Meu nome é Antônio Viola. A história extraordinária que vou relatar aconteceu comigo e modificou totalmente minha existência. Confesso que às vezes sinto tudo isso como se fosse um sonho, acontecimentos desencadeados por uma série de efemérides sob as quais não tive controle, trazendo uma sucessão de fatos tais que até hoje me surpreendem.
Talvez, por este motivo eu tenha resolvido escrever! De alguma forma era preciso compartilhar! A palavra falada tem apenas efeito efêmero, imediato... ela voa e se desfaz com o tempo, a não ser que marque o ouvinte com algo que mexa profundamente com sentimentos extremos, sejam de amor, sejam de mágoa, sejam de ódio...
Mas antes deixa eu tentar situar-me no âmbito do leitor: quem sou eu? Como vim parar aqui? Então vejamos:
Durante boa parte de minha vida fui uma pessoa de temperamento difícil, com um relacionamento desastroso, interagindo mal com os meus semelhantes, tímido e introvertido sofria horrivelmente com meus medos e complexos.
Não gostava absolutamente daquilo que fazia e, por isso, não conseguia desenvolver qualquer habilidade que me permitisse ganhar a vida. Aos trinta anos vivia com meus pais...
Minha mãe era uma supermãe... protegia e acobertava todos os meus grilos e desvios de caráter. Meu pai entregava-se ao trabalho quase vinte horas por dia. Vivia para isso.
Eugenio Viola era o que se podia chamar de industrial de sucesso! Depois da morte prematura de Giovanni Viola, meu avô, ele assumiu a fabriqueta meio falida de panelas de alumínio, uma indústria de “fundo de quintal” que nenhum de seus outros irmãos quis. Com muito esforço e um agudo tino comercial foi aos poucos administrando, modificando a linha de produtos, inovando, modernizando, aumentando as vendas e melhorando a produção até transformar a pequenina Panelas Viola na exuberante Viola — Artefatos de Alumínio Ltda. — uma forte indústria voltada para o segmento de equipamentos para cozinha, tanto doméstica, quanto industrial; fornecia serviços que iam do design à montagem, com as mais variadas linhas funcionais. Em resumo: a Viola era uma empresa forte que competia em igualdade de condições com famosas marcas nacionais e até multinacionais.
Do seu casamento com minha mãe nasceram dois filhos: Junior que, atualmente, contava trinta e cinco anos e eu que ia completar trinta!
Junior desde pequeno escolheu o mesmo caminho de meu pai: ia para a fábrica, observava os funcionários nas linhas de produção, acompanhava o velho nos eventos e, assim que completou dezoito anos foi trabalhar na Viola assumindo um cargo de assessoria no Setor de Pessoal. Junior, que se formou em administração de empresas, funcionava como o braço direito de meu pai que, aos cinquenta e nove anos, estava sendo pressionado pela família para trabalhar um pouco menos, recomendação que não chegou a ser cumprida: o infarto fulminante roubou-lhe a vida.
Por outro lado, eu não tinha a menor vocação para industrial; era sonhador e relacionava-me bem com as letras. Meu pai insistia comigo para que me interessasse pela fábrica, mas eu fazia questão de demonstrar que aquela não era a “minha praia”. Cursei engenharia mecânica por absoluta pressão e formei-me aos trancos e barrancos, sem nunca ter exercido a profissão. Não me ajeitava com trabalho e nem me fixava em nenhuma namorada tendo, nesse campo, apenas aventuras passageiras e insatisfatórias.
Tal tortura psicológica tolheu-me qualquer iniciativa. Eu não me sentia bem... vira e mexe me quedava triste e, por isso, criei uma natureza arredia, introvertida sem nunca externar meus sentimentos, e quando meu pai se zangava por minha falta de interesse, o que era frequente, fugia para o meu quarto onde remoía sozinho uma total decepção, enquanto ele esbravejava despejando a raiva em minha mãe que, evidentemente, defendia-me sempre.
Como já falei, meu pai morreu de infarto; computo essa data com o marco zero de minha narrativa. A partir daí uma sucessão de fatos levou-me a muitos episódios que resultaram neste livro. Mas a história, realmente, começa no dia do enterro de Eugenio Viola, meu pai.
