Passar a noite no castelo de Noriah não estava nos meus planos. Muito menos conhecer os dois príncipes no mesmo dia e ser chamada de anti monarquista. Dereck era mais ou menos como eu imaginava: um homem com cara de garoto, que falava o que vinha à sua cabeça. Mas o fato de eles se preocuparem comigo de alguma forma me deixou muito impressionada. Eu era somente uma garota comum da zona E atrás de um emprego no castelo. Pensando bem não era um emprego qualquer; eu estaria lado a lado com a rainha Anne, a mãe deles. Então de certa forma era um cargo importante dentro do castelo. Agora, ser socorrida por Magnus, realmente não estava nos meus planos. Ele era um homem bem discreto, pouco aparecia sua imagem nos veículos de comunicação. Geralmente ele estava mais nas aparições na televisão, ao vivo. Como eu não assistia muito, acabava não sabendo muito sobre ele ou sua aparência. Eu sabia que ele era bonito... No entanto não sabia que ele podia ser mais do que bonito. Eu lembrava que última coisa que pensei quando caí nos braços dele era que estava sendo levado para o céu por um anjo. Ri sozinha. Eu estava mesmo pensando no príncipe Magnus depois de tudo de surreal que aconteceu comigo naquele dia? Quanta vergonha eu sentia: na enfermaria do castelo, por falta de comida. Poderia ser pior? Sim, cair nos braços do príncipe. O lado bom é que eles se importaram comigo. E eu nem sabia ao certo o motivo. Talvez só o fato de uma garota bonita ter caído dos braços de um deles. Eu sabia que não servia para uma mulher feia, embora achando que a falta de maquiagem não me favorecia em nada. Eu não era uma maquiadora profissional, mas Kim havia me ensinado muitos truques que me deixavam disfarçar meus pontos fracos e destacar os fortes. Então eu torcia para que, mesmo sem maquiagem, eu tivesse causado uma boa impressão. Mas por que eu queria causar uma boa impressão? Teriam os príncipes possibilidade de me auxiliar de alguma forma a conseguir o emprego no castelo? Mas eles fariam isso por algum motivo? Eu nem sabia por que eu estava pensando em mil coisas ao mesmo tempo.
Louise chegou novamente, trazendo uma bandeja com leite, chá, biscoitos doces e salgados e uma linda maçã. Eu estava com tanta fome que nem falei nada. Aceitei tudo que me foi oferecido e comi saboreando cada alimento. No fim, enquanto ela me observava o tempo todo, entreguei a bandeja vazia e disse:
- Obrigada pelo banquete, Louise.
Ela riu:
- Aposto que quem fez esta simples bandeja ficará bem feliz em recebê-la vazia. Ninguém aqui costuma comer tanto.
- Deve ser porque tem em abundância, o que não é o meu caso. – falei sincera.
Ela simplesmente sorriu, discretamente.
- Além da hipoglicemia, eu estava com muita fome. Acho que as outras meninas também estavam com fome. – observei.
- Imagino... – disse ela. – Mas ouvi dizer que o príncipe vai providenciar uma nota se desculpando pelo acontecido.
- De qual Vossa Alteza você fala? – perguntei confusa.
- Vossa Alteza, príncipe Magnus. – ela disse rindo.
- Por que você acha que o príncipe Dereck veio até aqui? Acha que eles se sentiram tão culpados assim pelo tempo que tivemos que esperar?
- Talvez... – ela disse.
- Não tenha medo de falar, Louise. Eu não vou contar pra ninguém. Sou uma simples garota da zona E em busca de emprego. Na verdade, quase fora da vaga eu acho. – falei tristemente.
- Aqui as paredes tem ouvidos. – ela disse.
- Mas que mal há em falarmos sobre isso? – perguntei confusa.
Ela sorriu:
- Acho melhor você deitar novamente e descansar. – ela disse. – Quer assistir televisão?
- Eu aceito. –falei.
Ela abriu a cortina branca e vi a enorme TV na parede. Enquanto ela ligava em volume baixo, eu continuei:
- Louise, você trabalha aqui há muito tempo?
- Alguns bons anos.
- Gosta?
- Sim...
- Ganha bem?
Ela me olhou, arqueando as sobrancelhas.
- Desculpa a pergunta... – eu expliquei. – Só perguntei por que estou concorrendo a um emprego aqui no castelo. E sei que a remuneração deve ser bem boa, tamanha fila de meninas que havia interessadas na vaga. Mas não sei exatamente de quanto estou falando.
- De muito mais do que você pode imaginar. – ela disse olhando atentamente para ter certeza de que ninguém nos ouvia.
