Amélia bateu na porta, respirando fundo para que não transparecesse sua frustração e raiva na frente daquele cara mesquinho.
Ele era um sujeito de meia idade, com pouco cabelo seboso, usava roupas sociais baratas e cara de que estava sempre com dor.
Jaime Caetano sempre lhe dava trabalho extra quase no fim do expediente. Ele não gostou da sua contratação, que foi feita pelo gerente geral das lojas.
Segundo ele, Amélia não tinha a imagem que a Color Graphic precisava para suas atendentes; ou seja ela não servia para um conjunto de lojas de gráfica, porque não tinha o mesmo perfil físico de Jéssica.
Magra, de cabelos compridos e olhos claros. Ela não era muito eficiente, e costumava faltar bastante, mas esse era o padrão correto para seu chefe. A linda Jéssica, foi contratada por ele pessoalmente.
Já imaginando o que estava por vir, seu estômago que roía de fome, passou a doer de nervoso.
A enxaqueca que iniciou por causa do calor escaldante lá fora, agora estava no auge. Ela só pensava em ir pra casa tomar um banho gelado e estudar um pouco, antes de dormir mais cedo.
Um luxo que não tinha há meses.
Hoje felizmente, não teria aula. Esperou por essa chance de descansar um pouquinho a semana toda.
Antes de entrar, Amélia se controlou para não perder a paciência com a arrogância e folga daquele sujeito, aspirou o ar com força e tentou adquirir uma serenidade que estava longe de sentir.
Mesmo no fim da tarde, estava muito calor. Nem o ar condicionado da loja era capaz de acabar com esse desconforto dentro da roupa peluciada.
Odiava profundamente aquela fantasiava. Sonhava secretamente com o dia em que colocaria fogo naquele negócio horrível. Principalmente porque ela aumentava ainda mais sua silheta avantajada.
Aquele troço foi feito para lembrá-la de que estava gorda.
Entrou no escritório pequeno que cheirava a cigarro e chicletes de menta. Logo de cara viu que Caetano estava de pé, com uma carranca ainda pior que o normal. Isso não era nada bom.
- Você não precisa se sentar, eu serei rápido. – ele disse quando a viu olhar para a cadeira a sua frente, doida para descansar as pernas.
- Tudo bem, o que precisa Caetano?
- A empresa agadece o trabalho de todos durante esses anos, mas infelizmente precisaremos cortar gastos. O salário dos funcionários terá uma redução de sete por cento.
- Mas isso não é certo, mais de quize pessoas só nessa produção, dependem desse emprego e passam apertado com o salário mensal. Se a empresa diminuir ainda mais, não teremos como pagar nossas contas.
Era só o que faltava, se eles fizessem isso seu pagamento não cobriria o valor da faculdade, nem com seu trabalho extra.
- Não temos outra opção. Como está mais familiarizada com o pessoal da produção, você fará o comunicado a eles amanhã de manhã, até o meio dia todos devem estar cientes do reajuste de salários.
-Algo mais? – Amélia só conseguia pensar em sair daquela sala e ficar longe daquele homem detestável.
- Sim, você fez o relatório de compras que eu pedi mais cedo?
- Mas você não pediu esse relatório, geralmente sempre faço na segunda.
Sentiu a raiva fervilhar, aquele sujeito já estava com tudo planejado para faze-la trabalhar até tarde. Além de fechar a loja, porque a dondoca da recepção foi embora.
Jéssica nunca voltava quando saia mais cedo, como hoje.
- Preciso dele para hoje, então não perca tempo e vá fazê-lo. Nem pense em usar a faculdade como desculpa, eu sei que hoje você não tem aula. Me envie por e-mail, tenho um compromisso e já estou de saída.
O homem alisou o pouco cabelo que tinha, e se sentou em sua cadeira gesticulando com a mão para que ela saísse.
Caetano certamente estava de encontro marcado com Jéssica para essa noite. O caso dos dois, era do conhecimento de todos.
