruel: as pontas estavam secas, e os fios, opacos e desalinhados. As mulheres se entreolharam como se estivessem diante de uma calamidade.— O que foi que você fez, Selene? — bradou uma delas, segurando uma mecha do cabelo da noiva como se fosse uma prova do crime.— Entrou na piscina? — outra perguntou, com olhos arregalados.Selene tentou se explicar, mas foi abafada pelo burburinho de repreensões e suspiros angustiados. Puxada para a cadeira diante do espelho, foi cercada por mãos ágeis que se revezavam entre secador, escovas e produtos restauradores. A cada nov
O carro os deixou diante do imponente Grand Resort Ravena, um hotel que parecia saído de uma revista de luxo. As colunas brancas se erguiam altivas, e a fachada refletia o pôr do sol sobre o mar, banhando tudo em tons dourados. Selene desceu do veículo ajeitando o vestido de noiva, sentindo-se deslocada, ainda usando o símbolo do dia anterior. Não traziam malas, nem qualquer bagagem.— Não trouxemos nada… — ela comentou, encucada.Aiden sorriu de lado.— Confie em mim.Eles atravessaram o hall, onde um aroma de flores frescas pairava no ar, e Selene observou com curiosidade os funcionários que os recebiam. Havia humanos, mas também híbridos de espécies que ela nunca tinha visto: uma recepcionista de pele azulada e olhos perolados, um mensageiro de orelhas pontudas e cauda felpuda, e um garçom alto, esguio, com escamas prateadas subindo pelo pescoço.Aiden cumprimentava a todos com naturalidade, falando fluentemente o dialeto local, uma mistura melódica que Selene mal conseguia decifra
Quando retornaram da viagem de núpcias, apesar do alívio por não voltar para a movimentação intensa da mansão, Selene não sentiu aquele calor reconfortante que tantos descreviam ao “voltar para casa”. Pelo contrário, o peso do desconhecido ainda pairava sobre ela, mesmo já tendo pisado ali antes.A primeira vez que visitara a casa, meses atrás, havia encarado cada detalhe como uma sentença. As paredes imaculadas, os móveis de madeira nobre, a elegância dos tecidos e o brilho dos lustres não haviam sido símbolos de um lar – mas de uma prisão que se fechava sobre ela. Naquele tempo, tudo o que queria era escapar.Agora, ao atravessar novamente a porta de entrada, o sentimento era diferente, mas não menos avassalador. A casa não era apenas grande e suntuosa; era mais silenciosa que a mansão dos Vasquez, e essa quietude, curiosamente, a tranquilizou. Não havia tantos olhos, tantas vozes. A ausência do burburinho constante fez Selene respirar um pouco melhor.— Finalmente em casa. — Aiden
Selene puxou o capuz para cobrir os cabelos enquanto andava apressada pelas vielas estreitas da Cidade Baixa. O ar cheirava a fuligem e ao suor das pessoas que trabalhavam sem descanso. Ali, o sol parecia nunca brilhar de verdade, e as sombras dos altos muros da Cidade Alta lançavam um lembrete constante de onde ela e todos os humanos pertenciam: abaixo.A taberna Luar Pálido era seu destino. Trabalhava lá há meses, limpando mesas e servindo clientes. O dono, um velho rabugento chamado Boris, nunca a tratara bem, mas o pagamento era suficiente para manter o teto sobre sua cabeça e algo para comer.Assim que entrou, Selene foi recebida pelo burburinho das conversas. Híbridos de lobo dominavam a maioria das mesas. A Cidade Alta ficava logo além dos muros, e muitos dos que passavam pela taberna iam em direção à Academia Lupiére — um lugar reservado apenas para mulheres-lobo de linhagem pura.— Chegando tarde de novo? — rosnou Boris do balcão.— Sim, senhor — respondeu Selene, abaixando a
