O resto da semana passou e procurei esquecer o assunto. Voltei à rotina de marcar anúncios e procurar emprego. As decepções continuaram e o processo depressivo persistiu instalando-se com força plena.
Algumas vezes era-me insuportável pensar ou até mesmo respirar, e sentia uma angústia asfixiante que me apertava o peito embolando a garganta... e aí eu sentia desejos de morrer. E o pior é que a vontade aumentava dia a dia dando-me ímpetos de cometer o ato derradeiro. Nessa hora a única coisa que me vinha à mente era o rosto de Junior sorrindo satisfeito com a minha derrota... e então fazia das tripas coração e chorava para desabafar minha tristeza.
Não pensei na conversa com a velha mulher cujo nome eu nem sabia. Com certeza teria problemas mentais e nada do que dissera faria sentido. Mas com a aproximação do domingo deu-me vontade de volt
Bela foi ao estábulo e em poucos minutos voltou com a charrete; subi e fomos a trote pelo caminho que levava à vilazinha. Durante o trajeto eu não abri a boca, apesar de sentir vontade de conversar com a moça, mas fiquei observando seu semblante de esguelha, disfarçadamente. Ela não era uma beleza clássica, mas tinha traços bem regulares: cabelos castanhos aloirados ligeiramente ondulados, mas sem serem crespos, nariz bem feito, um pouquinho arrebitado, lábios nem muito finos e nem muito grossos, de uma cor natural tendendo ao coral, não era alta, contudo, devido ao corpo esguio dava impressão de ser de uma estatura maior. O conjunto era bem agradável à minha vista, e não pude conter um ligeiro tremor por estar tão perto de seu corpo, na boleia da charrete.Ao chegarmos à praça onde eu pegaria a condução saltei e ela disse:― Tia Guida fa
Saí bem cedinho de casa... cheguei à praça da vila pouco depois das nove e Bela já estava me esperando. Quando a avistei ela fez sinal para que eu subisse à boleia e explicou:― Tia Guida quer que eu passe na feira para entregar algumas verduras e frutas. É aqui pertinho.Entrou por algumas ruas até desembocar em uma que estava fechada e onde acontecia a feira. Bela apeou da charrete e perguntou se eu queria acompanhá-la; aceitei o convite e saltando fui com ela até uma barraca. Ela conversou com o dono que, após um instante, mandou um garoto até a charrete de onde ele voltou com dois grandes sacos cheios de verduras e legumes. Havia alface, couve, cenoura, quiabo, feijão verde, ovos, mel e vários outros produtos da roça. O dono da barraca conferiu tudo, contou o dinheiro correspondente e pagou a Bela pelo produto. A moça sorriu e falou:― Obrigado seu Borges
No meu primeiro dia de trabalho acordei cedo. Aliás, foi difícil pegar no sono, pois a ansiedade martelava-me o espírito trazendo secura à boca e ardor nos olhos, mas às seis e meia em ponto estava na mesa para o café, de banho tomado, barba feita e roupa limpa. Após o café seguimos para a secretaria afim de verificar nosso plano de aula; eu e Bela passáramos a tarde anterior bolando o assunto que apresentaríamos. Fiquei revendo meus apontamentos e, confesso, estava extremamente nervoso; tinha dúvidas se conseguiria emitir um som sequer, na hora H.Pouco depois das sete e meia rumamos para o pavilhão onde os hóspedes nos aguardavam. Guida foi comigo para fazer a minha apresentação formal aos hóspedes e Bela ficou na secretaria fazendo o trabalho burocrático.Doze hóspedes nos aguardavam no salão principal. Guida passou os olhos pela turma