Não entendia o medo dela. Só havia nós duas ali. Senti meu coração palpitar quando ela falou que era muito dinheiro. Talvez eu estivesse fazendo pouco caso do cargo. Eu precisava muito daquele dinheiro, mesmo que fosse pouco. O fato de saber que poderia ser muito mais do que eu imaginava me deixou mais atenta.
- É bom trabalhar aqui?
- Na enfermaria sim.
- Isso que dizer que dependendo o lugar pode não ser?
- Exato.
Parece que Louise falava em códigos. Mas eu entendia o que ela tentava me dizer. O cargo que eu concorria talvez não fosse dos melhores.
- A rainha é como eu vejo na TV?
- Sim. – ela disse olhando para trás. – Agora acho melhor você descansar, Katrina.
- E os príncipes?
Ela riu:
- Os príncipes de Noriah são verdadeiros príncipes, Katrina.
Eu ri também:
- Desta vez você não me ajudou muito.
- Você teve sorte de conhecê-los, querida. Não é qualquer garota que tem esta oportunidade.
- Eu imagino.
- Mas eles são assim mesmo: preocupados, amáveis...
Eu suspirei:
- Lindos.
Ela riu novamente:
- Também.
- Mais bonitos ao vivo que na televisão.
- Katrina Lee, hora de descansar. Eu preciso ir.
- Tem mais alguém doente?
- Eu preciso levar o remédio do Rei Alfred.
- O rei ainda está doente?
- Sim. Preciso ir agora.
- Louise, obrigada por tudo.
- É minha função, senhorita. – ela foi saindo e piscou para mim sorrindo, dizendo: - Mas foi um prazer atendê-la junto dos príncipes.
Fiquei ali, olhando as imagens na televisão do castelo. Só havia notícias da família real. Acho que era um documentário. Olhei atentamente tudo, pois vi que eu era uma anti monarquista que detestava a rainha e o modo como ela conduzia o país, mas sabia muito pouco sobre o rei e os príncipes. Acho que era hora de me inteirar um pouco mais sobre a verdadeira história de Noriah, bem como o que meu pai tinha a ver com o rei Alfred. Óbvio que um documentário sobre a família Chevalier dentro do castelo era extremamente a favor deles, só trazendo as coisas boas que fizeram por Noriah e tratando todo e qualquer ato de rebeldia como agressivo, ofensivo e ruim ao reino.
Quando acabou o documentário, iniciou novamente. Eu assisti duas vezes, até que meus olhos começaram a pesar e eu adormeci.
Ouvi um som e abri meus olhos. Eu estava deitada, coberta. A sala estava com uma iluminação fraca e com uma boa temperatura. Não havia ninguém ali, mas eu senti um cheiro no ar, como se uma pessoa tivesse acabado de sair. Levantei calmamente e coloquei minhas pernas para fora da cama. Eu não sentia tontura e me sentia normal. Fui até a sala ao lado e Louise não estava mais ali. Havia um enorme relógio que marcava 6 horas. A porta estava fechada, mas havia um pequeno vidro nela. Fui até lá, mas só havia um corredor. Sair dali não parecia uma boa ideia. Voltei para o quarto e fui até a janela que estava fechada por uma cortina. Abri-a por inteiro, olhando o sol da primavera nascer brilhante no céu. A janela era enorme e dava para o centro do castelo, onde havia um enorme gramado bem cortado. Eu mal conseguia enxergar o outro lado, tamanha amplitude do espaço central. Observei um homem correndo. Quem acordaria àquela hora da manhã para correr num castelo? Se eu morasse num castelo dormiria o dia inteiro eu acho. A não ser que eu fosse... Um membro da família real. Ele corria em torno do espaço centralizado, onde havia uma espécie de pista para aquele fim. Não era Dereck, pois ele não era tão alto. Poderia ser... Ele passou em frente à minha janela e meu coração disparou. Recostei-me na parede branca, pelo lado de dentro. Eu não queria ser tiete de príncipe, como todas as garotas. Eu sempre detestei aquilo e fui contra. Eu tinha até certo preconceito pela família real. Ouvi uma batida na janela e pulei assustada. Olhei e fiquei paralisada. Era o homem que havia me salvado no dia anterior, ou seja...
- Bom dia. – ele disse do lado de fora, usando um casaco grudado ao corpo de tanto suor.
- Bom dia... – eu disse com voz fraca. Nem tenho certeza se eu havia falado ou se era impressão minha.
- Como você se sente?
- Bem e você?
Ele riu, mostrando os dentes brancos perfeitos:
- Eu vou bem, eu acho.