Saiu da sala dele, sem olhar de novo para sua cara de desgosto. Quando ele liberava Jéssica mais cedo, era porque ficariam juntos em algum motel da cidade.
Como Amélia sempre reclamava de ficar no lugar da protegida de Caetano, ele gostava de castigá-la.
Olhou no relógio, já eram seis e meia, com certeza só terminaria tudo após as oito; estava virando rotina isso, e seu tempo para preparar sua tese estava acabando.
Ainda faltava metade para a conclusão, pois no seus únicos dias livre, estava trabalhando até tarde.
Ali parada no pequeno corredor, Amélia apertou o estômago que doía mais que o normal. A gastrite nervosa era sua companheira implacável.
Respirou fundo, sua mente foi tomada por um pensamento óbvio. Porque ainda trabalhava ali?
Suportou por tempo demais o chefe que constantemente a humilhava por sua aparência. Ele sempre a perseguiria no ambiente de trabalho. Não se importava em soterrar a mulher gorda em funções de outras pessoas com tarefas extras. Caetano achava que ela merecia isso, pela audácia de trabalhar ali.
Seus estudos já estavam sofrendo o impacto desse desequilíbrio, e sua saúde também. Não havia maneiras diplomáticas para lidar com esse problema. Houve várias tentativas anteriores. Precisava tomar uma atitude.
Chega! Não passou por um inferno, para viver dessa forma. Marchou de volta para a porta do escritório rapidamente, temendo que sua convicção falhasse.
Bateu novamente, e assim que ele resmungou uma resposta desagradável, e Amélia entrou na sala de uma vez.
- Já chega! Eu estou cansada de ser feita de idiota! Tudo tem limite! Estou caindo fora! Envio por e-mail minha carta de demissão.
- Como é?
O rosto do homem ficou roxo de raiva, ele se levantou bruscamente.
- Você acha que terá outra oportunidade como esta? Quem vai fazer o relatório?!
- Você! essa é a sua função! E não se preocupe, tenho certeza que posso arrumar um emprego melhor.
A raiva por todos os insultos e piadinhas enfim explodiu, não conseguia mais conter as palavras. Caetano não merecia nenhum respeito ou consideração.
- Com certeza encontrarei um bom trabalho. Um emprego que eu não tenha que executar as funções do meu gestor adicionadas as minhas, sem contar o assédio moral.
- Se você acredita que foi assediada, por que não me acusa? – ele riu ironicamente. – Parece que você não se enxerga mesmo não é Amélia? Eu nunca ficaria com alguém como você, nem mesmo bêbado dá para encarar.
- Já estou acostumada com seus insultos, eles não tem mais efeitos sobre mim. Não vale a pena discutir com você.
Reunindo todo o seu orgulho, ela levantou a cabeça e se dirigiu a porta o mais rápido que pode, seus nervos estavam tremendo e sua cabeça doía a ponto de pulsar em suas têmporas.
O imbecíl entendeu que estava sendo acusado de assédio sexual. Ele era tão ignorante e inapto, que não fazia ideia da diferença entre ambos. Para ela, era irritante demais lidar com uma pessoa assim, que se achava o tal.
No fim, Caetano não correspondia ao básico de suas atribuições profissionais, ainda se perguntava como ele foi contratado como gerente daquela loja.
- Não vai demorar pra você voltar implorando para ficar, e vai se arrepender dessse seu showzinho carente de atenção, sua gorda idota.
Amélia sentiu vontade de vomitar com aquelas palavras, mas reuniu seu orgulho ferido e pegou sua mochila rapidamente. Nem se importou em se trocar, só queria sair dali o mais rápido possível.