O velório arrastou-se por toda a noite: melancólico, patético, triste... é claro que velório sempre é angustiante, principalmente para a família e os mais próximos, um ritual que não evoluiu através do tempo e mantém a tradição do temor da morte.Já amanhecia o dia e o enterro estava marcado para as nove horas. Sobre o catafalco repousava o esquife onde o corpo encontrava-se aguardando o sepultamento. Dona Margarida, a viúva inconsolável, meu irmão Junior e eu recebíamos os pêsames em um canto do salão, olhos vermelhos... rostos pálidos... Amélia, esposa de Junior e o resto do séquito familiar também faziam parte do roteiro das condolências; cada um dos que chegavam passava pelo féretro e dirigiam-se à fila para dizer as palavras de praxe tentando transmitir consolo à fam&i
Depois do enterro fomos todos para o espaçoso apartamento da família. Junior morava em um anexo do duplex, praticamente independente do corpo principal da residência, com a mulher e o casal de filhos; eu e minha mãe residíamos no apartamento que agora pertencia a ela.Estávamos reunidos na ampla sala de estar; as devidas ordens foram dadas à empregada para servir um café. A consternação era geral e os olhos inchados e vermelhos atestavam o sofrimento a que estivemos expostos.Junior, em pé com as mãos para trás, examinava uma estante repleta de bibelôs de biscuit; Amélia, sentada em uma poltrona, ajeitava o aplique de Vilma, a filha caçula, enquanto Marquinhos, o mais velho, olhava o mar pela varanda da sala; eu estava sentado à mesa com a testa apoiada nas mãos enquanto minha mãe jazia largada no sofá com os olhos
Havia mais de seis meses que eu me mudara para o pequeno apartamento do subúrbio. Enquanto fazia a limpeza e arrumava a mobília, pintura e outros afazeres, minha mente permanecera ocupada; depois, quando precisei entregar-me ao embalo da vida real, a dureza da minha decisão aparecia com a força devastadora das necessidades prementes. Eu precisava comer... no início comia na rua, mas o dinheiro ia se acabando e não havia reposição. Arrumar a casa e lavar a roupa tornou-se também um martírio que, somado à obrigação de procurar um emprego mudou totalmente a minha vida. Num piscar de olhos passei de moço rico e acostumado a mordomias, a ter que cuidar de mim mesmo com todas as implicações decorrentes de tal tarefa. E como eram difíceis essas tarefas ...Ainda não arranjara o que fazer e isso, sem dúvida, constituía-se em uma grande tortura pa
O resto da semana passou e procurei esquecer o assunto. Voltei à rotina de marcar anúncios e procurar emprego. As decepções continuaram e o processo depressivo persistiu instalando-se com força plena.Algumas vezes era-me insuportável pensar ou até mesmo respirar, e sentia uma angústia asfixiante que me apertava o peito embolando a garganta... e aí eu sentia desejos de morrer. E o pior é que a vontade aumentava dia a dia dando-me ímpetos de cometer o ato derradeiro. Nessa hora a única coisa que me vinha à mente era o rosto de Junior sorrindo satisfeito com a minha derrota... e então fazia das tripas coração e chorava para desabafar minha tristeza.Não pensei na conversa com a velha mulher cujo nome eu nem sabia. Com certeza teria problemas mentais e nada do que dissera faria sentido. Mas com a aproximação do domingo deu-me vontade de volt
Bela foi ao estábulo e em poucos minutos voltou com a charrete; subi e fomos a trote pelo caminho que levava à vilazinha. Durante o trajeto eu não abri a boca, apesar de sentir vontade de conversar com a moça, mas fiquei observando seu semblante de esguelha, disfarçadamente. Ela não era uma beleza clássica, mas tinha traços bem regulares: cabelos castanhos aloirados ligeiramente ondulados, mas sem serem crespos, nariz bem feito, um pouquinho arrebitado, lábios nem muito finos e nem muito grossos, de uma cor natural tendendo ao coral, não era alta, contudo, devido ao corpo esguio dava impressão de ser de uma estatura maior. O conjunto era bem agradável à minha vista, e não pude conter um ligeiro tremor por estar tão perto de seu corpo, na boleia da charrete.Ao chegarmos à praça onde eu pegaria a condução saltei e ela disse:― Tia Guida fa
Saí bem cedinho de casa... cheguei à praça da vila pouco depois das nove e Bela já estava me esperando. Quando a avistei ela fez sinal para que eu subisse à boleia e explicou:― Tia Guida quer que eu passe na feira para entregar algumas verduras e frutas. É aqui pertinho.Entrou por algumas ruas até desembocar em uma que estava fechada e onde acontecia a feira. Bela apeou da charrete e perguntou se eu queria acompanhá-la; aceitei o convite e saltando fui com ela até uma barraca. Ela conversou com o dono que, após um instante, mandou um garoto até a charrete de onde ele voltou com dois grandes sacos cheios de verduras e legumes. Havia alface, couve, cenoura, quiabo, feijão verde, ovos, mel e vários outros produtos da roça. O dono da barraca conferiu tudo, contou o dinheiro correspondente e pagou a Bela pelo produto. A moça sorriu e falou:― Obrigado seu Borges
No meu primeiro dia de trabalho acordei cedo. Aliás, foi difícil pegar no sono, pois a ansiedade martelava-me o espírito trazendo secura à boca e ardor nos olhos, mas às seis e meia em ponto estava na mesa para o café, de banho tomado, barba feita e roupa limpa. Após o café seguimos para a secretaria afim de verificar nosso plano de aula; eu e Bela passáramos a tarde anterior bolando o assunto que apresentaríamos. Fiquei revendo meus apontamentos e, confesso, estava extremamente nervoso; tinha dúvidas se conseguiria emitir um som sequer, na hora H.Pouco depois das sete e meia rumamos para o pavilhão onde os hóspedes nos aguardavam. Guida foi comigo para fazer a minha apresentação formal aos hóspedes e Bela ficou na secretaria fazendo o trabalho burocrático.Doze hóspedes nos aguardavam no salão principal. Guida passou os olhos pela turma
Deixei o alojamento e caminhei em direção à casa. Guida me aguardava na secretaria e ao ver minha fisionomia um tanto transtornada arriscou um comentário:― Você está com cara de que viu o que nunca tinha visto...― E você tem razão ― disse eu.E contei tudo que havia presenciado, ouvido e dito.― Não disse que quando você tentasse ensinar iria aprender? Você pode estudar exaustivamente um assunto, porém o verdadeiro entendimento só acontecerá quando você procurar nos escaninhos de sua mente as palavras, os conceitos, os exemplos, as notações e as ideias necessárias para explicar ou manter seu ponto de vista para alguém. Como dizia o refrão daquela música “... aprendendo e ensinando uma nova lição...”― Mas porque a vida é cruel para alguns enquanto para outros oferec