Deixei o alojamento e caminhei em direção à casa. Guida me aguardava na secretaria e ao ver minha fisionomia um tanto transtornada arriscou um comentário:― Você está com cara de que viu o que nunca tinha visto...― E você tem razão ― disse eu.E contei tudo que havia presenciado, ouvido e dito.― Não disse que quando você tentasse ensinar iria aprender? Você pode estudar exaustivamente um assunto, porém o verdadeiro entendimento só acontecerá quando você procurar nos escaninhos de sua mente as palavras, os conceitos, os exemplos, as notações e as ideias necessárias para explicar ou manter seu ponto de vista para alguém. Como dizia o refrão daquela música “... aprendendo e ensinando uma nova lição...”― Mas porque a vida é cruel para alguns enquanto para outros oferec
Semanas passaram-se! Aos poucos fui me adaptando ao novo estilo de vida. Na hora do almoço conversávamos sobre as atividades da chácara e no descanso eu e Bela corríamos para as poltronas da varanda para uma conversa descontraída.Maricá estava superando o vício aos pouquinhos e isso me alegrava. Tivera ainda mais duas crises, mas, segundo ele próprio, já conseguia perceber aquilo que queria... e isso, sem dúvidas, era livrar-se das drogas.Certo dia após as aulas, fui procurado por Solange, uma das hóspedes. Como todos os outros ela era magra e mostrava estar saindo recentemente do vício funesto que a acompanhava desde a adolescência; como a maioria, tinha tatuagens esparsas nos braços e nas costas, pois trajava sempre uma blusa decotada e sem mangas que deixavam à mostra tais desenhos. O sorriso era falhado pela falta de alguns dentes e o corpo fazia l
E o tempo foi passando! Eu aprendendo com aquela gente diferente que gastava as suas horas, minutos e segundos tentando fazer com que o próximo se sentisse importante e feliz.Num dado domingo quando a chácara ficava mais calma e eu me preparava para aproveitar uma folga, Guida e Bela vieram me convidar para sair com elas; segundo disseram iam fazer algumas visitas a pessoas da vizinhança, visitas corriqueiras... um programa leve para um dia de domingo.Haviam preparado algumas cestas de alimentos que explicaram ser praxe distribuí-las a famílias já cadastradas para receber o benefício. Também levavam um farnel bem caprichado para almoçarem em algum local predeterminado. Como iríamos os três e ainda levaríamos o peso das cestas, Guida resolveu que iríamos de carro. Ela possuía um automóvel, só que o utilizava apenas quando saía da vila ou ia
Na varanda dos fundos que dava para uma floresta distante uns quinze a vinte metros, havia uma mesa grande com o tampo feito de uma só peça de jaqueira; ao lado uns bancos compridos onde cabiam facilmente quatorze pessoas, seis de cada lado e ainda mais dois, um em cada cabeceira. Guida sempre arguia Julião sobre a necessidade de uma mesa tão grande, já que ele morava sozinho.― Eu é que preciso de uma mesa assim ― dizia ela. ― Lá na chácara ficaria perfeita no pavilhão, pois meus treze hóspedes estariam bem instalados nela.Guida e Bela trouxeram o farnel preparado na chácara e distribuíram sobre a mesa. Era bem farto e tinha arroz, salada, filé de peixe, legumes e frutas. O almoço foi alegre e participativo; Julião contribuiu com um saboroso refresco de pitanga bem gelado e revigorante.Após o almoço sentaram-se todos embaixo do caramanch&atil
Lá pelas cinco e meia da tarde retornamos à chácara. Como Rute estava recolhida a seus aposentos, Bela foi para a cozinha preparar um café. Serviu-o na mesa da varanda, café, leite, pão, manteiga, biscoitos e bolinho de chuva.No início comemos calados e de olhos postos no lanche... depois de algum tempo quebrei o silêncio e perguntei à Guida:― Não entendi muito quando o doutor Julião disse que a humanidade estava com câncer e que o tratamento seria doloroso. Você poderia explicar melhor?Guida sorriu divertida com o tratamento de “doutor Julião” que eu dei ao novo amigo. Mas com toda a condescendência procurou responder:― Uma forma alegórica de dizer que o mundo de hoje se encontra em desordem moral e psíquica é compará-lo a um imenso organismo. Quando um organismo está em desequilíbrio dizemos que e