Amélia sentia seus nervos a flor da pele. Com dor, cansada e suada, ela caminhava apressada para encontrar seu carro. A fantasia estava grudada em sua pele. Só conseguiria tirar aquilo com calma em casa.
Não queria danificar a roupa, para não ter que pagar por ela depois. Caetano adoraria um motivo para descontar do seu acerto de contas.
O estacionamento do outro lado da rua estava calmo. Haviam poucos carros no pátio, encontrou o seu fusquinha vermelho tomate perto da área dos guichês de pagamento, no mesmo lugar que sempre deixava.
Ela entrou no seu carrinho se sentindo aliviada. Ao mesmo tempo, a preocupação com o seu futuro, começou a bater forte. E agora? Como pagaria a faculdade sem emprego?
Precisava ir embora antes que fechassem o lugar. Deixaria para pensar e gritar consigo mesma, quando estivesse em casa.
Deu partida no carro que fez uma manha para pegar, como de costume. Já estava saindo de sua vaga quando viu a luz da tela do celular se iluminar no banco do passageiro.
Pegou o aparelho, tinha várias chamadas perdidas de Sam, também havia duas mensagens com palavras desconexas faltando letras, deixando claro que estava bêbada.
Essa era a terceira vez, só nesse mês.
Basicamente, Samantha pedia que Amélia fosse buscá-la em um endereço na área mais nobre da cidade. Aparentemente estava na casa do novo namorado que morava ali.
Houve um desentendimento e Sam encheu a cara, agora não conseguia dirigir ou pegar um taxi. E o “namorado” se negava a levá-la para casa.
Essa nova conquista de sua prima era um mistério, ela mal falava dele, e até agora não sabia o nome do cara.
O fato dessa ser a terceira vez que ela ficava embriagada na companhia dele, preocupava Amélia. Era um clássico sinal de alerta.
Infelizmente, teria que ir até lá vestida como uma idiota, olhou para o a pelúcia verde musgo, e os detalhes metálicos com desgosto. Ninguém a deixaria entrar em qualquer prédio daquela área residencial vestida daquele jeito.
No mínimo, chamariam a segurança alegando que ela estava perturbando a ordem ou tentando vender algo em propriedade privada.
Não que ela se importasse com a opinião alheia a respeito do que ela vestia ou sobre moda, mas não queria ser vista com aquela roupa ridícula ou ser barrada na portaria.
O melhor a fazer, seria avisar Samanta que esperava por ela frente ao endereço, para que Sam descesse e então não passaria por tal constrangimento desnecessário.
Quando seu carro saiu sacolejando, suas preocupações com a perda do emprego vieram assombrá-la novamente.
A chuva que ameaçou cair o dia todo, finalmente despencou na cidade que parecia agora um caldeirão fervente.
O vapor subia pelo asfalto, motoristas buzinavam irritados com pedestres enquanto as gotas grossas de chuva formavam poças no asfalto e atacavam os prédios e calçadas.
As ruas molhadas e seu fusquinha sessenta e quatro, lhe traziam lembranças a muito enterradas no mais profundo de seu ser.
Sob as mesmas circunstâncias climáticas, a sete anos atrás Samanta a resgatou em uma situação deplorável, naquela noite ela renasceu como Amélia.
O seu outro eu morreu naquela mansão a quilômetros de distância dali.
Amélia balançou a cabeça para espantar aquelas lembranças, o longo percurso foi feito com seus pensamentos tumultuados entre o passado, e os seus problemas no presente.
Muitas vezes voltando para a infinidade de lágrimas que já chorou na vida por ser maltrata em razão da sua aparência.
Houve momentos que achou que fosse enlouquecer quando se olhava no espelho. O rosto daquela pessoa ao lado do seu, diminuindo e pisoteando sua autoestima ainda estava sob seu ombro a espreita, era só olhar para trás.
Na sua nova vida, não foi diferente. Amélia era desmoralizada por sua aparência constantemente.
Tinha gente que não fingia o deboche quando ela falava que cursava arquitetura, parecia que ela não tinha o direito de querer ser alguém na vida.
Para a sociedade, ela deveria se contentar com os trabalhos já havia feito muitas vezes; como garçonete, atendente do cinema, faxineira, entre outros.
Estava tão centrada em seus pensamentos que quase não percebeu que chegou de frente ao prédio sofisticado em que sua prima disse que estaria.
Estacionou o carro em uma área de embarque e desembarque, e enviou uma mensagem para Sam, pedindo que ela descesse.
Ficou no seu celular, esperando por ela. Algum tempo se passou e nada de Samantha aparecer.
Depois de quarenta minutos de espera, ela constatou que nenhuma das mensagens que enviou foi visualizada.
Sam poderia estar precisando de ajuda para andar, então decidiu enfrentar o julgamento das pessoas e descer do carro; pediria para a recepção que alguém subisse para ajudar sua prima a descer até o térreo.
Saiu do carro rápido, a chuva morna havia diminuído, estava constante e fina, mesmo assim ela se dirigiu para a traseira do seu fusca para apertar a tampa traseira que estava entreaberta, por causa de um alicate que ficava segurando um cabo do motor. Se continuasse entrando água ele não iria querer dar sinal de vida depois.
