À noite mandei meu currículo para o castelo de Noriah, candidatando-me à vaga de dama de companhia da rainha Anne Marie Chevalier. Eu não tinha nenhuma expectativa de ser chamada, mas se eu não enviasse minha mãe ficaria muito chateada. No anúncio não dizia o valor do salário, mas dava para imaginar que seria muito mais do que eu poderia ganhar em um ano de trabalho num lugar normal na minha zona. O currículo exigia foto atual, sem qualquer tipo de maquiagem ou ornamento, cabelos soltos e fundo branco. Também deixava bem claro que o processo de escolha seria feito em etapas e que só havia uma vaga. A rainha Anne já tinha uma dama de companhia e agora haveria duas pessoas para este cargo. Ou seja, a antiga ocupante do cargo continuaria a ocupar seu posto.
À noite, enquanto estava deitada em meu quarto, tive um pouco de medo de tudo que estava acontecendo com a minha família. Eu sempre tentava mostrar a todos que eu era forte, mas no fundo eu não sei se realmente era. Doía-me ver meu irmão passando necessidade, sentir o quanto minha mãe estava cansada, meu irmão desaparecido por qualquer lugar do reino e meu pai podendo piorar a qualquer momento e talvez vir a morrer. Eu deixei escapar uma lágrima, tímida, quente, pequena. Limpei rapidamente. Não queria que ninguém pudesse ver o quanto eu estava preocupada e triste. E assim eu adormeci.
Acordei com o despertador na manhã seguinte. Eu precisava usar minha melhor roupa e andar de lugar em lugar procurando um emprego. Precisávamos de dinheiro para pagar as despesas da casa. Perguntei para minha mãe:
- Mãe, como ficou a questão da nossa casa? Você havia falado que papai a perdeu também...
- Sim. Seu pai terá que pagar aluguel para continuarmos morando aqui.
- Como assim?
- Kat, é isso mesmo, exatamente como você ouviu. Seu pai perdeu a casa para o senhor Simons. Eles se conhecem há vários anos. Por piedade, ele não nos jogou na rua. Mas vai nos alugar nossa própria casa.
- Não... Há nada que possamos fazer? Isso é legal?
Ela riu amargamente:
- Seu pai assinou um documento em que passava tudo para ele.
Era inacreditável. Sem nada de dinheiro, ainda teríamos que pagar para morar na nossa casa. E de onde arranjar dinheiro? Tínhamos tantas dívidas que nem sei como sairíamos daquilo. Se não tivéssemos dinheiro para pagar o aluguel, onde moraríamos? Talvez nosso fim fosse na zona K, sem morada, sem dinheiro, sem comida, vivendo como mendigos. Eu precisava fazer algo.
- Você viu Kevin? – perguntei.
- Não.
- Mãe, ele poderia nos ajudar... É dever dele.
- Eu não quero o dinheiro sujo de Kevin.
- Mas... Já aceitamos o dinheiro sujo de papai... Quando ele ganhou no jogo algumas vezes.
- Não é a mesma coisa.
- Não? – eu perguntei ironicamente.
Ela me fuzilou com o olhar e eu não continuei. Meu pai era viciado em jogos eu não sei exatamente há quanto tempo... Mas não me lembro dele fazendo outra coisa. Ele já teve um trabalho, mas nunca falava a respeito. A única coisa que eu sabia é que a cicatriz no rosto e a perna que ele não tinha tanto movimento eram causa de acidente de trabalho. Mas tudo que acontecera era um segredo guardado há sete chaves. Tínhamos uma casa antiga, mas grande e boa, comparando com as outras da vizinhança. E se não fosse meu pai jogar dinheiro fora com jogos de azar, acho que poderíamos viver bem, pois ele ganhava um bom valor de pensão pela invalidez. Minha mãe disse que Adolfo Lee já foi viciado em álcool no passado, mas que havia conseguido superar. No entanto o jogo ele não superou... Não até jogar a última coisa que lhe restava: a casa onde morava.