Amélia sentia seus nervos a flor da pele. Com dor, cansada e suada, ela caminhava apressada para encontrar seu carro. A fantasia estava grudada em sua pele. Só conseguiria tirar aquilo com calma em casa.Não queria danificar a roupa, para não ter que pagar por ela depois. Caetano adoraria um motivo para descontar do seu acerto de contas.O estacionamento do outro lado da rua estava calmo. Haviam poucos carros no pátio, encontrou o seu fusquinha vermelho tomate perto da área dos guichês de pagamento, no mesmo lugar que sempre deixava.Ela entrou no seu carrinho se sentindo aliviada. Ao mesmo tempo, a preocupação com o seu futuro, começou a bater forte. E agora? Como pagaria a faculdade sem emprego?Precisava ir embora antes que fechassem o lugar. Deixaria para pensar e gritar consigo mesma, quando estivesse em casa.Deu partida no carro que fez uma manha para pegar, como de costume. Já estava saindo de sua vaga quando viu a luz da tela do celular se iluminar no banco do passageiro. Pe
Aos poucos Amélia foi acordando, estava em um quarto branco e amarelo pálido com uma tv enorme embutida na parede, um vaso de flores do campo de perfume suave; era um hospital particular.Não fazia ideia de como foi parar ali, ela não tinha convênio médico e nem um centavo no bolso para pagar. Se sentou na cama reclinada confortável, o lençol macio escorregou revelando a camisola fina com o logotipo do lugar de alto padrão.Esse é o tipo de hospital que os artistas e gente montado na grana procura quando precisa. Pelo menos a dor praticamente sumiu. Não via sinais de que passou por algum procedimento cirúrgico, felizmente.Amélia suspirou de alívio. Sentindo-se observada, ela se virou nos travesseiros macios; seus olhos se depararam com um homem parado perto da porta fechada.O homem a observava em silêncio. Incrivelmente alto e forte, imponente, o terno preto de alfaiataria cara talhava um porte muito sofisticado e másculo. O físico desenvolvido era invejável; os olhos de tom profun
Ainda com vestido nas mãos ela não conseguia chegar a uma conclusão sobre aquilo. O vestido era perfeito, serviu como uma luva quando ela decidiu usar. Não sabia nada sobre aquele homem, e ele deduziu o seu tamanho com uma só olhada?!Tudo estava confuso demais. O que aconteceu com fantasia de camaleão, e por que ele se deu ao trabanho de comprar uma roupa daquelas para uma desconhecida que ele considerava uma maluca?!No espelho do banheiro ela deu uma ultima olhada em seu reflexo. Seus cabelos estavam embaraçados e molhados, seu rosto estava horrível, com um inchaço enorme no formato de bola na testa; um corte no lábio e um na sobrancelha esquerda; parecia cuspida pelo próprio desespero.Mas a roupa trazia a dignidade que precisava para sair desse quarto. Ela pagaria pelo vestido, obviamente.Saiu do quarto sem olhar para o homem. Quando sentiu uma tensão estranha e só ouviu o silêncio, resolveu apelar para seu orgulho próprio.- O que aconteceu com minha roupa? – ela levanto
O cheiro do homem ao seu lado era uma droga. Uma mistura alucinógena entre o amadeirado sofísticado e o doce excêntrico. Amélia se pegou inspirando fundo, só para reter aquele cheiro delicioso por mais tempo. Suas mãos enormes, com veias saltadas segurando a direção, expunha um anel de obsidiana, e um relógio caríssimo de edição limitada.Lembrava-se que esse modelo era único, alguém da sua antiga vida, tentou adquirir aquele relógio. E quando não conseguiu, foi ela quem arcou com as consequências.Amélia se encolheu. Queria esquecer tudo aquilo, até agora se saiu bem, ela nunca conviveu ou encontrou pessoas como esse homem. Fez um bom trabalho em se esconder e recomeçar como uma outra pessoa.Até aquele acidente, não tinha cruzado com ninguém que pudesse comprometer sua identidade. Sua terapia estava indo muito bem, sua vida era sacrificante, mas a liberdade não tinha preço.Estava tudo bem. Logo chegaria em casa, e ela fecharia essa porta e jogaria a chave fora.O que aconteceu a po
