Capítulo 3 Acidente

Amélia sentia seus nervos a flor da pele. Com dor, cansada e suada, ela caminhava apressada para encontrar seu carro. A fantasia estava grudada em sua pele. Só conseguiria tirar aquilo com calma em casa.

Não queria danificar a roupa, para não ter que pagar por ela depois. Caetano adoraria um motivo para descontar do seu acerto de contas.

O estacionamento do outro lado da rua estava calmo. Haviam poucos carros no pátio, encontrou o seu fusquinha vermelho tomate perto da área dos guichês de pagamento, no mesmo lugar que sempre deixava.

Ela entrou no seu carrinho se sentindo aliviada. Ao mesmo tempo, a preocupação com o seu futuro, começou a bater forte. E agora? Como pagaria a faculdade sem emprego?

Precisava ir embora antes que fechassem o lugar. Deixaria para pensar e gritar consigo mesma, quando estivesse em casa.

Deu partida no carro que fez uma manha para pegar, como de costume. Já estava saindo de sua vaga quando viu a luz da tela do celular se iluminar no banco do passageiro.

 Pegou o aparelho, tinha várias chamadas perdidas de Sam, também havia duas mensagens com palavras desconexas faltando letras, deixando claro que estava bêbada.

Essa era a terceira vez, só nesse mês.

Basicamente, Samantha pedia que Amélia fosse buscá-la em um endereço na área mais nobre da cidade. Aparentemente estava na casa do novo namorado que morava ali.

Houve um desentendimento e Sam encheu a cara, agora não conseguia dirigir ou pegar um taxi. E o “namorado” se negava a levá-la para casa.

Essa nova conquista de sua prima era um mistério, ela mal falava dele, e até agora não sabia o nome do cara.

O fato dessa ser a terceira vez que ela ficava embriagada na companhia dele, preocupava Amélia. Era um clássico sinal de alerta.

Infelizmente, teria que ir até lá vestida como uma idiota, olhou para o a pelúcia verde musgo, e os detalhes metálicos com desgosto. Ninguém a deixaria entrar em qualquer prédio daquela área residencial vestida daquele jeito.

No mínimo, chamariam a segurança alegando que ela estava perturbando a ordem ou tentando vender algo em propriedade privada.

Não que ela se importasse com a opinião alheia a respeito do que ela vestia ou sobre moda, mas não queria ser vista com aquela roupa ridícula ou ser barrada na portaria.

O melhor a fazer, seria avisar Samanta que esperava por ela frente ao endereço, para que Sam descesse e então não passaria por tal constrangimento desnecessário.

Quando seu carro saiu sacolejando, suas preocupações com a perda do emprego vieram assombrá-la novamente.

A chuva que ameaçou cair o dia todo, finalmente despencou na cidade que parecia agora um caldeirão fervente.

O vapor subia pelo asfalto, motoristas buzinavam irritados com pedestres enquanto as gotas grossas de chuva formavam poças no asfalto e atacavam os prédios e calçadas.

As ruas molhadas e seu fusquinha sessenta e quatro, lhe traziam lembranças a muito enterradas no mais profundo de seu ser.

Sob as mesmas circunstâncias climáticas, a sete anos atrás Samanta a resgatou em uma situação deplorável, naquela noite ela renasceu como Amélia.

O seu outro eu morreu naquela mansão a quilômetros de distância dali.

Amélia balançou a cabeça para espantar aquelas lembranças, o longo percurso foi feito com seus pensamentos tumultuados entre o passado, e os seus problemas no presente.

Muitas vezes voltando para a infinidade de lágrimas que já chorou na vida por ser maltrata em razão da sua aparência.

Houve momentos que achou que fosse enlouquecer quando se olhava no espelho. O rosto daquela pessoa ao lado do seu, diminuindo e pisoteando sua autoestima ainda estava sob seu ombro a espreita, era só olhar para trás.

 Na sua nova vida, não foi diferente. Amélia era desmoralizada por sua aparência constantemente.

Tinha gente que não fingia o deboche quando ela falava que cursava arquitetura, parecia que ela não tinha o direito de querer ser alguém na vida.

Para a sociedade, ela deveria se contentar com os trabalhos já havia feito muitas vezes; como garçonete, atendente do cinema, faxineira, entre outros.

Estava tão centrada em seus pensamentos que quase não percebeu que chegou de frente ao prédio sofisticado em que sua prima disse que estaria.

Estacionou o carro em uma área de embarque e desembarque, e enviou uma mensagem para Sam, pedindo que ela descesse.

Ficou no seu celular, esperando por ela. Algum tempo se passou e nada de Samantha aparecer.

Depois de quarenta minutos de espera, ela constatou que nenhuma das mensagens que enviou foi visualizada.

Sam poderia estar precisando de ajuda para andar, então decidiu enfrentar o julgamento das pessoas e descer do carro; pediria para a recepção que alguém subisse para ajudar sua prima a descer até o térreo.

Saiu do carro rápido, a chuva morna havia diminuído, estava constante e fina, mesmo assim ela se dirigiu para a traseira do seu fusca para apertar a tampa traseira que estava entreaberta, por causa de um alicate que ficava segurando um cabo do motor. Se continuasse entrando água ele não iria querer dar sinal de vida depois.

Parada sob a chuva, Amélia tentava apertar a tampa quando sentiu um impacto muito forte e ouviu um barulho alto de freada brusca.

O som ao seu redor foi sumindo repentinamente, enquanto ela perdia os sentidos.

O barulho de um assovio ensurdecedor na sua cabeça foi a primeira coisa que tomou conciência, sentia uma dor aguda em partes do corpo. Alguém estava tocando seu rosto, um pavor aterrorizante a tomou por não conseguir se mexer.

Seus sentidos voltavam letargicamente, a visão estava embaçada demais, a chuva foi a segunda coisa que conseguiu distinguir. No instante seguinte ouviu uma voz profunda a chamando.

A pessoa dizia alguma coisa, mas ela não conseguia entender o que era.

Compreendeu então, que sofreu um acidente. O que estavam dizendo? Será que a poça que sentia sob seu corpo era água da chuva ou sangue?

- Você... me atropelou... – Amélia conseguiu dizer, ainda não enxergava quase nada e nem sabia se a pessoa tinha escutado o que ela disse.

Um rosto que parecia masculino, se aproximou dela e um cheiro de perfume caro a envolveu, se misturando aos seus sentidos já perturbados pelo choque.

- Fique parada, o socorro está a caminho. Você vai ficar bem.

Ele tinha uma voz grave, suave e ao mesmo tempo penetrante, ela tentou levantar as mãos, mas sentiu um toque quente e firme em seus braços a mantendo imóvel no chão sob a chuva.

- Eu disse para não se mexer. Você continua teimosa.

O barulho da ambulância se aproximando, fez sua cabeça doer ainda mais, seus sentidos foram sumindo novamente.

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