Esclarecimentos ao leitor
Quanto mais eu tento entender a natureza humana mais eu sinto que estou longe de conhecê-la! E quem pode se gabar de possuir tal sabedoria? Reconheço que não tenho essa capacidade! Também pudera... sou dono apenas da experiência de minha vida! O que aprendi com outras pessoas e tomei para mim, foram as experiências delas, as quais uso, mas não as vivenciei.
Muitas vezes olho para o céu e vendo passar um avião me indago: “Quem são aqueles que ali vão?” E me respondo: “São seres humanos que levam ou trazem alegrias, decepções, uma nova vida, uma desilusão, voando em busca de um amor, ou para esquecer alguém, novos empregos, novos cursos, mudanças...” todavia, cada qual com a sua experiência particular.
O fato é que as reações individuais são imprevisíveis. Agimos tal e qual um gás real dentro de um recipiente fechado. Ali as moléculas chocam-se umas às outras ou com as paredes do compartimento num verdadeiro caos aparente, mas o gás obedece às leis de volume, temperatura e pressão, permitindo que se conheça o resultado exato de seu comportamento através dessas variáveis.
E se a conduta individual é imprevisível, o desempenho coletivo, as multidões, as massas, ou gente reunida em ajuntamentos, é exatamente definido por padrões próprios e por esse motivo os lideres conseguem manobrar tais grupos com facilidade e influenciar, conduzir, dirigir ou administrar pessoas levando-as a brilhantes feitos ou afundando-as em conjuras fatais.
Mas eu prefiro sempre ― e de tal não abro mão ― o melhor lado, aquele mais positivo e que leva a natureza humana a lutar por ideais, por princípios e principalmente por virtudes. Com isso não quero dizer que sou santo, longe disso, e tampouco um quixotesco cavaleiro andante, sou uma unidade, uma célula de um imenso organismo que procura acertar, mas não se furta de errar mil vezes. Mas a cada erro levanto a cabeça e procuro um acerto. Este é o verdadeiro aprendizado que recebemos na senda onde sempre deixamos simbolicamente pedaços de nossa carne penduradas nos espinhos do tal caminho. E sempre iremos transmitir os preceitos aprendidos por acharmos que eles são uma porta que nos conduz à jornada evolutiva pelo planeta. Repasso aqui os belos versos de Francisco Otaviano que nos alertam e levam a uma reflexão oportuna:
“Quem passou pela vida em brancas nuvens / e em plácido repouso adormeceu, / quem não sentiu o frio da desgraça, / quem passou pela vida e não sofreu, / foi espectro de homem, não foi homem: / ― Só passou pela vida ― não viveu!
Esse é o motivo pelo qual Antônio Viola, o personagem narrador do romance que ora apresento, foi elaborado a partir de um pouco de todos nós; exibe defeitos, algumas qualidades, muitos medos, carências, afetos, emoções, influências... e mostra que a sua jornada pela vida é o símbolo da passagem pelo estado bruto no qual muitos de nós se encontram, às vezes sem perceber; em tal estado os homens são naturalmente egocêntricos; e sem dúvida essa é uma boa informação para um aprendizado real e cheio de bons exemplos ao alcance de qualquer pessoa que queira melhorar e desbastar a sua pedra bruta em busca de melhores oportunidades. Mas ele vence... e supera... e torna-se um homem...
E com isso procuro mostrar que o mundo não é construído apenas para o nosso ego! Não somos as pessoas mais felizes ou infelizes do nosso planeta! À nossa volta existem outros seres que riem, choram e sentem ânsias e desejos, tal e qual aqueles que citei no exemplo do avião. Caminhar pela vida nunca foi fácil! Não nos contentamos com a simplicidade e precisamos sempre colocar por nossa conta e risco um obstáculo a mais, uma pitada de estorvos e bastante dificuldades sempre acompanhadas e instaladas por um desejo compulsivo de complicar aquilo que é simples. Mas não se preocupe: Isso é natural, pois a mente nos impele a pensarmos que “se podemos complicar, para que simplificar?”. Então caímos nas ciladas armadas pelo “self”, o eu interior, que funciona exatamente como quer o nosso desejo inconsciente. A depressão é o efeito mais comum quando entramos nesse nível um tanto mórbido da nossa profundidade.
Evidentemente, por estarmos extremamente fragilizados, é frequente uma busca pela religião como tábua de salvação! Não importa o nome ou o rótulo, importa sim, que sejamos recebidos com simpatia e que isso satisfaça o nosso eu interno... na verdade, estamos procurando companhia, e desesperadamente, diga-se de passagem! Nessa fase o perigo é a paixão excessiva com o risco de tornar-se um fanático. A religião é importante, pois ela procura (nem todas) dotar seus prosélitos com uma conduta sócio familiar desejável, além de oferecer o sentido dualista de “castigo/recompensa”, porém, ao mesmo tempo, é uma “gaiola dourada” com barras que tolhem a nossa liberdade, caso sejamos livres-pensadores.