O dia da admissão na Academia Lupiére finalmente chegou. Selene, agora Selene Arctos, estava diante do imponente portão de ferro que separava a Cidade Baixa da Cidade Alta. O brasão da Academia, uma lua crescente envolta por um lobo, brilhava no metal negro, refletindo a luz do sol nascente.Ela vestia um vestido simples, mas elegante, e mantinha o capuz erguido para esconder parcialmente as orelhas falsas. Seu coração batia acelerado, mas ela sabia que não podia vacilar.— Documentos? — pediu o guarda híbrido que vigiava o portão.Selene entregou o envelope lacrado. O guarda abriu, analisou o conteúdo e cheirou o papel, como se esperasse identificar algum cheiro humano. Selene conteve a respiração.— Selene Arctos? — perguntou ele, olhando-a de cima a baixo.— Sim.O guarda assentiu e abriu o portão.— Bem-vinda à Cidade Alta. A cerimônia de admissão começa ao pôr do sol.Selene entrou, sentindo o peso do portão se fechando atrás dela. Era isso. Estava dentro.As ruas da Cidade Alta
O primeiro dia de lições havia começado, e Selene estava determinada a se manter discreta. Cada aula era um teste constante de postura, comportamento e controle. A Academia Lupiére não era um lugar de aprendizado comum — era um campo minado, onde qualquer deslize poderia custar caro.Logo pela manhã, Madame Irina reuniu as jovens no salão principal.— A essência de uma Luna não está apenas em sua beleza ou graciosidade. Está em sua capacidade de observar, adaptar-se e sobreviver. Hoje, iniciaremos o treinamento de estratégia e dissimulação.Selene sentiu os olhares das outras jovens sobre si — algumas curiosas, outras desconfiadas. Mas foi um par de olhos em particular que a fez estremecer.Darius Thornheart estava encostado em uma das colunas do salão, os braços cruzados, observando cada movimento. Ele parecia desinteressado, mas Selene sabia que era apenas fachada.Madame Irina continuou:— Uma Luna deve ser capaz de manipular as percepções ao seu redor, convencer um oponente e se p
Os dias de teste na Academia Lupiére foram intensos. Selene enfrentou provas físicas exaustivas, treinamentos estratégicos e desafios que exigiam controle absoluto sobre seus instintos. Cada etapa parecia projetada para expor fraquezas, mas ela se recusou a falhar. Com determinação e inteligência, passou por todas as avaliações, surpreendendo até os mais céticos.Quando o último teste chegou ao fim, Selene recebeu seu uniforme oficial da academia. Agora, vestida como uma verdadeira aprendiz de Luna, ela se juntava às demais alunas nas aulas rigorosas de liderança, estratégia e combate. O perigo de ser descoberta ainda rondava seus pensamentos, mas, por enquanto, ela estava dentro.Em seu primeiro dia como aluna oficial, a manhã começou como qualquer outra. Selene se esforçava para acompanhar a aula de etiqueta enquanto Madame Megan corrigia a postura das alunas com um olhar afiado.— Coloquem-se como Lunas. Não há espaço para hesitação ou dúvida.Selene ergueu o queixo, ajustando-se
Selene despertou com a cabeça latejando e o corpo pesado, como se tivesse sido atropelada por uma carruagem. Sua pele ardia, especialmente o braço esquerdo, onde sentia uma dor latejante. Quando tentou se mexer, soltou um gemido baixo.— Senhorita Arctos? — chamou uma voz feminina, suave, porém insistente.Selene piscou algumas vezes até focar na mulher de uniforme da Academia, que a observava com uma mistura de impaciência e preocupação.— Levante-se. A senhora Irina e o senhor Thornheart estão esperando. É hora do exame.O coração de Selene acelerou. O exame de sangue.Ela se arrastou para fora da cama, percebendo que ainda usava a mesma roupa da noite anterior. O frasco de feromônio agora vazio estava em sua bolsa. O que eu fiz? Pensou. Sentia o corpo quente, como se estivesse febril, e cada passo parecia pesado.A funcionária a guiou pelos corredores silenciosos até o laboratório da Academia. Selene tentou ignorar o cheiro doce que exalava de si mesma, mas a intensidade do aroma e