Que pergunta idiota. Eu já sabia que ele era o príncipe Magnus, então não adiantava fingir que não era ele.
- Obrigada por ter me ajudado ontem.
- Fiquei preocupado...
- Acontece de vez em quando. – falei.
Fiquei arrependida de falar aquilo. Ele poderia pensar que eu era doente e não querer que eu ficasse com o emprego. Então resolvi emendar:
- De vez em quando se não me alimento corretamente.
- Entendo. – ele disse. – Eu li que é uma doença séria.
- Não é uma doença séria. – contestei.
- Mas eu li...
Abri o vidro da janela, para poder ouvi-lo melhor.
- Você leu... Eu vivo há anos com isso. Falta de açúcar no sangue, só isso. Eu faço tudo normalmente...
- Caiu sobre mim...
- Porque vocês me deixaram quase 10 horas sem comer. – expliquei deixando transparecer minha indignação.
- Isso foi uma grande falha.
- Bem, já aconteceu. Eu também poderia ter trazido algo na bolsa para comer... – eu não queria causar uma má impressão. Eu ainda precisava do emprego.
- Hoje faremos um pedido de desculpa público. Não imaginávamos que aconteceria daquela forma. Sinceramente, não estávamos preparados para tudo aquilo de meninas.
- Acho que todo o reino estava aqui.
- Um dia de inscrição... Só um dia. – observou ele.
- Eu... Preciso estar às 8 horas na próxima fase. Será que você poderia falar com alguém para me liberar? – tentei.
Ele riu:
- Acha que chegaria a tempo se fosse em casa?
- Não. – admiti.
- Descanse, relaxe e curta os privilégios, Katrina Lee. – ele disse. – Tenha um bom dia. E boa sorte na próxima fase.
- Obrigada, vossa realeza. – ou seria alteza, pensei confusa.
Eu fechei o vidro e fiquei ali, sem saber se deitava, saía dali ou...Ouvi um barulho na porta e logo chegou um homem e uma mulher vestidos de branco.- Bom dia, senhorita Lee, sou o doutor Lewis.- Bom dia. – eu disse sentando na cama.Os dois vieram até mim. Ele examinou meus batimentos, verificou a pressão, olhou alguns papéis que tinha sobre a mesa ao lado da minha cama e disse:- A senhorita já está bem.- Sim... Estou. – confirmei.- Faz algum tipo de tratamento para hipoglicemia?- Não... Só acompanhamento normal.- Ficou quanto tempo sem comer?- Mais de 10 horas.- Até que suportou muito tempo... Seus exames estão bons.- Estou liberada? – perguntei olhando no relógio, que já se aproximava das 7 horas.- Sim. Acompanhei a senhorita ontem e vejo que hoje está muito bem.-
Eu fiquei ali, sem saber o que fazer, afinal, ele era o príncipe. Eu poderia fugir do príncipe? Provavelmente ele já sabia até onde eu morava. Estava tão confusa com tudo que estava acontecendo. Não entendia nada... Estava com um pouco de medo. Parecia história de filme. Se eu contasse a Kim, ele não acreditaria que eu caí nos braços de Magnus e estava conversando com Dereck como se ele fosse uma pessoa normal. Kim... Eu precisava falar com ele. Onde estava a minha bolsa? Meu telefone? Eu havia perdido quando desmaiei? Saí de dentro da porta e fiquei para o lado de fora, observando as outras garotas que iam saindo de pouco em pouco. Teriam elas achado a prova difícil ou fácil? Eu estaria na próxima fase por meus méritos ou por meu pai? Ou agora seria por Dereck? O que aquele homem queria de mim? Vi Sofia saindo de uma das salas e fui até ela.- Como você foi?