As ordens místicas e iniciáticas também exercem poderoso fascínio por despertarem a curiosidade, ou talvez medo, mas de qualquer forma infundem sentimentos controversos e que, momentaneamente, são capazes de suprir necessidades internas de indivíduos fragilizados. Perceba, que tudo isso é extremamente fácil de acontecer, porquanto somos escravos de esquemas que estimulam nossa credulidade exagerada. Tudo é válido e lícito desde que tenhamos o cuidado de manter o nível consciente, ou seja, nem céticos em demasia nem abusivamente crentes, ou melhor, “...tudo vale a pena quando a alma não é pequena...[1]”
Eu conheço a maioria das ordens, religiões ou seitas. Estudei em colégios de padres e de freiras; cresci em um lar espírita assistindo desde pequeno as manifestações mediúnicas de minha mãe, poderoso instrumento psíquico; fui batizado na umbanda; pertenço à Ordem Rosacruz e à Maçonaria onde tenho atuação destacada; sou casado no candomblé; quando necessário comungo na Igreja Católica e faço palestras em centros espíritas, mas quando alguém me pergunta qual a minha religião me coloco como agnóstico não ateu, pois estando no patamar que construí para a minha vida preciso aceitar todas as religiões, sem segui-las, entretanto. Todas são válidas, todas buscam a redenção através da aproximação com um Ser Supremo ao qual chamam Deus, Alah, Jeová, Buda, Tao, Ain Soph, Tupã, Olorum... e por aí a fora. Eu por mim o designo por “Grande Arquiteto do Universo”, os rosacruzes dizem o “Deus do nosso coração e da nossa compreensão”, o ocultista o chama O Todo.
Tudo isso para apresentar aos leitores “A alma no reflexo da vida”, uma crônica com personagens nos quais muitos dos leitores reconhecerão pessoas que poderiam ser seus parentes, amigos ou conhecidos, íntimos ou não, e que são fáceis de encontrar em nossa marcha pelo mundo, basta ter a boa-vontade para reconhecê-los quando se aproximarem de nós.
Que este livro tenha o efeito de um bálsamo salutar para aqueles que acham que todo o sofrimento do universo é uma exclusividade sua.
Aos meus irmãos de ordem um tríplice e fraterno abraço, aos fratres e sorores Pax Profundi, aos irmãos da sublime Ordem de São João, Ya Hu Akbar.
Aos meus familiares que me deram o lastro para escrever a obra, meu muito obrigado e aos leitores, razão de ser de qualquer livro, que suas páginas sejam repletas de luz aclarando os seus pensamentos e abrindo todos os caminhos.
Luz, amor e poder.
Dias D’Ávila – Bahia novembro 2017.
Fergi Cavalca
[1] Fernando Pessoa (nota do autor),
Meu nome é Antônio Viola. A história extraordinária que vou relatar aconteceu comigo e modificou totalmente minha existência. Confesso que às vezes sinto tudo isso como se fosse um sonho, acontecimentos desencadeados por uma série de efemérides sob as quais não tive controle, trazendo uma sucessão de fatos tais que até hoje me surpreendem.Talvez, por este motivo eu tenha resolvido escrever! De alguma forma era preciso compartilhar! A palavra falada tem apenas efeito efêmero, imediato... ela voa e se desfaz com o tempo, a não ser que marque o ouvinte com algo que mexa profundamente com sentimentos extremos, sejam de amor, sejam de mágoa, sejam de ódio...Mas antes deixa eu tentar situar-me no âmbito do leitor: quem sou eu? Como vim parar aqui? Então vejamos:Durante boa parte de minha vida fui uma pessoa de temperamento difícil, com um
O velório arrastou-se por toda a noite: melancólico, patético, triste... é claro que velório sempre é angustiante, principalmente para a família e os mais próximos, um ritual que não evoluiu através do tempo e mantém a tradição do temor da morte.Já amanhecia o dia e o enterro estava marcado para as nove horas. Sobre o catafalco repousava o esquife onde o corpo encontrava-se aguardando o sepultamento. Dona Margarida, a viúva inconsolável, meu irmão Junior e eu recebíamos os pêsames em um canto do salão, olhos vermelhos... rostos pálidos... Amélia, esposa de Junior e o resto do séquito familiar também faziam parte do roteiro das condolências; cada um dos que chegavam passava pelo féretro e dirigiam-se à fila para dizer as palavras de praxe tentando transmitir consolo à fam&i
Depois do enterro fomos todos para o espaçoso apartamento da família. Junior morava em um anexo do duplex, praticamente independente do corpo principal da residência, com a mulher e o casal de filhos; eu e minha mãe residíamos no apartamento que agora pertencia a ela.Estávamos reunidos na ampla sala de estar; as devidas ordens foram dadas à empregada para servir um café. A consternação era geral e os olhos inchados e vermelhos atestavam o sofrimento a que estivemos expostos.Junior, em pé com as mãos para trás, examinava uma estante repleta de bibelôs de biscuit; Amélia, sentada em uma poltrona, ajeitava o aplique de Vilma, a filha caçula, enquanto Marquinhos, o mais velho, olhava o mar pela varanda da sala; eu estava sentado à mesa com a testa apoiada nas mãos enquanto minha mãe jazia largada no sofá com os olhos