Parada sob a chuva, Amélia tentava apertar a tampa quando sentiu um impacto muito forte e ouviu um barulho alto de freada brusca.
O som ao seu redor foi sumindo repentinamente, enquanto ela perdia os sentidos.
O barulho de um assovio ensurdecedor na sua cabeça foi a primeira coisa que tomou conciência, sentia uma dor aguda em partes do corpo. Alguém estava tocando seu rosto, um pavor aterrorizante a tomou por não conseguir se mexer.
Seus sentidos voltavam letargicamente, a visão estava embaçada demais, a chuva foi a segunda coisa que conseguiu distinguir. No instante seguinte ouviu uma voz profunda a chamando.
A pessoa dizia alguma coisa, mas ela não conseguia entender o que era.
Compreendeu então, que sofreu um acidente. O que estavam dizendo? Será que a poça que sentia sob seu corpo era água da chuva ou sangue?
- Você... me atropelou... – Amélia conseguiu dizer, ainda não enxergava quase nada e nem sabia se a pessoa tinha escutado o que ela disse.
Um rosto que parecia masculino, se aproximou dela e um cheiro de perfume caro a envolveu, se misturando aos seus sentidos já perturbados pelo choque.
- Fique parada, o socorro está a caminho. Você vai ficar bem.
Ele tinha uma voz grave, suave e ao mesmo tempo penetrante, ela tentou levantar as mãos, mas sentiu um toque quente e firme em seus braços a mantendo imóvel no chão sob a chuva.
- Eu disse para não se mexer. Você continua teimosa.
O barulho da ambulância se aproximando, fez sua cabeça doer ainda mais, seus sentidos foram sumindo novamente.
Aos poucos Amélia foi acordando, estava em um quarto branco e amarelo pálido com uma tv enorme embutida na parede, um vaso de flores do campo de perfume suave; era um hospital particular.Não fazia ideia de como foi parar ali, ela não tinha convênio médico e nem um centavo no bolso para pagar. Se sentou na cama reclinada confortável, o lençol macio escorregou revelando a camisola fina com o logotipo do lugar de alto padrão.Esse é o tipo de hospital que os artistas e gente montado na grana procura quando precisa. Pelo menos a dor praticamente sumiu. Não via sinais de que passou por algum procedimento cirúrgico, felizmente.Amélia suspirou de alívio. Sentindo-se observada, ela se virou nos travesseiros macios; seus olhos se depararam com um homem parado perto da porta fechada.O homem a observava em silêncio. Incrivelmente alto e forte, imponente, o terno preto de alfaiataria cara talhava um porte muito sofisticado e másculo. O físico desenvolvido era invejável; os olhos de tom profun
Ainda com vestido nas mãos ela não conseguia chegar a uma conclusão sobre aquilo. O vestido era perfeito, serviu como uma luva quando ela decidiu usar. Não sabia nada sobre aquele homem, e ele deduziu o seu tamanho com uma só olhada?!Tudo estava confuso demais. O que aconteceu com fantasia de camaleão, e por que ele se deu ao trabanho de comprar uma roupa daquelas para uma desconhecida que ele considerava uma maluca?!No espelho do banheiro ela deu uma ultima olhada em seu reflexo. Seus cabelos estavam embaraçados e molhados, seu rosto estava horrível, com um inchaço enorme no formato de bola na testa; um corte no lábio e um na sobrancelha esquerda; parecia cuspida pelo próprio desespero.Mas a roupa trazia a dignidade que precisava para sair desse quarto. Ela pagaria pelo vestido, obviamente.Saiu do quarto sem olhar para o homem. Quando sentiu uma tensão estranha e só ouviu o silêncio, resolveu apelar para seu orgulho próprio.- O que aconteceu com minha roupa? – ela levanto
O cheiro do homem ao seu lado era uma droga. Uma mistura alucinógena entre o amadeirado sofísticado e o doce excêntrico. Amélia se pegou inspirando fundo, só para reter aquele cheiro delicioso por mais tempo. Suas mãos enormes, com veias saltadas segurando a direção, expunha um anel de obsidiana, e um relógio caríssimo de edição limitada.Lembrava-se que esse modelo era único, alguém da sua antiga vida, tentou adquirir aquele relógio. E quando não conseguiu, foi ela quem arcou com as consequências.Amélia se encolheu. Queria esquecer tudo aquilo, até agora se saiu bem, ela nunca conviveu ou encontrou pessoas como esse homem. Fez um bom trabalho em se esconder e recomeçar como uma outra pessoa.Até aquele acidente, não tinha cruzado com ninguém que pudesse comprometer sua identidade. Sua terapia estava indo muito bem, sua vida era sacrificante, mas a liberdade não tinha preço.Estava tudo bem. Logo chegaria em casa, e ela fecharia essa porta e jogaria a chave fora.O que aconteceu a po