Um carro buzinou em frente à nossa casa e eu e Leon fomos ver na janela. Um homem com farda do castelo desceu. Antes que desse tempo de minha mãe perguntar o que procuravam, meu pai saiu do quarto, todo arrumado. Eu não o via assim há anos. Cheiroso, de banho tomado e barba feita. Ele piscou para nós e entrou no carro com placa do castelo de Noriah Sul, sem nos dar satisfações. Nós três nos olhamos, sem entender nada.
- Mãe, você viu o que eu vi?
- Claro que vi, Kat.
- Onde... Ele foi?
- Eu... Não sei.
- Como não sabe?
- Não sei... Mas imagino.
- Ele pode ter ido... Ao castelo?
- Sim...
- Mas... Quem o deixaria entrar? Por que um carro da realeza veio buscar meu pai? – eu estava curiosa e confusa.
- Kat, você já está arrumada. É melhor ir.
- Mãe... O que está acontecendo? Eu preciso saber.
- Vá procurar o emprego. Estamos precisando.
- Papai vai ver a rainha? – perguntou Leon com o olhar divertido e curioso.
- Acho que sim, Leon. – eu falei alisando os cabelos dele.
- E você vai sair, Kat?
- Vou procurar um emprego. – expliquei.
- Kat não será a dama de companhia da rainha?
- Acho que não, querido.
- Mas mamãe disse que sim.
Olhei para minha mãe. Eu não queria que ela ficasse colocando aquilo na cabeça do menino. Dei um beijo nele, peguei minha bolsa e saí.
Estava um lindo dia de sol. Eu poderia ficar andando pelas ruas o dia inteiro aproveitando o dia. Mas eu não podia. Então imprimi mais alguns currículos e larguei em todos os lugares, desde lojas até bares noturnos. Eu ri... Seria divertido ser uma garçonete de um bar. Será que teria bebidas de graça?
Meu telefone tocou. Era Kim.
- Oi...
- Reunião hoje à noite? Grupo secreto.
- Sim... Estarei lá. Que horário?
- Às 19 horas.
- Kim, eu tenho uma coisa para lhe contar.
- Fala, minha linda.
- Um carro do castelo foi buscar meu pai hoje. Em casa.
- Como assim? Você está bem?
- Estou falando sério.
- Mas... O que a família Lee tem a ver com os Chevalier?
- Lembra que eu falei que ele disse que tinha uma carta na manga?
- Sim... E nós rimos disso, porque era improvável.
- Acho que não é tão improvável.
- Querida, eu estou no meio da aula. Vou ter que desligar antes que eu seja expulso. – ele deu um gritinho. – Nos vemos à noite.
Eu segui ouvindo o som silencioso do meu sapato na rua. Andei até cansar e voltei para casa. Havia entregado todos os currículos impressos e ainda assim meu telefone não tocou nenhuma vez.
Cheguei em casa e fui deitar novamente. Eu não tinha muita vontade de levantar da cama. Estava cansada e com poucas esperanças. Perguntava-me o tempo todo o que seria da minha família. Já passava das 17 horas quando meu pai retornou, trazido pelo mesmo carro com brasão real. Eu queria fazer mil perguntas, mas fiquei onde estava. Segredos eram guardados por meus pais dentro daquela casa e eu sabia que não me falariam. Será que algum dia eu descobriria?
Próximo do horário combinado eu saí para a faculdade para nosso encontro secreto contra a monarquia. Quando cheguei à sala mal iluminada meus amigos já me esperavam. Abracei todos e dei notícias sobre minhas andanças sem sucesso à procura de um emprego.
- Eu poderia falar com meu pai. – falou Léo.
- Léo... Obrigada. Você é um amor... Mas não quero que seja assim. Eu não quero dever favores a ninguém, entende?
- Mas... Somos amigos. Você não me deveria um favor.
- Ela também negou minha proposta de emprego, Léo. Então não se sinta ofendido. – falou Kim para me ajudar.
Era diferente a proposta de emprego de Kim e a de Léo. Eu sabia que Léo era apaixonado por mim, então aceitar um emprego vindo dele seria como uma sentença de namoro. Como eu poderia negar o pedido dele se aceitasse o emprego? Então eu preferia usar aquilo só se fosse extremamente necessário. Ainda tínhamos o que comer, embora não em abundância. Minha mãe estava certa em racionar o que tínhamos para que durasse mais. Ela era experiente nisso... Não era a primeira vez que passávamos por uma situação como aquela. Mas a meu ver, era a pior.
