Na manhã seguinte eu acordei cedo, coloquei uma de minhas melhores roupas, penteei meus cabelos deixando-os mais volumosos e fiz uma maquiagem leve. Iria para faculdade explicar aos meus amigos que eu precisaria abandonar os estudos e depois sairia à procura de um emprego. E eu não estava em condições de escolher muito.
Quando cheguei fui diretamente para sala. Eu estava bem adiantada, então poderia ver todos antes de começar a aula e me despedir. Logo chegou Kim. Abraçamo-nos e ele disse:
- Recuperada da balada?
- Sempre. – eu disse piscando.
- Por que não respondeu minhas mensagens ontem? – ele perguntou.
- Kim, se você soubesse tudo que aconteceu comigo... – falei sem conseguir esconder a tristeza.
- Então começa, querida.
- Nem sei por onde... Quer que eu comece pela parte que vou deixar a faculdade ou pela que vou ter que conseguir um emprego para sustentar a família?
Ele arregalou os olhos grandes e bem marcados com delineador preto.
- Como assim?
- Isso mesmo amigo...
Sentei sobre a mesa e ele fez o mesmo.
- Seu pai de novo?
- Meu pai... Não de novo... Agora é o fim mesmo. Ele perdeu tudo... Muito mais do que tínhamos. Inclusive... A casa.
- Mas... Como é possível?
- Porque é a minha vida, amigo. Nela tudo é possível e você sabe disso.
- Kat, seu pai colocou a casa que vocês moram em cheque?
- Sim... – falei um pouco sem jeito, mas sincera, pois ele era meu amigo da vida toda. Éramos confidentes, inseparáveis, unha e carne.
- Eu... Nem sei o que dizer.
- Não há o que dizer. – falei tristemente.
- Não há nada que você possa fazer para ficar?
- Não... Minha mãe já decidiu que será assim.
- E aposto que Laura Lee não pensa em chamar Kevin para as responsabilidades da casa, não é mesmo?
- Claro que não. E eu nem consigo culpá-lo, pois Kevin é um inconsequente. Seria somente para ele culpar ainda mais nosso pai.
- Mas... Seu pai é o culpado, Kat.
- Kim, você sabe que eu não gosto de culpá-lo. Meu pai é tudo para mim.
- Como Adolfo foi tão inconsequente? Não pensou em vocês?
- Kim, isso é um vício. Ele deve ter pensado em nós, mas foi mais forte que ele.
- Acho que Kevin puxou ao seu pai. E você sabe que adoro seu pai e não gosto nenhum pouco do seu irmão. E Laura, mesmo cobrando você demais por tudo, é uma mulher batalhadora. Tenho pena dela às vezes.
- Eu também. Por isso tento entender o mau humor dela, as mágoas, a vida triste que ela insiste em levar... E nem sempre a culpo pela forma como ela trata meu pai.
Logo chegou Diana. Cumprimentou-nos e sentou. Eu não contei todos os detalhes do que estava acontecendo para ela, mas anunciei que deixaria as aulas e procuraria um trabalho. Diana era discreta, não perguntou muito, mas alertou:
- Você está no terceiro semestre. Dificilmente encontrará um emprego na área da administração. Teria que estar pelo menos no sexto.
- Eu sei...
- Por que não tenta com o reitor?
- Como assim?
- Poderia explicar para ele a situação... Talvez ele se compadeça e lhe dê uma ajuda. Já ouvi histórias dele arranjar emprego dentro da faculdade para alguns alunos que precisavam.
- Eu... Nunca pensei nisto. – falei esperançosa. – Mas vou tentar, hoje mesmo.
Léo chegou em seguida. Já iria começar a aula. Ele me deu um beijo breve nos lábios e disse:
- O que houve? Está tudo bem?
- Eu preciso ir, Léo. Podemos nos falar depois?
- Sim... – disse ele confuso. – Mas se der, Kim e Diana lhe atualizam do ocorrido.
- Nos encontramos no clube secreto? – ele disse piscando.
- No fim da tarde. – confirmei.
O clube secreto era uma sala que encontramos dentro da faculdade onde eram guardados materiais que não usavam, sendo uma espécie de almoxarifado. Descobrimos que ninguém ia até lá então meus amigos e eu criamos uma sociedade secreta que se chamava: “queda à monarquia”. Era um lugar que discutíamos o quanto éramos contra o sistema do nosso país, tendo à frente a Rainha Anne Marie Chevalier, que não se preocupava com as classes baixas. Focava em deixar os ricos cada vez mais ricos e tirava tudo que podia do proletariado. Por sorte meus amigos pensavam como eu.