ÍcaroO vestido que mandou trazerem para ela, caiu como uma luva, modelando sua cintura e os seios redondos e volumosos. Sua boca ficava seca de vontade, só de olhar para o contorno daquele decote.A surpresa em reencontrar aquela menina mascarada ainda provocava um frenezi por todo o corpo. Se conter deixou de ser uma opção, depois de tanto tempo, não poderia deixar ela ir sair assim, sem ter certeza que essa mulher gostosa, de olhos desafiadores, era a sua garota daquela noite.O gosto dela era o mesmo. A boca quente de lábios indecentes, a reação pecaminosa de seu corpo ao dela. Sim. Não tinha dúvidas. Era ela, com certeza. A sua garota.O olhar confuso dela inflamava seu sangue, deveria possuír Amélia Bastos no meio da rua? Talvez assim, ela se lembraria de como gemeu inocentemente sob seu corpo, enquanto pedia por mais de seu toque.- Não deveria ter feito isso...A voz dela soou tão baixa, que por um instante julgou ter imaginado suas palavras.Levou a mão ao seu rosto, passand
AméliaA certeza de que fez papel de ridícula era mortificante, mas ela só queria sair da presença daquele homem que a fazia se sentir em brasa viva.Como foi que aquele beijo aconteceu? Tocou os lábios com as pontas dos dedos, ainda sentindo a boca dele ali. Seu sangue pulsava para áreas adormecidas do seu corpo.Deslizou contra a porta. O que havia de errado com ela?! As pernas amoleceram, como se fossem parafina contra o fogo. O batimento acelerado de seu coração deixou a garganta seca, sedenta de algo que não era água.- Eu preciso arrumar um namorado... – murmurou para si mesma.Repassando cada gesto dele, seu jeito forte de pegar e apertar; provar e devorar; certamente ele estava acortumado a ter as mulheres se jogando aos seus pés.Ela não era feita de ferro. Que santa resistia a um homem daquele?Além de gostoso, forte, ele era muito atraente e másculo. E com um beijo desses, poderia fazer qualquer uma perder a sanidade.- Não seja burra Amélia! Pare de pensar nesse homem....
Logo que o dia amanheceu, já estava de pé. Pronta para sair em busca de emprego. Antes de clarear, ouviu o barulho da porta, com certeza Sam voltou para casa cedinho, para não perder o dia de trabalho.Ela sempre foi muito comprometida, mesmo quando ficava doente, não costumava faltar.A caminho da cozinha, passou quarto de Samanta, que estava aberto. Era totalmente diferente do seu, em gosto e pertences. Equanto sua prima era romântica e delicada, o seu gosto era mais sóbrio e sério sem ser impessoal.O seu quarto já era o oposto, era básico apenas com uma cópia de uma pintura de Renoir, era simples e as paredes em amarelo claro conferiam um certo aconchego, os móveis eram rústicos e pequenos e o único detalhe pessoal era uma foto das duas no porta retrato no criado mudo com um abajur simples.Havia várias roupas sobre a cama, sandálias e sapatos muito bonitos e elegantes no chão. Sua prima estava sempre na dúvida do que vestir quando ia sair com aquele novo namorado, era como se ela
Procurar emprego é cansativo e frustrante. Ela rodoy o dia todo procurando uma vaga que cubrisse seus gastos. Mas não encontrou nada que chegasse perto. O único lugar que estava pagando um pouquinho melhor, ficava muito longe da faculdade, e seria impossível chegar lá no horário das aulas.Amélia pegou o cartão do transporte público e guardou na bolsa. Passava das seis e meia da tarde, estava na hora de ir para a lanchonete.Sábado a noite era um dia muito movimentado no estabelecimento. Chegou ao lugar suada, com os cabelos presos em um coque frouxo, e uma mancha na calça jeans. Alguém passou por ela dentro do ônibus e derramou molho de alguma coisa na sua roupa.Cumprimentou algumas pessoas que eram clientes assiduos, e se voltou para os fundos.A cozinha já exalava o cheiro de fritura dos salgados e lanches. Gostava de trabalhar ali, porque não tinha que lidar com o público.O tempo passou rápido. Logo já estava na hora de limpar tudo e encerrar a noite. Levou a última bandeja pa
-Para onde está me levando? Isso é sequestro, sabia?! - protestou ela. Ícaro cerrou o maxilar, evidenciando sua irritação. Lançou um olhar penetrante na direção dela e não disse mais nada. -Pare o carro, eu quero descer! Amélia tentava abrir a porta inutilmente. O cheiro forte de óleo de fritura que ela exalava, deixava a mulher ainda mais constrangida. Não deveria estar perto desse homem de novo. Muito menos assim, suja e cheirando a salgado frito! Que merda de sina era essa, que toda vez que estava mal vestida e nada apresentável, esse riquinho aparecia?! A camiseta azul clara que vestia, estava colada nos seios grandes e nas dobras de gordura de sua barriga. Havia manchas de molho nela, porque o avental que usava na cozinha era pequeno demais para o seu tamanho. Que vergonha! Amélia abraçou a mochila para esconder aquela visão horrível. Seus cabelos estavam presos no costumeiro coque no alto da cabeça, e alguns fios se enroscavam em seus brincos de trio. -Deveria estar em