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Depois do enterro fomos todos para o espaçoso apartamento da família. Junior morava em um anexo do duplex, praticamente independente do corpo principal da residência, com a mulher e o casal de filhos; eu e minha mãe residíamos no apartamento que agora pertencia a ela.

Estávamos reunidos na ampla sala de estar; as devidas ordens foram dadas à empregada para servir um café. A consternação era geral e os olhos inchados e vermelhos atestavam o sofrimento a que estivemos expostos.

Junior, em pé com as mãos para trás, examinava uma estante repleta de bibelôs de biscuit; Amélia, sentada em uma poltrona, ajeitava o aplique de Vilma, a filha caçula, enquanto Marquinhos, o mais velho, olhava o mar pela varanda da sala; eu estava sentado à mesa com a testa apoiada nas mãos enquanto minha mãe jazia largada no sofá com os olhos fechados.

— Vou sair de casa e morar sozinho!

A frase que proferi fez com que todos olhassem admirados para mim. Após um breve período, quando o silencio reinou pela surpresa, houve uma agitação, principalmente de minha mãe e Junior. Meu irmão soltou uma risada discreta e comentou:

— Só mesmo você para me fazer rir no dia de hoje! Vai para onde, Tonho?

Ele sabia que eu detestava o apelido de Tonho! Olhei-o de esguelha e respondi:

— Não sei! Na verdade, preciso dar um rumo em minha vida! Enquanto estiver aqui vou permanecer amarrado, acabando com a minha alma por dentro... agora que papai morreu nada me prende mais aqui!

Como já vinha com o abalo psíquico do sepultamento, chorei. Minha mãe levantou-se e correu a consolar-me:

 — Meu filho, esta é a sua casa! Aqui você estará sempre à vontade para fazer o que quiser!... Como nada te prende? Quer dizer que eu, sua mãe, não sou nada?...

― Não é isso mãe! Eu amo você..., mas preciso dar uma direção à minha vida...

— Você terá que viver das rendas de nossa família — comentou Junior. — Sua parte da herança está tão comprometida quanto a minha e a de mamãe. Papai sabia disso e foi esse o motivo pelo qual ele queria que você trabalhasse na empresa. Como você não tem qualquer experiência não vai conseguir emprego em lugar nenhum, a não ser na Viola.

Alcei os olhos e encarei meu irmão: Junior era cinco anos mais velho... ele nunca participara de minha vida, nem de minha infância ou de meus folguedos... havia uma separação natural entre nós dois e, apesar de nos gostarmos, não tínhamos a menor intimidade ou sequer afinidade um com o outro. Junior me considerava um menino mimado, cheio de vontades e sem querer trabalhar... e não me poupava de suas críticas ferinas e contundentes.

— Não quero dinheiro da fábrica! — Exclamei meio aborrecido com o comentário dele. — Guardei o dinheiro que vocês me deram como mesada nos últimos anos e tenho uma poupança capaz de me sustentar por algum tempo. Além disso, posso dar aulas...

Junior balançou a cabeça com ar reprovativo:

— Ora irmão, você sabe que só poderia dar aulas em colégios de primeiro e segundo grau, pois não tem graduação em nenhuma matéria... vale-se do seu curso de engenharia. E isso é muito mal remunerado... além de que você teria que pagar aluguel...

— Eu poderia dar aula em cursinhos, pois sou bom em português e história... os cursinhos só exigem que se tenha boa didática...

Junior deu um muxoxo:

— Ainda bem que você é bom em português e sabe usar um verbo no futuro do pretérito... sabe por quê? Porque requer uma ação ainda não acontecida, ou seja, uma condição... poderia meu querido irmão... poderia!

Minha mãe correu em minha defesa:

— Pare Junior não vê que Antônio está abalado? Olhe meu filho, preferimos que fique aqui, mas temos um apartamento pequeno que vagou mês passado no subúrbio, onde podes morar até passar essa tua febre. Depois voltas...

Olhei desgostoso para minha mãe. Ela sempre punha panos quentes e protegia-me; entretanto, nesse momento era preciso aceitar as condições e ir para o apartamento que estava sendo oferecido... depois eu veria o que fazer.

Junior deu de ombros e comentou:

— É, vá mesmo!... As chaves do apartamento estão comigo; vou mandá-las... como sempre a mamãe te salvou, aliás, é o que ela faz melhor... você não cresceu garoto, é um meninão!... E mimado ainda por cima!

Permaneci calado e fui para os meus aposentos. Não desci para o almoço e saí sem ser visto. Como acontecia nessas ocasiões, corri para a praia em frente e sentei-me em um banco curtindo sozinho as minhas mágoas.

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