Léo era meu quase namorado. Eu ainda não tinha aceitado, embora ela tivesse me feito o pedido várias vezes. Eu gostava dele, mas achava que era mais como amigo do que como namorado. Então vez ou outra saíamos juntos e trocávamos alguns beijos calientes. Ele era bonito, inteligente e pertencia à classe C. A família dele tinha boas condições financeiras e muitas propriedades. Ele havia ido para nossa faculdade por opção, podendo estar na de classe B, por exemplo. Ele apoiava as causas sociais e se importava com as pessoas. Se eu não arranjasse alguém por quem me apaixonasse, eu pensava em casar com ele no futuro. Mas antes daria uma chance a mim mesma. Eu nunca havia me apaixonado antes, embora tivesse saído com alguns garotos e aproveitasse bastante a minha vida.
Quando cheguei à sala do reitor, havia algumas pessoas na minha frente esperando para falar com ele. Eu decidi aguardar. Poderia sair e procurar emprego, mas se ele pudesse me ajudar, evitaria minha caminhada de estabelecimento em estabelecimento e a possibilidade de gastar meu salto mais caro.
Depois de uma hora esperando, a secretária mandou que eu entrasse. Ele estava sentado confortavelmente em sua cadeira, pouco interessado no que eu diria:
- Fale, senhorita Lee. – ele disse sem olhar para mim, focado nos papéis a sua frente.
O reitor Justus era um homem novo para o cargo. Não devia ter mais de 30 anos. Era muito estimado por todos e tinha fama de ser contra a monarquia, embora ninguém tivesse certeza absoluta. Eu o admirava pela garra dele em estar ali naquele cargo tão desejado.
- Reitor, eu gostaria de ver a possibilidade de conseguir um emprego dentro da universidade. – falei indo direto ao ponto.
Ele tirou os olhos dos papéis e finalmente me olhou. Ficou um tempo me contemplando, depois disse:
- Direta, não?
- Sim... De que adiantaria rodeios?
- Sabe algo sobre os empregos oferecidos aqui?
- Não. – falei sinceramente. – Mas sei que existem.
- Além do salário fixo mensal, há uma ajuda de custo para as aulas, podendo chegar a um desconto de quase 100% do valor do curso.
Respirei aliviada. Eu realmente não sabia daquilo. Era a oportunidade da minha vida.
- Eu... Fico feliz em saber. Sou uma garota dedicada. Gosto de estudar. Acho que dou conta de trabalhar e estudar e fazer bem as duas coisas. Será que poderia me dar um oportunidade? – falei sorrindo gentilmente.
- Por que quer um trabalho, senhorita Lee? Problemas financeiros?
- Sim. – confessei. – Se não conseguir o trabalho, vou ter que deixar os estudos.
- Hum... – ele disse levantando do lugar dele e sentando sobre a mesa, ficando bem na minha frente.
Fiquei um pouco incomodada e intimada com a presença dele tão próxima a mim. Mas fingi que estava tudo bem.
- A senhorita não deve saber que há certos requisitos para o emprego.
- Não... Mas gostaria de saber.
- Quer mesmo saber? – ele perguntou olhando descaradamente para meu corpo, de cima a baixo.
- Sim... – falei para ver até onde ele iria.
O reitor Justus pegou a mão e colocou sobre a minha perna. Eu não falei nada, continuei olhando-o. Ele foi subindo, virando para dentro da minha coxa. Quando quase chegou ao seu objetivo, eu fechei bruscamente minhas pernas, assustando-o. Ele tirou a mão, confuso.
- Este seria o requisito? – perguntei ironicamente.
- Pode ser... Depende de você.
- Então quer dizer que por merecimento não há emprego.
- Não no seu caso... Não há merecimento.
- Não gostaria de ver minhas notas? Poderia abrir o meu arquivo em segundos.
- Realmente não me interessa isso...
- Ok... Eu já não quero mais o emprego.
Ele riu:
- Imaginei. Pode sair. – ele disse voltando para sua cadeira.
Eu continuei:
- Mas eu quero um documento da universidade, como uma carta de recomendação, que fale sobre minhas excelentes notas e meu bom desempenho, dizendo também que estarão sempre esperando pelo meu retorno.
Ele riu alto, ironicamente:
- Você sonhou? Este tipo de documento não existe.
- Acho que poderia existir para mim, já que realmente sou uma excelente aluna e não quero dormir com o senhor para conseguir um emprego aqui dentro.
- Estou pensando em fazer um documento sim... Dizendo que você é uma péssima aluna.
- Acho que meus colegas do jornalismo adorariam saber o que é necessário aqui para conseguir um emprego.
- Está me ameaçando, senhorita Lee?
