Cada dia, semana, mês ou ano passado na chácara faziam do meu aprendizado cotidiano um grande curso existencial com mestrado e doutorado em ciências da realidade nua e crua, noção e percepção dos mais variados instantes vividos. Eu já estava completamente adaptado e cada vez sentia maior prazer em participar da comunidade da chácara. Meu namoro/noivado com Bela já tinha chegado aos sete meses e nós estávamos focados em um casamento próximo, até o fim do ano no mais tardar.
Em agosto aconteceu o enlace matrimonial de Hélio e Brida. Hélio conseguira um emprego em uma editora para confeccionar as artes, capas e outros desenhos que fossem básicos à empresa e como possuía uma aptidão fantástica para criar ilustrações e gravuras, auferia um salário razoável e mais os serviços prestados a terceiro
O diálogo entre mim e Bela era bem lapidado e sempre nos entrosávamos com pensamentos lúcidos. Bela, sem favor nenhum, era uma moça portadora de um juízo equilibrado.Numa oportunidade em que o trabalho nos concedeu uma folga, eu e ela sentamo-nos na varanda para colocar as coisas em dia. Com vinda de Selma e Jonas foram três os que necessitavam de cuidados especiais, pois o estado de Alexandre ainda exigia cautela e vigilância redobrada. Maricá conseguira ultrapassar a fase aguda e estava em franca recuperação tendo engordado uns quilinhos, o que lhe auferia melhor aparência. Com isso o trabalho aumentou bastante e, depois do jantar assistíamos um pouco a TV já cochilando e pedindo uma caminha para descansar o corpo exausto. Por isso meu encontro com Bela foi indispensável para comentarmos nossos assuntos pessoais.Depois que eu “ficara rico” era a primeira vez q
Alexandre se foi...Pela regra da chácara outra pessoa deveria ocupar o lugar dele e a romaria em busca de pessoas adequadas à natureza da vaga, acrescentou novas peripécias aos capítulos anteriores.Guida e eu percorríamos as “cracolândias” numa peregrinação obscura para “pescar” novas almas concordantes com o tratamento. Trabalho inglório, perigoso, estafante...Já ouvi centenas de vezes muitas pessoas de ‘juízo’ dizer que no universo não existe acaso... acaso é o nome de uma Lei ainda desconhecida e não enunciada. Pela famosa Lei da Atração que, tanto Guida quanto Julião, citavam com constância em suas considerações e justificativas, remetendo ao Cósmico a realização de certos eventos, em uma de nossas buscas, sem qualquer razão aparente, Bela resolveu particip
Na semana seguinte, na sexta-feira levantei-me e fui para a mesa do café... não vi ninguém! Silêncio, nenhum movimento.... na cozinha encontrei Rute:― Onde se escondeu o povo da casa? ― perguntei divertido.Ela falou com a sua voz calma e o sotaque arrastado das baianas:― Tem expediente hoje não, seu Antônio! Dona Atília desencarnou! Dona Guida foi pra lá onde ela mora ajudar com a preparação do enterro!Fiquei atônito com a notícia! A morte é assim! Apesar de estarmos preparados para o desenlace ela sempre nos pega desprevenidos.Encontrei Bela na secretaria... Ela estava com o semblante triste.― Já soube de dona Atília? ― perguntou Bela.― Sim! A que horas será o sepultamento?― Provavelmente às dezesseis... ela faleceu entre três e quatro horas. Avisaram Tia Guida e ela foi para lá de madrugada.
Aos poucos dona Marisa foi voltando à vida, mas não à realidade! Os exames feitos mostraram uma insuficiência mental decorrente da alienação progressiva causada pela droga. Com o choque devido ao reencontro com Bela agravou-se o quadro e o seu nível de consciência ficou prejudicado em relação ao reconhecimento da filha, o que até certo ponto foi salutar para o seu processo de recuperação da saúde bastante debilitada pela dependência catastrófica.À conselho médico, Bela não fez força para que a memória de sua mãe se restabelecesse imediatamente; por enquanto era melhor deixar que o processo de amnésia fosse seguindo o curso natural imposto pelo próprio organismo e, por conta disso, dona Marisa agia como, se ao invés de mãe, fosse uma filha obediente de Bela, respeitando-a e cumprindo aquilo que
Esclarecimentos ao leitorQuanto mais eu tento entender a natureza humana mais eu sinto que estou longe de conhecê-la! E quem pode se gabar de possuir tal sabedoria? Reconheço que não tenho essa capacidade! Também pudera... sou dono apenas da experiência de minha vida! O que aprendi com outras pessoas e tomei para mim, foram as experiências delas, as quais uso, mas não as vivenciei.Muitas vezes olho para o céu e vendo passar um avião me indago: “Quem são aqueles que ali vão?” E me respondo: “São seres humanos que levam ou trazem alegrias, decepções, uma nova vida, uma desilusão, voando em busca de um amor, ou para esquecer alguém, novos empregos, novos cursos, mudanças...” todavia, cada qual com a sua experiência particular.O fato é que as reações individuais
Meu nome é Antônio Viola. A história extraordinária que vou relatar aconteceu comigo e modificou totalmente minha existência. Confesso que às vezes sinto tudo isso como se fosse um sonho, acontecimentos desencadeados por uma série de efemérides sob as quais não tive controle, trazendo uma sucessão de fatos tais que até hoje me surpreendem.Talvez, por este motivo eu tenha resolvido escrever! De alguma forma era preciso compartilhar! A palavra falada tem apenas efeito efêmero, imediato... ela voa e se desfaz com o tempo, a não ser que marque o ouvinte com algo que mexa profundamente com sentimentos extremos, sejam de amor, sejam de mágoa, sejam de ódio...Mas antes deixa eu tentar situar-me no âmbito do leitor: quem sou eu? Como vim parar aqui? Então vejamos:Durante boa parte de minha vida fui uma pessoa de temperamento difícil, com um
O velório arrastou-se por toda a noite: melancólico, patético, triste... é claro que velório sempre é angustiante, principalmente para a família e os mais próximos, um ritual que não evoluiu através do tempo e mantém a tradição do temor da morte.Já amanhecia o dia e o enterro estava marcado para as nove horas. Sobre o catafalco repousava o esquife onde o corpo encontrava-se aguardando o sepultamento. Dona Margarida, a viúva inconsolável, meu irmão Junior e eu recebíamos os pêsames em um canto do salão, olhos vermelhos... rostos pálidos... Amélia, esposa de Junior e o resto do séquito familiar também faziam parte do roteiro das condolências; cada um dos que chegavam passava pelo féretro e dirigiam-se à fila para dizer as palavras de praxe tentando transmitir consolo à fam&i
Depois do enterro fomos todos para o espaçoso apartamento da família. Junior morava em um anexo do duplex, praticamente independente do corpo principal da residência, com a mulher e o casal de filhos; eu e minha mãe residíamos no apartamento que agora pertencia a ela.Estávamos reunidos na ampla sala de estar; as devidas ordens foram dadas à empregada para servir um café. A consternação era geral e os olhos inchados e vermelhos atestavam o sofrimento a que estivemos expostos.Junior, em pé com as mãos para trás, examinava uma estante repleta de bibelôs de biscuit; Amélia, sentada em uma poltrona, ajeitava o aplique de Vilma, a filha caçula, enquanto Marquinhos, o mais velho, olhava o mar pela varanda da sala; eu estava sentado à mesa com a testa apoiada nas mãos enquanto minha mãe jazia largada no sofá com os olhos