- Eu... Consegui contato com outro grupo. – disse Diana de repente.
- Como assim outro grupo? – perguntou Kim.
- Um grupo muito maior. Acho que está na hora de adentrarmos num grupo contra a monarquia de verdade. – observou ela.
- Mas isso é perigoso. – falou Kim. – Como vamos saber se eles são de confiança? Você os conhece bem?
- Não... Conheço uma pessoa bem.
- Então é perigoso. – alertou Kim.
- Kim, Diana tem razão. Há quanto tempo estamos nós quatro discutindo isso e não indo adiante? Está na hora de entramos num grupo de verdade... Que realmente faça as coisas acontecerem. – eu falei.
- Concordo com elas. – disse Léo. – Pela queda da monarquia.
Unimos nossas mãos em sinal de concordância. Migraríamos para um grupo maior. Estava na hora.
No dia seguinte, Léo me chamou para passearmos juntos. Eu já não tinha nenhuma forma de divertimento a não ser sair para procurar emprego. Então não parecia ruim sair com um amigo. Eu me arrumei mais que o normal. Eu sabia que ele gostava de mim e não queria decepcioná-lo com minha aparência cansada dos últimos dias. Não que eu tivesse interesse nele, mas o fato de ter a certeza de que ele se interessava por mim me deixava um pouco mais vaidosa que o normal.Ele me buscou à tarde com seu carro. Minha mãe fazia gosto de meu namoro com Léo, afinal, ele era de uma família de muito mais renome do que a nossa. Na verdade, acho que ela queria que eu me envolvesse com qualquer homem que pudesse proporcionar melhores condições financeiras para nossa família. Não sei se esse era o sonho de todas as mães do Reino de Noriah, mas da minha mãe e
Logo minha mãe ficou sabendo do meu namoro com Léo e de alguma forma isso a deixou feliz. Acho que ele no fundo só queria que eu não tivesse uma vida como a dela. Mal sabia ela que eu não tinha nenhum sentimento por Léo, então se ele fosse meu marido um dia, eu teria uma vida como a dela: triste e sem amor. Eu era uma garota esperta, mas nos assuntos de amor eu era ingênua. Eu sabia que não havia chegado meu príncipe encantado ainda. e eu nem sabia se acreditava nele. Nunca houve um garoto que fizesse meu coração bater mais forte, embora eu tenha tentado me envolver várias vezes. Mas eu era jovem. Tinha 19 anos, em breve faria 20. Eu tinha tantos objetivos para minha vida que nem sabia se existia espaço para um homem. Também tinha medo de me apaixonar por um homem bonito, mas que não era uma boa pessoa, como meu irmão Kevin, por exemplo. Ou até mesmo me casar com uma boa pessoa e com o tempo ele se tornar como meu pai: um homem completamente irresponsável, que só dava trabalho. Eu a
Mas eu o Sofia estávamos erradas. A fila foi andando bem rápido e assim como uma multidão de meninas entrou nos jardins do castelo, outras muitas saíram, tão rápido quanto ingressaram. Algumas saíam sozinhas, outras em duplas, algumas em pequenos grupos. Havia as que saíam em lágrimas e também as que não perdiam a compostura. No fim, eu não sabia se todas ali realmente tinham o mesmo objetivo. Fui me dando conta que as eliminadas estavam maquiadas, mesmo que algumas usando o mínimo dos mínimos. Por sorte eu deixei meu corretivo onde estava. Melhor passar pelo menos na primeira fase. Conforme a fila andava, eu conversava com as outras garotas e embora nenhuma que saísse confirmasse, todas achávamos que roupas muito curtas ou justas, bem como maquiagens e tintura iram eliminando uma a uma. Logo estávamos próximas do portão e embora fosse rápido, j