- Claro que não, reitor Justus. Só pensei em como seria se todos soubessem como funciona tudo aqui dentro. Confesso que eu fiquei decepcionada...
- Eu também... Você poderia ter o emprego, como eu disse.
- Mas eu não quero dormir com o senhor. – falei ironicamente.
- Pode ir, senhorita Lee. A conversa está encerrada.
- Eu... Ainda preciso do documento.
- Não há documento.
- Bem, então vou ter que divulgar tudo que aconteceu nesta sala nestes poucos minutos que estive aqui.
Ele levantou os olhos e pareceu não dar muita importância:
- Ninguém acreditaria em você.
Eu abri minha bolsa e retirei meu celular e disse:
- Em mim não, mas no áudio que eu gravei com meu celular, sim.
Ele levantou da mesa nervosa, passando a mão pela cabeça.
- Você... Gravou? Por que fez isso?
- Suas histórias já são conhecidas por aí, reitor. – eu menti.
- E... Como vou saber que você não passará adiante.
- Me dê o documento e eu mostro o áudio apagado.
Ele interfonou para a secretária e solicitou um papel conforme eu solicitei. Várias vezes ele teve que repetir, pois realmente era um documento nunca emitido pela universidade. Em alguns minutos a secretária entrou com meu documento em mãos, que ele assinou e me entregou. Peguei meu celular, mostrei para ele a última inscrição escrita “áudio” no meu telefone. Deletei e parti sem olhar para trás. Eu estava tão nervosa que parecia que minhas pernas não suportariam caminhar, de tanto que tremiam. Não havia áudio nenhum. Eu havia mentido... E ele tinha acreditado. Nem sei o que se passou na minha cabeça naquele momento. Mas fiquei orgulhosa de mim mesma. Ele havia me assediado e no fim eu que havia saído vitoriosa. Senti náusea ao pensar nele me tocando. Olhei para o papel e o abracei. Aquilo me abria algumas portas a mais.
Nunca pensei que achar um emprego fosse tão difícil. Eu realmente gastei a sola do meu scarpin mais caro e nem minha boa aparência meu ajudou. O papel que eu havia conseguido na faculdade ajudava a não me dizerem não completamente. Ficavam com meu currículo que era praticamente em branco e prometiam me ligar assim que houvesse uma vaga. Eu não poderia me dar ao luxo de esperar. Eu precisava do emprego urgentemente. No fim da tarde, voltei para a faculdade e fui encontrar meus amigos no nosso lugar secreto. Todos já me esperavam. - E então, alguma novidade? – perguntou Kim. – Conseguiu o emprego? - Claro que não. – falei jogando minha bolsa longe e sentando em uma mesa, completamente esgotada. Tirei meus sapatos e disse:
Ouvi gritos. Não sabia se era sonho ou realidade, pois meus olhos ainda estavam fechados. Logo ouvi as vozes cada vez mais próximas. Uma claridade passeou sobre minhas pálpebras e ouvi o barulho da janela se abrindo:- Acorde, Kat... Acorde.Abri meus olhos e o sol cegou meus olhos. Fechei-os novamente, preguiçosa:- Que houve? Se não ganhamos na loteria, qual motivo desta gritaria toda?- Levante-se daí agora, Katrina Lee. – disse minha mãe seriamente.Ergui meu corpo, me recostando na cabeceira dura e desconfortável.- O que houve?- Encontrei um emprego para você.- Então... Já vou começar? – perguntei ironizando a forma como fui acordada.- Vamos lá, Kat. Se mexa que você tem muito a fazer.Levantei confusa e cambaleante. Leon me olhava atento, junto de minha mãe. Ela trazia nas mãos o Jorn
À noite mandei meu currículo para o castelo de Noriah, candidatando-me à vaga de dama de companhia da rainha Anne Marie Chevalier. Eu não tinha nenhuma expectativa de ser chamada, mas se eu não enviasse minha mãe ficaria muito chateada. No anúncio não dizia o valor do salário, mas dava para imaginar que seria muito mais do que eu poderia ganhar em um ano de trabalho num lugar normal na minha zona. O currículo exigia foto atual, sem qualquer tipo de maquiagem ou ornamento, cabelos soltos e fundo branco. Também deixava bem claro que o processo de escolha seria feito em etapas e que só havia uma vaga. A rainha Anne já tinha uma dama de companhia e agora haveria duas pessoas para este cargo. Ou seja, a antiga ocupante do cargo continuaria a ocupar seu posto.À noite, enquanto estava deitada em meu quarto, tive um pouco de medo de tudo que estava acontecendo com a minha família