ÍcaroO vestido que mandou trazerem para ela, caiu como uma luva, modelando sua cintura e os seios redondos e volumosos. Sua boca ficava seca de vontade, só de olhar para o contorno daquele decote.A surpresa em reencontrar aquela menina mascarada ainda provocava um frenezi por todo o corpo. Se conter deixou de ser uma opção, depois de tanto tempo, não poderia deixar ela ir sair assim, sem ter certeza que essa mulher gostosa, de olhos desafiadores, era a sua garota daquela noite.O gosto dela era o mesmo. A boca quente de lábios indecentes, a reação pecaminosa de seu corpo ao dela. Sim. Não tinha dúvidas. Era ela, com certeza. A sua garota.O olhar confuso dela inflamava seu sangue, deveria possuír Amélia Bastos no meio da rua? Talvez assim, ela se lembraria de como gemeu inocentemente sob seu corpo, enquanto pedia por mais de seu toque.- Não deveria ter feito isso...A voz dela soou tão baixa, que por um instante julgou ter imaginado suas palavras.Levou a mão ao seu rosto, passand
AméliaA certeza de que fez papel de ridícula era mortificante, mas ela só queria sair da presença daquele homem que a fazia se sentir em brasa viva.Como foi que aquele beijo aconteceu? Tocou os lábios com as pontas dos dedos, ainda sentindo a boca dele ali. Seu sangue pulsava para áreas adormecidas do seu corpo.Deslizou contra a porta. O que havia de errado com ela?! As pernas amoleceram, como se fossem parafina contra o fogo. O batimento acelerado de seu coração deixou a garganta seca, sedenta de algo que não era água.- Eu preciso arrumar um namorado... – murmurou para si mesma.Repassando cada gesto dele, seu jeito forte de pegar e apertar; provar e devorar; certamente ele estava acortumado a ter as mulheres se jogando aos seus pés.Ela não era feita de ferro. Que santa resistia a um homem daquele?Além de gostoso, forte, ele era muito atraente e másculo. E com um beijo desses, poderia fazer qualquer uma perder a sanidade.- Não seja burra Amélia! Pare de pensar nesse homem....
Logo que o dia amanheceu, já estava de pé. Pronta para sair em busca de emprego. Antes de clarear, ouviu o barulho da porta, com certeza Sam voltou para casa cedinho, para não perder o dia de trabalho.Ela sempre foi muito comprometida, mesmo quando ficava doente, não costumava faltar.A caminho da cozinha, passou quarto de Samanta, que estava aberto. Era totalmente diferente do seu, em gosto e pertences. Equanto sua prima era romântica e delicada, o seu gosto era mais sóbrio e sério sem ser impessoal.O seu quarto já era o oposto, era básico apenas com uma cópia de uma pintura de Renoir, era simples e as paredes em amarelo claro conferiam um certo aconchego, os móveis eram rústicos e pequenos e o único detalhe pessoal era uma foto das duas no porta retrato no criado mudo com um abajur simples.Havia várias roupas sobre a cama, sandálias e sapatos muito bonitos e elegantes no chão. Sua prima estava sempre na dúvida do que vestir quando ia sair com aquele novo namorado, era como se ela
Procurar emprego é cansativo e frustrante. Ela rodoy o dia todo procurando uma vaga que cubrisse seus gastos. Mas não encontrou nada que chegasse perto. O único lugar que estava pagando um pouquinho melhor, ficava muito longe da faculdade, e seria impossível chegar lá no horário das aulas.Amélia pegou o cartão do transporte público e guardou na bolsa. Passava das seis e meia da tarde, estava na hora de ir para a lanchonete.Sábado a noite era um dia muito movimentado no estabelecimento. Chegou ao lugar suada, com os cabelos presos em um coque frouxo, e uma mancha na calça jeans. Alguém passou por ela dentro do ônibus e derramou molho de alguma coisa na sua roupa.Cumprimentou algumas pessoas que eram clientes assiduos, e se voltou para os fundos.A cozinha já exalava o cheiro de fritura dos salgados e lanches. Gostava de trabalhar ali, porque não tinha que lidar com o público.O tempo passou rápido. Logo já estava na hora de limpar tudo e encerrar a noite. Levou a última bandeja pa