Passar a noite no castelo de Noriah não estava nos meus planos. Muito menos conhecer os dois príncipes no mesmo dia e ser chamada de anti monarquista. Dereck era mais ou menos como eu imaginava: um homem com cara de garoto, que falava o que vinha à sua cabeça. Mas o fato de eles se preocuparem comigo de alguma forma me deixou muito impressionada. Eu era somente uma garota comum da zona E atrás de um emprego no castelo. Pensando bem não era um emprego qualquer; eu estaria lado a lado com a rainha Anne, a mãe deles. Então de certa forma era um cargo importante dentro do castelo. Agora, ser socorrida por Magnus, realmente não estava nos meus planos. Ele era um homem bem discreto, pouco aparecia sua imagem nos veículos de comunicação. Geralmente ele estava mais nas aparições na televisão, ao vivo. Como eu não assistia muito, acabava não sabendo muito sobre ele ou sua ap
Eu fechei o vidro e fiquei ali, sem saber se deitava, saía dali ou...Ouvi um barulho na porta e logo chegou um homem e uma mulher vestidos de branco.- Bom dia, senhorita Lee, sou o doutor Lewis.- Bom dia. – eu disse sentando na cama.Os dois vieram até mim. Ele examinou meus batimentos, verificou a pressão, olhou alguns papéis que tinha sobre a mesa ao lado da minha cama e disse:- A senhorita já está bem.- Sim... Estou. – confirmei.- Faz algum tipo de tratamento para hipoglicemia?- Não... Só acompanhamento normal.- Ficou quanto tempo sem comer?- Mais de 10 horas.- Até que suportou muito tempo... Seus exames estão bons.- Estou liberada? – perguntei olhando no relógio, que já se aproximava das 7 horas.- Sim. Acompanhei a senhorita ontem e vejo que hoje está muito bem.-
Eu fiquei ali, sem saber o que fazer, afinal, ele era o príncipe. Eu poderia fugir do príncipe? Provavelmente ele já sabia até onde eu morava. Estava tão confusa com tudo que estava acontecendo. Não entendia nada... Estava com um pouco de medo. Parecia história de filme. Se eu contasse a Kim, ele não acreditaria que eu caí nos braços de Magnus e estava conversando com Dereck como se ele fosse uma pessoa normal. Kim... Eu precisava falar com ele. Onde estava a minha bolsa? Meu telefone? Eu havia perdido quando desmaiei? Saí de dentro da porta e fiquei para o lado de fora, observando as outras garotas que iam saindo de pouco em pouco. Teriam elas achado a prova difícil ou fácil? Eu estaria na próxima fase por meus méritos ou por meu pai? Ou agora seria por Dereck? O que aquele homem queria de mim? Vi Sofia saindo de uma das salas e fui até ela.- Como você foi?
Dereck fez questão que eu fosse embora no carro dele com motorista. Eu recusei somente uma vez e na segunda insistência dele aceitei. Eu estava cansada, havia passado a noite na enfermaria do castelo e feito uma prova de conhecimentos gerais com várias folhas para leitura usando óculos fake. Além disso, aquele príncipe estava me chantageando. Tudo parecia meio surreal nos últimos dias. Peguei meu celular, que por sorte ainda tinha um pouco de bateria. Havia 22 ligações não atendidas de Kim. Mais 10 da minha mãe e 2 de Kevin. Olhei para o motorista que dirigia atentamente. Ele poderia ser um espião de Dereck, então eu não ligaria para ninguém até chegar em casa e estar segura. A viagem de carro até a Zona E foi rápida e em pouco tempo eu estava descendo na frente da minha casa. Chegar ali me deu certo alívio. A vida no castelo poderia ser ainda pior do q
Enquanto eu e Kim íamos para a sala secreta da faculdade, meu telefone tocou. Atendi:- Senhorita Katrina Lee?- Sim, sou eu.- Esperamos você às 8 horas no castelo.- Eu passei para a próxima fase? – falei não me contendo de alegria.- Sim.- E... Qual foi minha nota? Quer dizer, você pode me responder isso?- A senhorita acertou todas as questões.Eu não pude me conter e dei um grito no meio da rua. Tentei me conter e disse:- Obrigada.Desliguei o telefone e olhei para Kim:- Kim, eu acertei todas as questões da prova.Ele me abraçou:- Eu não esperava menos de você, Kat. Você será a dama de companhia da rainha. Eu tenho certeza disto.Eu estava feliz pela primeira vez. Acho que porque realmente foi mérito meu. Não foi ajuda do meu pai, nem de Dereck. Eu era inteligente e