No dia seguinte, Léo me chamou para passearmos juntos. Eu já não tinha nenhuma forma de divertimento a não ser sair para procurar emprego. Então não parecia ruim sair com um amigo. Eu me arrumei mais que o normal. Eu sabia que ele gostava de mim e não queria decepcioná-lo com minha aparência cansada dos últimos dias. Não que eu tivesse interesse nele, mas o fato de ter a certeza de que ele se interessava por mim me deixava um pouco mais vaidosa que o normal.Ele me buscou à tarde com seu carro. Minha mãe fazia gosto de meu namoro com Léo, afinal, ele era de uma família de muito mais renome do que a nossa. Na verdade, acho que ela queria que eu me envolvesse com qualquer homem que pudesse proporcionar melhores condições financeiras para nossa família. Não sei se esse era o sonho de todas as mães do Reino de Noriah, mas da minha mãe e
Logo minha mãe ficou sabendo do meu namoro com Léo e de alguma forma isso a deixou feliz. Acho que ele no fundo só queria que eu não tivesse uma vida como a dela. Mal sabia ela que eu não tinha nenhum sentimento por Léo, então se ele fosse meu marido um dia, eu teria uma vida como a dela: triste e sem amor. Eu era uma garota esperta, mas nos assuntos de amor eu era ingênua. Eu sabia que não havia chegado meu príncipe encantado ainda. e eu nem sabia se acreditava nele. Nunca houve um garoto que fizesse meu coração bater mais forte, embora eu tenha tentado me envolver várias vezes. Mas eu era jovem. Tinha 19 anos, em breve faria 20. Eu tinha tantos objetivos para minha vida que nem sabia se existia espaço para um homem. Também tinha medo de me apaixonar por um homem bonito, mas que não era uma boa pessoa, como meu irmão Kevin, por exemplo. Ou até mesmo me casar com uma boa pessoa e com o tempo ele se tornar como meu pai: um homem completamente irresponsável, que só dava trabalho. Eu a
Mas eu o Sofia estávamos erradas. A fila foi andando bem rápido e assim como uma multidão de meninas entrou nos jardins do castelo, outras muitas saíram, tão rápido quanto ingressaram. Algumas saíam sozinhas, outras em duplas, algumas em pequenos grupos. Havia as que saíam em lágrimas e também as que não perdiam a compostura. No fim, eu não sabia se todas ali realmente tinham o mesmo objetivo. Fui me dando conta que as eliminadas estavam maquiadas, mesmo que algumas usando o mínimo dos mínimos. Por sorte eu deixei meu corretivo onde estava. Melhor passar pelo menos na primeira fase. Conforme a fila andava, eu conversava com as outras garotas e embora nenhuma que saísse confirmasse, todas achávamos que roupas muito curtas ou justas, bem como maquiagens e tintura iram eliminando uma a uma. Logo estávamos próximas do portão e embora fosse rápido, j
Passar a noite no castelo de Noriah não estava nos meus planos. Muito menos conhecer os dois príncipes no mesmo dia e ser chamada de anti monarquista. Dereck era mais ou menos como eu imaginava: um homem com cara de garoto, que falava o que vinha à sua cabeça. Mas o fato de eles se preocuparem comigo de alguma forma me deixou muito impressionada. Eu era somente uma garota comum da zona E atrás de um emprego no castelo. Pensando bem não era um emprego qualquer; eu estaria lado a lado com a rainha Anne, a mãe deles. Então de certa forma era um cargo importante dentro do castelo. Agora, ser socorrida por Magnus, realmente não estava nos meus planos. Ele era um homem bem discreto, pouco aparecia sua imagem nos veículos de comunicação. Geralmente ele estava mais nas aparições na televisão, ao vivo. Como eu não assistia muito, acabava não sabendo muito sobre ele ou sua ap
Eu fechei o vidro e fiquei ali, sem saber se deitava, saía dali ou...Ouvi um barulho na porta e logo chegou um homem e uma mulher vestidos de branco.- Bom dia, senhorita Lee, sou o doutor Lewis.- Bom dia. – eu disse sentando na cama.Os dois vieram até mim. Ele examinou meus batimentos, verificou a pressão, olhou alguns papéis que tinha sobre a mesa ao lado da minha cama e disse:- A senhorita já está bem.- Sim... Estou. – confirmei.- Faz algum tipo de tratamento para hipoglicemia?- Não... Só acompanhamento normal.- Ficou quanto tempo sem comer?- Mais de 10 horas.- Até que suportou muito tempo... Seus exames estão bons.- Estou liberada? – perguntei olhando no relógio, que já se aproximava das 7 horas.- Sim. Acompanhei a senhorita ontem e vejo que hoje está muito bem.-