Havia mais de seis meses que eu me mudara para o pequeno apartamento do subúrbio. Enquanto fazia a limpeza e arrumava a mobília, pintura e outros afazeres, minha mente permanecera ocupada; depois, quando precisei entregar-me ao embalo da vida real, a dureza da minha decisão aparecia com a força devastadora das necessidades prementes. Eu precisava comer... no início comia na rua, mas o dinheiro ia se acabando e não havia reposição. Arrumar a casa e lavar a roupa tornou-se também um martírio que, somado à obrigação de procurar um emprego mudou totalmente a minha vida. Num piscar de olhos passei de moço rico e acostumado a mordomias, a ter que cuidar de mim mesmo com todas as implicações decorrentes de tal tarefa. E como eram difíceis essas tarefas ...Ainda não arranjara o que fazer e isso, sem dúvida, constituía-se em uma grande tortura pa
O resto da semana passou e procurei esquecer o assunto. Voltei à rotina de marcar anúncios e procurar emprego. As decepções continuaram e o processo depressivo persistiu instalando-se com força plena.Algumas vezes era-me insuportável pensar ou até mesmo respirar, e sentia uma angústia asfixiante que me apertava o peito embolando a garganta... e aí eu sentia desejos de morrer. E o pior é que a vontade aumentava dia a dia dando-me ímpetos de cometer o ato derradeiro. Nessa hora a única coisa que me vinha à mente era o rosto de Junior sorrindo satisfeito com a minha derrota... e então fazia das tripas coração e chorava para desabafar minha tristeza.Não pensei na conversa com a velha mulher cujo nome eu nem sabia. Com certeza teria problemas mentais e nada do que dissera faria sentido. Mas com a aproximação do domingo deu-me vontade de volt
Bela foi ao estábulo e em poucos minutos voltou com a charrete; subi e fomos a trote pelo caminho que levava à vilazinha. Durante o trajeto eu não abri a boca, apesar de sentir vontade de conversar com a moça, mas fiquei observando seu semblante de esguelha, disfarçadamente. Ela não era uma beleza clássica, mas tinha traços bem regulares: cabelos castanhos aloirados ligeiramente ondulados, mas sem serem crespos, nariz bem feito, um pouquinho arrebitado, lábios nem muito finos e nem muito grossos, de uma cor natural tendendo ao coral, não era alta, contudo, devido ao corpo esguio dava impressão de ser de uma estatura maior. O conjunto era bem agradável à minha vista, e não pude conter um ligeiro tremor por estar tão perto de seu corpo, na boleia da charrete.Ao chegarmos à praça onde eu pegaria a condução saltei e ela disse:― Tia Guida fa
Saí bem cedinho de casa... cheguei à praça da vila pouco depois das nove e Bela já estava me esperando. Quando a avistei ela fez sinal para que eu subisse à boleia e explicou:― Tia Guida quer que eu passe na feira para entregar algumas verduras e frutas. É aqui pertinho.Entrou por algumas ruas até desembocar em uma que estava fechada e onde acontecia a feira. Bela apeou da charrete e perguntou se eu queria acompanhá-la; aceitei o convite e saltando fui com ela até uma barraca. Ela conversou com o dono que, após um instante, mandou um garoto até a charrete de onde ele voltou com dois grandes sacos cheios de verduras e legumes. Havia alface, couve, cenoura, quiabo, feijão verde, ovos, mel e vários outros produtos da roça. O dono da barraca conferiu tudo, contou o dinheiro correspondente e pagou a Bela pelo produto. A moça sorriu e falou:― Obrigado seu Borges
No meu primeiro dia de trabalho acordei cedo. Aliás, foi difícil pegar no sono, pois a ansiedade martelava-me o espírito trazendo secura à boca e ardor nos olhos, mas às seis e meia em ponto estava na mesa para o café, de banho tomado, barba feita e roupa limpa. Após o café seguimos para a secretaria afim de verificar nosso plano de aula; eu e Bela passáramos a tarde anterior bolando o assunto que apresentaríamos. Fiquei revendo meus apontamentos e, confesso, estava extremamente nervoso; tinha dúvidas se conseguiria emitir um som sequer, na hora H.Pouco depois das sete e meia rumamos para o pavilhão onde os hóspedes nos aguardavam. Guida foi comigo para fazer a minha apresentação formal aos hóspedes e Bela ficou na secretaria fazendo o trabalho burocrático.Doze hóspedes nos aguardavam no salão principal. Guida passou os olhos pela turma