Dereck fez questão que eu fosse embora no carro dele com motorista. Eu recusei somente uma vez e na segunda insistência dele aceitei. Eu estava cansada, havia passado a noite na enfermaria do castelo e feito uma prova de conhecimentos gerais com várias folhas para leitura usando óculos fake. Além disso, aquele príncipe estava me chantageando. Tudo parecia meio surreal nos últimos dias. Peguei meu celular, que por sorte ainda tinha um pouco de bateria. Havia 22 ligações não atendidas de Kim. Mais 10 da minha mãe e 2 de Kevin. Olhei para o motorista que dirigia atentamente. Ele poderia ser um espião de Dereck, então eu não ligaria para ninguém até chegar em casa e estar segura. A viagem de carro até a Zona E foi rápida e em pouco tempo eu estava descendo na frente da minha casa. Chegar ali me deu certo alívio. A vida no castelo poderia ser ainda pior do q
Enquanto eu e Kim íamos para a sala secreta da faculdade, meu telefone tocou. Atendi:- Senhorita Katrina Lee?- Sim, sou eu.- Esperamos você às 8 horas no castelo.- Eu passei para a próxima fase? – falei não me contendo de alegria.- Sim.- E... Qual foi minha nota? Quer dizer, você pode me responder isso?- A senhorita acertou todas as questões.Eu não pude me conter e dei um grito no meio da rua. Tentei me conter e disse:- Obrigada.Desliguei o telefone e olhei para Kim:- Kim, eu acertei todas as questões da prova.Ele me abraçou:- Eu não esperava menos de você, Kat. Você será a dama de companhia da rainha. Eu tenho certeza disto.Eu estava feliz pela primeira vez. Acho que porque realmente foi mérito meu. Não foi ajuda do meu pai, nem de Dereck. Eu era inteligente e
Quando a relógio despertou eu fui para o banho mecanicamente. Levantar cedo não era meu forte. Não iria repetir a roupa que ganhei de Dereck, então enquanto deixava a água molhar meus cabelos, pensava no que vestir naquele estilo. De repente a água ficou gelada e eu gritei. Mexi no chuveiro para troca de temperatura, mas não teve jeito: estava queimado. Aquilo era só o início do meu dia. Saí enrolada pela casa tremendo de frio. Encontrei uma saia bem usada e uma blusa branca que acompanhei com um blazer da mesma cor. O sapato iria repetir o que ganhei do príncipe, pois eram extremamente confortáveis. De onde ele havia tirado aquelas coisas? Eram novas... Nunca usadas. Tinham etiqueta e tudo mais. Eu não tinha muito tempo para pensar naquilo. Peguei os óculos fake e botei no meu rosto, saindo com os cabelos úmidos, pois não tive tempo para secar. Quando saí o carro e
Para meu azar, quase tudo que foi servido no almoço do castelo continha carne dos mais diversos animais. Enquanto as demais comiam tudo maravilhadas, eu só sentia uma tristeza infinita ao perceber quantos animais haviam sido mortos para alimentar aquelas pessoas.Ao final do almoço, enquanto todas estavam satisfeitas, eu havia provado poucos pratos. Como dizia minha mãe: “pobre não pode ser vegetariana”. Ainda assim eu insistia. Saí da mesa com fome.À tarde fomos divididas em pequenos grupos para conhecer o castelo, monitoradas por mulheres diferentes. Eu ouvia conversas e risinhos das meninas entretidas com os guardas, que nem se mexiam. Para mim eles tinham todos a mesma cara. Não imaginava alguém tirando um sorriso daqueles rostos sérios. Eu fiquei no grupo de Sofia, por sorte.Fomos andando pelos corredores do primeiro andar, conhecendo lugares históricos.- Ser&
No final da tarde peguei o resultado dos meus exames e pude voltar para casa. Na dúvida sobre ir ou não com o motorista de Dereck, fui até o ponto de ônibus. Eu não podia depender nem do carro nem do motorista dele. Eu era só Katrina Lee, por mais ambições que eu tivesse na minha vida.Quando cheguei, tomei um banho gelado, pois o chuveiro ainda não estava consertado. Nem sei quando aquilo aconteceria. Quem o faria? Troquei-me e pesquisei no celular como trocar resistência de chuveiro. Não parecia tão difícil. Fui lá e arrumei. Quando abri o registro, estava esquentando novamente.Pensei em Kim e lembrei definitivamente que eu não era uma princesa. Precisava lembrar que dentro do castelo, eu só era uma empregada. Talvez não tivesse que trocar resistência de chuveiros, mas seria difícil da mesma maneira. A proximidade com Dereck de alguma for
- Por que você não quer que Magnus case com Vitória Grimaldo? – perguntei curiosa.- Porque Vitória pode ser mais cruel que minha mãe.Fiquei preocupada com o que ele disse. O dia que a rainha Anne deixasse o trono para Magnus, ele poderia ser influenciado fortemente por sua esposa, que poderia ser pior que sua mãe.- Eu não entendo porque você diz tudo isso para nós. Você nem nos conhece. – falei desconfiada.Ele parecia não se preocupar nenhum pouco. Colocou as mãos para trás da cabeça e se recostou sobre o banco:- Já tive pessoas que me ajudaram antes dentro do castelo. Você não é a primeira, Kat. E eu precisei dar um voto de confiança também.- E você foi traído?- Mais ou menos...- O que isso significa, Dereck? – perguntei preocupada.- Nada demais..